domingo, 1 de abril de 2007

RETALHOS DO QUOTIDIANO (parte 7/26)

Buenos Aires

Foi para falar sobre contratos de risco que a WED me enviou ao Congresso Mundial de Buenos Aires. Desde a última década do século passado o Governo deixou de atuar em caráter exclusivo na área de infra-estrutura, substituindo-se nessa tarefa por companhias nacionais e estrangeiras, contratadas no regime das concessões. As agências regulam a atividade, as companhias assumem o risco e executam as operações e o governo licita, regula e recolhe generosos impostos e participações. Telecomunicações, petróleo, energia elétrica e mineração, tudo agora se desenvolve sob a égide da competição. Os que não conviveram com esse modelo, queriam saber, e rapidamente, como funcionam os contratos e como se toma uma decisão quando há risco de empreitadas malsucedidas.
Tudo bem, pensei, mas falar em congressos nunca passara pela minha cabeça. Nem poderia imaginar, também, que esse evento teria depois influência decisiva na minha vida.
Cecília decidiu viajar comigo, uma pausa no ritmo frenético que levava à frente dos seus negócios, cada dia mais diversificados, prósperos e exaustivos. Viajávamos juntos freqüentemente nas férias, é verdade, mas esta foi a única vez em que ela me acompanhou numa viagem de negócios.
O congresso tratava de muitos assuntos, que não tinham relação direta com a exposição que me cabia fazer. Apresentei-me no dia inaugural, quando me informaram que a minha exposição seria a última da programação. Eram palestras numerosas e simultâneas, que iam desde o aumento dos problemas com a camada de ozônio até o poder calorífico do álcool combustível ou como se pode antecipar a produção de um campo de petróleo, diminuir a poluição da cidade de Tóquio ou medir a umidade do ar num campo de golfe. A poucas assisti, pois esses assuntos geralmente não me interessavam. Uma delas, sobre Física moderna, tinha o curioso título de “Caminhando para a incerteza” e me levaria depois a ser um estudante de Física.
Logo constatei que cada palestrante merecia apenas uns poucos interessados. Eu não tinha por que me preocupar, pois o meu vexame haveria de ser para meia dúzia de testemunhas ociosas, eis que não passava de um palestrante de último dia, quando os participantes estariam voltando para seus países ou aproveitando o derradeiro momento para conhecer melhor a cidade de Buenos Aires. Não iriam perder seu tempo comigo, um desconhecido, sem nenhum retrospecto ou recomendação nos folhetos que orientavam a seleção das palestras a serem assistidas.
Uma indiferença que, de resto, só fazia me tranqüilizar. Afinal, apresentar artigos em congressos nunca fez parte de minhas habilitações, e eu estava ali para cumprir uma determinação da WED, motivada não sei por que exatas e valiosas razões. Era completar rapidamente a minha apresentação, agradecer humildemente a presença dos gatos pingados que me honrassem com sua audiência, se alguns, e seguir diretamente para o aeroporto, no mais assumido low profile.
Foi com esse espírito que convidei Cecília para conhecer tudo a nosso alcance em Buenos Aires. Duas vezes fomos a uma casa de tangos e de outra feita comparecemos a um evento que homenageava Astor Piazolla, muito emocionante e cheio de atrações.
Quando a sexta-feira finalmente chegou, ainda no hotel recebi a informação de que a minha palestra seria no salão nobre do congresso.
- Salão nobre, por que salão nobre?
- É o único auditório com mais de cem lugares, e a direção do congresso percebeu que há grande interesse pela sua palestra. Contratos de risco, não é?
Foi assim que no Congresso Mundial de Buenos Aires expus para 716 profissionais de todo o mundo sobre como se pode tomar uma decisão em relação a um projeto caracterizado pela incerteza. Quando regressei ao Brasil, a WED recebeu uma dezena de telegramas internacionais, que se congratulavam com a minha palestra, e eu, em particular, fui surpreendido por uma carta elogiosa do presidente do Congresso Mundial. Não tenho nenhum compromisso com a vaidade, pois a minha matéria, a única, é o cumprimento do que me compete fazer. Mas devo admitir que os telegramas e a carta do Congresso Mundial serviram para deixar aquecido o meu desprevenido coração, eu que já considerara o fato de falar para 716 congressistas na presença da Cecília um generoso benefício para a minha auto-estima.
(Continua)

Um comentário:

Anônimo disse...

Meu querido amigo, Remo Mannarino.
Sinto saudades dos tempos da SUPEX, amigos, almoços e também contratos de risco, "xises", horas de reuniões, batidas e rebatidas na IBM C (com corretivo) ... Estou anciosa para saber o resto da estória. Parabéns pelo blog. Grande abraço.