Dom Quixote
Eu estava como no dia em que me apresentara na WED, havia oito anos: desempregado e solteiro, sem nenhum lado afetivo nem profissional. Com a importante diferença, a favor, de que dessa vez eu tinha dinheiro para comprar um apartamento no Leblon e podia viver sem trabalhar durante dois ou três anos.
Decidi passar uma semana num hotel de Petrópolis, com a disposição de ficar olhando para o teto e pensar sobre o que fazer da minha vida. Foi lá, sentindo frio e a solidão dos indecisos no meio de um Universo de entropia crescente e cheio de gente decidida, que me lembrei da palestra sobre Física moderna, aquela a que assisti no Congresso Mundial de Buenos Aires. Em 27 de abril de 1900, o físico irlandês William Thomson, que ostentava o título de Lord Kelvin, conhecido de todos por haver introduzido o conceito de temperatura absoluta, comunicou às autoridades britânicas que a Física já desvendara tudo de importante que havia no Universo. Tínhamos um conjunto de leis, a mecânica clássica, e um método, a observação, que explicavam totalmente o Universo, categorizado como realidade objetiva.
Ele teve a percepção da certeza: aos físicos do futuro caberia a só e enfadonha tarefa de descobrir os pormenores complementares de uma estrutura já conhecida.
Lord Kelvin morreu poucos anos depois, sem conhecer a extensão do seu equívoco. Com sua relatividade especial, já em 1905, Einstein provou que, em termos de espaço e tempo, tudo depende do referencial considerado, o que coloca em cheque as nossas observações, e, com a relatividade geral, em 1915, reformou a teoria newtoniana, cuja lei da gravitação apenas quantifica corretamente o que Newton percebera como atração, inexistente, entre corpos materiais. Baqueavam, desse modo, o poder absoluto das nossas observações e o dogma da mecânica clássica.
E não era tudo. Max Planck descobriu que a energia existe em forma de pacotes; o próprio Einstein, no seu anno mirabile de 1905, reconheceu a natureza dual da luz, que é, ao mesmo tempo, onda e partícula, sem saber que estava pavimentando o caminho da mecânica quântica, a qual se rege pela indeterminação e pela complementaridade. Ernest Rutherford revelou que o átomo tem um núcleo cheio de prótons, carregados positivamente; Werner Heisenberg constatou que as partículas subatômicas não podem ter momento e posição definidos simultaneamente, ferindo a reputação da nossa capacidade de observação; Niels Bohr percebeu a coexistência de duas descrições diferentes para um mesmo fenômeno físico, que David Bohm mais tarde chamou de ordem implicada e ordem explicada; Richard Feynman juntou relatividade e mecânica quântica; e Murray Gell -Mann descobriu os “quarks”, que se unem para formar núcleos, prótons e mésons.
A conseqüência de pensar sobre isso foi que voltei do retiro de Petrópolis disposto a estudar Física, eu que sou um admirador do espetáculo soberano da Natureza e tenho grande aptidão para ser professor, o que descobri, por acaso e despretensiosamente, no congresso de Buenos Aires.
Avante, pois, mui leal e decidido Dom Quixote de la Mancha!
(continua)
Eu estava como no dia em que me apresentara na WED, havia oito anos: desempregado e solteiro, sem nenhum lado afetivo nem profissional. Com a importante diferença, a favor, de que dessa vez eu tinha dinheiro para comprar um apartamento no Leblon e podia viver sem trabalhar durante dois ou três anos.
Decidi passar uma semana num hotel de Petrópolis, com a disposição de ficar olhando para o teto e pensar sobre o que fazer da minha vida. Foi lá, sentindo frio e a solidão dos indecisos no meio de um Universo de entropia crescente e cheio de gente decidida, que me lembrei da palestra sobre Física moderna, aquela a que assisti no Congresso Mundial de Buenos Aires. Em 27 de abril de 1900, o físico irlandês William Thomson, que ostentava o título de Lord Kelvin, conhecido de todos por haver introduzido o conceito de temperatura absoluta, comunicou às autoridades britânicas que a Física já desvendara tudo de importante que havia no Universo. Tínhamos um conjunto de leis, a mecânica clássica, e um método, a observação, que explicavam totalmente o Universo, categorizado como realidade objetiva.
Ele teve a percepção da certeza: aos físicos do futuro caberia a só e enfadonha tarefa de descobrir os pormenores complementares de uma estrutura já conhecida.
Lord Kelvin morreu poucos anos depois, sem conhecer a extensão do seu equívoco. Com sua relatividade especial, já em 1905, Einstein provou que, em termos de espaço e tempo, tudo depende do referencial considerado, o que coloca em cheque as nossas observações, e, com a relatividade geral, em 1915, reformou a teoria newtoniana, cuja lei da gravitação apenas quantifica corretamente o que Newton percebera como atração, inexistente, entre corpos materiais. Baqueavam, desse modo, o poder absoluto das nossas observações e o dogma da mecânica clássica.
E não era tudo. Max Planck descobriu que a energia existe em forma de pacotes; o próprio Einstein, no seu anno mirabile de 1905, reconheceu a natureza dual da luz, que é, ao mesmo tempo, onda e partícula, sem saber que estava pavimentando o caminho da mecânica quântica, a qual se rege pela indeterminação e pela complementaridade. Ernest Rutherford revelou que o átomo tem um núcleo cheio de prótons, carregados positivamente; Werner Heisenberg constatou que as partículas subatômicas não podem ter momento e posição definidos simultaneamente, ferindo a reputação da nossa capacidade de observação; Niels Bohr percebeu a coexistência de duas descrições diferentes para um mesmo fenômeno físico, que David Bohm mais tarde chamou de ordem implicada e ordem explicada; Richard Feynman juntou relatividade e mecânica quântica; e Murray Gell -Mann descobriu os “quarks”, que se unem para formar núcleos, prótons e mésons.
A conseqüência de pensar sobre isso foi que voltei do retiro de Petrópolis disposto a estudar Física, eu que sou um admirador do espetáculo soberano da Natureza e tenho grande aptidão para ser professor, o que descobri, por acaso e despretensiosamente, no congresso de Buenos Aires.
Avante, pois, mui leal e decidido Dom Quixote de la Mancha!
(continua)
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