Um salto espetacular
Minha função me dava mais visibilidade do que eu poderia imaginar e, naqueles anos todos, fui adquirindo prestígio dentro da organização. Até que um dia o Board of Directors, que tudo dirigia lá de Nova York, decidiu me promover a diretor técnico de todas as atividades da WED na América do Sul.
Um salto espetacular, que não passara nem de leve pelas minhas cogitações. Claro, achei muito bom, e bom continuaria se o acesso às informações que passei a ter na nova função não me fizesse ver que o mar era mais alvoroçado do que eu supunha, tendendo para o tempestuoso. A WED era muito grande e cheia de possibilidades, mas nela eu percebia imperfeições, que, entretanto, não impediam muita geração de lucros e abundantes distribuições de dividendos para os acionistas. É que os defeitos são absorvidos se o projeto é vitorioso e, se muito vitorioso, não são sequer percebidos. Também é verdade que os chefes de divisão inventavam trabalho uns para os outros, tanto quanto cresciam geometricamente os cargos de confiança, não importando se a organização estava progredindo, estabilizada ou dando prejuízo, aplicando-se na plenitude a surradíssima lei de Parkinson. Mas a ação inocente, de mera decantação de processos autônomos a se diluírem no exercício da burocracia, terminava por aí, pois havia uma clara guerra de interesses e permanentes exercícios de bajulação. Alguns chefes de departamento trabalhavam exaustivamente, e por todos os meios, para assumir alguma posição na direção central. A qual se enchia de gente mais estúpida que o vice-presidente, Sean Forthwhite, de modo que este permanecia sempre como o mais inteligente do seu círculo.
Cheio de iniciativas esdrúxulas, Forthwhite tinha poder suficiente para levá-las adiante. Amanhecesse com uma sugestão, impraticável que fosse ou estapafúrdia, todo o sistema se ajustava para provar que se tratava de uma idéia absolutamente pertinente e inovadora; a materialidade da proposta passava ao controle dos chefes de departamento, que imediatamente geravam curvas estranhas em que a moeda era energizada em todas as contas por índices de utilidades que multiplicavam retornos e reduziam custos.
- Estamos aplicando os conceitos de Daniel Bernoulli.
Infelizmente, porém, esses torneios generosos não costumam ser acolhidos pela realidade das condições de campo. Cumpre-se a derrota inevitável. Após a execução do projeto, que jamais poderia dar certo por sua frágil concepção e superficialidade, começava a busca dos que deveriam ser escalados para assumir a responsabilidade pelo fracasso.
- Frustrou-se o êxito da operação, ora essa, por causa da incúria desses incompetentes, sabotadores morais, que não souberam implementar uma idéia revolucionária do vice-presidente. Uma idéia absolutamente revolucionária!
Para além de tudo isso, aos poucos fui percebendo que havia dolo também. Os princípios de governança estavam muito longe de serem neutros e inelásticos, e muitas vezes os interesses da corporação eram malbaratados por atitudes duvidosas e ilícitas. Trabalhar, antes um grande prazer, passou a ser um exercício que me angustiava, pois eu não podia concordar com as empresas de papel, que tinham executivos da WED remunerados com generosos acréscimos salariais por acumularem diretorias que não existiam, nem com as viagens de negócios dos diretores a Londres e Paris, que se emendavam com as férias da família na Côte D’Azur. Ou com as cisões ou fechamentos de capital feitos com prejuízo dos acionistas minoritários, muitas vezes resgatando suas ações mediante indenizações calculadas a valores históricos e corroídos pela inflação.
Também não consegui engulir a mudança do critério para avaliação de desempenho dos executivos, uma fraude, afirmando uma eficiência que não tínhamos. Tudo feito com a conivência e beneplácito do conselho de administração da subsidiária brasileira. Foi a gota que fez transbordar o meu reservatório de decepções. Era permanecer calado, intranqüilo, ou jogar tudo para o alto, dos dois males o que fosse menos ruim. Foi menos ruim jogar tudo para o alto.
Durei exatos 14 meses na nova função até que, para surpresa de todos, decidi pedir demissão.
- Sinto muito, senhores, mas a partir de hoje não trabalho mais para a WED.
(continua)
Minha função me dava mais visibilidade do que eu poderia imaginar e, naqueles anos todos, fui adquirindo prestígio dentro da organização. Até que um dia o Board of Directors, que tudo dirigia lá de Nova York, decidiu me promover a diretor técnico de todas as atividades da WED na América do Sul.
Um salto espetacular, que não passara nem de leve pelas minhas cogitações. Claro, achei muito bom, e bom continuaria se o acesso às informações que passei a ter na nova função não me fizesse ver que o mar era mais alvoroçado do que eu supunha, tendendo para o tempestuoso. A WED era muito grande e cheia de possibilidades, mas nela eu percebia imperfeições, que, entretanto, não impediam muita geração de lucros e abundantes distribuições de dividendos para os acionistas. É que os defeitos são absorvidos se o projeto é vitorioso e, se muito vitorioso, não são sequer percebidos. Também é verdade que os chefes de divisão inventavam trabalho uns para os outros, tanto quanto cresciam geometricamente os cargos de confiança, não importando se a organização estava progredindo, estabilizada ou dando prejuízo, aplicando-se na plenitude a surradíssima lei de Parkinson. Mas a ação inocente, de mera decantação de processos autônomos a se diluírem no exercício da burocracia, terminava por aí, pois havia uma clara guerra de interesses e permanentes exercícios de bajulação. Alguns chefes de departamento trabalhavam exaustivamente, e por todos os meios, para assumir alguma posição na direção central. A qual se enchia de gente mais estúpida que o vice-presidente, Sean Forthwhite, de modo que este permanecia sempre como o mais inteligente do seu círculo.
Cheio de iniciativas esdrúxulas, Forthwhite tinha poder suficiente para levá-las adiante. Amanhecesse com uma sugestão, impraticável que fosse ou estapafúrdia, todo o sistema se ajustava para provar que se tratava de uma idéia absolutamente pertinente e inovadora; a materialidade da proposta passava ao controle dos chefes de departamento, que imediatamente geravam curvas estranhas em que a moeda era energizada em todas as contas por índices de utilidades que multiplicavam retornos e reduziam custos.
- Estamos aplicando os conceitos de Daniel Bernoulli.
Infelizmente, porém, esses torneios generosos não costumam ser acolhidos pela realidade das condições de campo. Cumpre-se a derrota inevitável. Após a execução do projeto, que jamais poderia dar certo por sua frágil concepção e superficialidade, começava a busca dos que deveriam ser escalados para assumir a responsabilidade pelo fracasso.
- Frustrou-se o êxito da operação, ora essa, por causa da incúria desses incompetentes, sabotadores morais, que não souberam implementar uma idéia revolucionária do vice-presidente. Uma idéia absolutamente revolucionária!
Para além de tudo isso, aos poucos fui percebendo que havia dolo também. Os princípios de governança estavam muito longe de serem neutros e inelásticos, e muitas vezes os interesses da corporação eram malbaratados por atitudes duvidosas e ilícitas. Trabalhar, antes um grande prazer, passou a ser um exercício que me angustiava, pois eu não podia concordar com as empresas de papel, que tinham executivos da WED remunerados com generosos acréscimos salariais por acumularem diretorias que não existiam, nem com as viagens de negócios dos diretores a Londres e Paris, que se emendavam com as férias da família na Côte D’Azur. Ou com as cisões ou fechamentos de capital feitos com prejuízo dos acionistas minoritários, muitas vezes resgatando suas ações mediante indenizações calculadas a valores históricos e corroídos pela inflação.
Também não consegui engulir a mudança do critério para avaliação de desempenho dos executivos, uma fraude, afirmando uma eficiência que não tínhamos. Tudo feito com a conivência e beneplácito do conselho de administração da subsidiária brasileira. Foi a gota que fez transbordar o meu reservatório de decepções. Era permanecer calado, intranqüilo, ou jogar tudo para o alto, dos dois males o que fosse menos ruim. Foi menos ruim jogar tudo para o alto.
Durei exatos 14 meses na nova função até que, para surpresa de todos, decidi pedir demissão.
- Sinto muito, senhores, mas a partir de hoje não trabalho mais para a WED.
(continua)
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