segunda-feira, 30 de julho de 2007

CHAMPOLLION

Hieróglifos

A escrita hieroglífica do antigo Egito foi decifrada pelo exame da pedra de Roseta, na qual se encontrava um texto grafado em três versões, hieróglifos, demótico e grego.
Essa pedra foi descoberta num local situado a 30 quilômetros de Alexandria, em 1799, por Boussard, um dos sábios franceses que acompanharam Napoleão ao Egito.
A escrita demótica, que era uma forma simplificada de hieróglifos, tinha sido adotada em torno do ano 700 a. C. e vigorou até a chegada dos romanos ao Egito. O texto reproduz um decreto do corpo sacerdotal do Egito, de 196 a.C., conferindo honras ao rei Ptolomeu V Epifânio (205 a 180 a.C.), como retribuição por benefícios recebidos.


Disputa


Muitos pesquisadores tentaram decifrar os hieróglifos tomando por base a pedra de Roseta.
O mais bem sucedido foi
Jean-François Champollion (1790 - 1832), um genial lingüista francês que conhecia pelo menos 12 línguas, incluindo o copta, que sucedeu o egípcio antigo. Comparando, na pedra de Roseta, as escritas demótica e hieroglífica com sua versão em grego, Champollion decifrou os hieróglifos em 1822.
Numa verdadeira disputa com Champollion, o médico britânico Thomas Young
propôs em 1823 uma segunda versão do alfabeto egípcio.
Defensores de uma e de outra solução enfrentaram-se durante quatro décadas.
A questão se definiu em 1866, quando um novo texto hieroglífico foi encontrado, o Decreto de Canopus, de autoria de Ptolomeu III Evergeta, de 237 a. C. O decreto, que impunha uma reforma do calendário para introduzir o ano bissexto, foi decifrado de maneira conclusiva com o auxílio do sistema de Champollion, não remanescendo desde então nenhum espaço para dúvidas ou contestações.
Champollion já estava morto, desde 4 de março de 1832.



Onde está a pedra

Com a derrota de Napoleão no Egito, a pedra de Roseta tornou-se propriedade da Inglaterra, nos termos do Tratado de Alexandria, de 1801, bem como outras antigüidades que os franceses haviam localizado naquele país.
Desde 1802
a pedra de Roseta encontra-se no Museu Britânico, em Londres, que existe desde 7 de junho de 1753 e é o mais antigo museu público do mundo.

sábado, 28 de julho de 2007

AMOR DE PAI, FAGUNDES VARELA

Alguns versos do poema Cântico do Calvário

(À memória de meu filho
morto a 11 de dezembro de 1863)

Eras na vida a pomba predileta

Que sobre um mar de angústias conduzia

O ramo da esperança. Eras a estrela

Que entre as névoas do inverno cintilava

Apontando o caminho ao pegureiro.
Eras a messe de um dourado estio.
Eras o idílio de um amor sublime.

Eras a glória, a inspiração, a pátria,

O porvir de teu pai! Ah! no entanto,

Pomba, varou-te a flecha do destino!

Astro, engoliu-te o temporal do norte!

Teto, caíste! Crença, já não vives!

Oh! filho de minh'alma! Última rosa

Que neste solo ingrato vicejava!

Minha esperança amargamente doce!
Quando as garças vierem do ocidente

Buscando um novo clima onde pousarem,
Não mais te embalarei sobre os joelhos,

Nem de teus olhos no cerúleo brilho

Acharei um consolo a meus tormentos!

Não mais invocarei a musa errante
Nesses retiros onde cada folha
Era um polido espelho de esmeralda

Que refletia os fugitivos quadros

Dos suspirados tempos que se foram!

Cegou-me tanta luz! Errei, fui homem!

E de meu erro a punição cruenta

Na mesma glória que elevou-me aos astros,

Chorando aos pés da cruz, hoje padeço!
Oh! quantos reis que a humanidade aviltam,

E o gênio esmagam dos soberbos tronos,

Trocariam a púrpura romana

Por um verso, uma nota, um som apenas
Dos fecundos poemas que inspiraste!
Inda te vejo pelas noites minhas,

Em meus dias sem luz vejo-te ainda,

Creio-te vivo, e morto te pranteio! ...


FAGUNDES VARELA (1841 - 1875)

quarta-feira, 25 de julho de 2007

RETALHOS DO QUOTIDIANO (parte 24/26)

King´s College: Quatro Prêmios Nobel de Física

Para além dos nossos momentos inesquecíveis, ficaram-me da Laura apenas um resumo da teoria da relatividade e um arrazoado que produziu sobre Shakespeare. Confortou-me a idéia de que daquela data em diante ela pesquisaria sobre tudo isso na própria Inglaterra, sem ter de consumir boa parte do seu salário na importação de livros a câmbio desfavorecido.
Uma semana após sua partida, ela me escreveu, dando conta de que estava se sentindo muito bem no Departamento de Física do Kings College, que tem reputação internacional e recebe profissionais de todas as partes do mundo. Seu trabalho seria inicialmente numa pesquisa sobre resistência de materiais, que interessava à cadeira de Mecânica Vibratória, da qual inicialmente seria assistente e, depois, professora adjunta.

A carta terminava mencionando quatro professores do Kings College laureados no século XX com o Prêmio Nobel de Física, a saber, Charles G.. Barkla, em 1917, pelos seus trabalhos sobre raios-X; Owen Richardson, em 1928, pelo seu trabalho sobre emissão termiônica; Edward Appleton, em 1947, pelo seus estudos sobre a atmosfera; e Maurice Wilkins, em 1962, que dividiu o prêmio com James Watson e Francis Crick, pela determinação da estrutura do DNA.
Das próximas vezes, acrescentou, poderíamos nos comunicar por email, quando ela tivesse se organizado minimamente e dispusesse de um computador. Respondi imediatamente, garantindo-lhe que ficaria torcendo para que fosse para ela o quinto Prêmio Nobel do King’s College, o que, sobre aumentar o prestígio da Universidade de Londres, haveria de deixar mais alegre e mais aquecido este meu peito solitário.

L’oiseau vole

Todos os desenlaces deveriam ser serenos e gentis, assim, pois as partes ficam com saudades recíprocas e nenhum ódio no coração. Tudo bem... Mas, resumindo tudo numa única e dolorosa palavra, eu estava só mais uma vez. Com a Cecília, vencera - nos o tédio; com a May, nem sei direito, tudo ruiu no âmbito de uma confusão para lá de inexplicável; com a Laura, separou - nos o vôo do pássaro, na busca do seu destino.
L’oiseau vole, como no conto do Maupassant.

Liberado da Física


Logo vi que não poderia acumular meus encargos de professor com as tarefas do Departamento de Física e, um mês depois de iniciada a minha carreira na Economia, procurei de Sitter e lhe pedi para congelar meu curso no Departamento de Física, até que minha situação se definisse.


- Sinto que você vai abandonar a Física.

- Somente se me tornar professor da Economia. Preciso de uma pista de pouso, para o caso de interromper o meu vôo.

- Recebi do reitor instruções para facilitar a sua vida, pois a universidade tem interesse nesse vôo. Quando quiser voltar, o departamento estará à sua disposição.

Foi assim, de modo civilizado, que de Sitter me liberou, sem se opor a um eventual retorno para retomada do meu curso, assim interrompido, se fracassasse a tentativa no outro departamento.
(continua)

segunda-feira, 23 de julho de 2007

CONTRATOS DE RISCO NO BRASIL E NO MUNDO

Petróleo e Contratos de Risco

Companhias contratadas pelo proprietário dos direitos de exploração e produção do petróleo executam todas as operações, assumem os riscos econômicos, apropriam-se da receita das eventuais produções de petróleo e pagam ao proprietário, seja este o governo ou um particular, quantias referentes a bônus, royalties e participações, para além dos impostos devidos ao governo. Tais são os contratos de risco.

O proprietário dos direitos de exploração

De um modo geral as riquezas do subsolo, particularmente o petróleo, pertencem aos estados nacionais. Nos Estados Unidos, porém, o proprietário do solo é também o dono do subsolo e de suas riquezas, de maneira que em terra o petróleo pertence ao dono da terra (landowner), que em geral é um particular ou, eventualmente, o próprio governo; no mar, em águas rasas (shallow waters), o proprietário é o governo estatual e, em águas profundas (outer continental shelf), o governo federal.
Seja um particular ou um estado nacional, é o proprietário que escolhe o tipo de contrato e, mediante licitações ou por negociações diretas, a companhia a ser contratada.

Contratos de partilha

Há dois tipos de contratos de risco: os contratos de partilha e as concessões.
Os contratos de partilha são geralmente assinados com uma empresa estatal, que representa o governo proprietário e exerce os seus interesses. No jargão do petróleo, esses contratos são chamados de PSA (production sharing agreements). Os termos contratuais são negociados com a estatal, que aprova, supervisiona e fiscaliza todas as operações. Em caso de se chegar à produção comercial de petróleo, a empresa contratada reparte a produção obtida com a empresa estatal, segundo percentuais previamente ajustados, e paga impostos diversos ao governo.
São desse tipo os históricos contratos de risco assinados pela Petrobrás, com base na determinação do Presidente Ernesto Geisel de 9 de outubro de 1976. Como também os contratos assinados na Líbia, na Indonésia, no Equador e em Angola.


Concessões

As concessões são contratos de risco assinados com agências governamentais, de acordo com termos contratuais definidos em lei, quase sempre sem nenhuma interveniência ou participação de empresas estatais. Normalmente a companhia que vai assumir a exploração de uma área é escolhida mediante licitação, na qual costuma ser item decisivo o montante do bônus em dinheiro oferecido pela proponente ao governo. Ou seja, a companhia escolhida compra, mediante um pagamento em dinheiro, o direito de explorar petróleo na área licitada, obrigando-se ao risco da exploração e ao cumprimento das cláusulas contratuais.
Em caso de produção comercial de petróleo, a companhia contratada assume as receitas de sua comercialização e paga ao governo royalties e impostos diversos, incluindo-se entre estes um imposto especial para grandes produções, que depende do volume de petróleo produzido. São desse tipo os contratos de exploração e produção hoje vigentes no Brasil, assinados pelas companhias de exploração com a Agência Nacional do Petróleo (ANP), que é subordinada ao Ministério de Minas e Energia. São também desse tipo os contratos assinados nos Estados Unidos, qualquer que seja o proprietário, em todos os países europeus, no Canadá, na Rússia e na maioria dos países da África e do do Oriente Médio.

sexta-feira, 20 de julho de 2007

LORD KELVIN, RUIM DE PREVISÕES

Um cientista de respeito

Lord Kelvin (1824-1907), nascido William Thomson, era um físico irlandês muito influente do século XIX, a ponto de ter recebido inúmeras homenagens oficiais na Inglaterra e de ter sido sepultado ao lado de Newton, na Abadia de Westminster.
Uma honra que mereceu por mais de 300 trabalhos e importantes contribuições em praticamente todas as áreas da Física.

Temperatura absoluta

Lord Kelvin é mais conhecido por seu trabalho em Termodinâmica. Antes o cientista Jacques
Charles por seus cálculos e experiências chegara à conclusão de que todos os gases teriam volume igual a zero à temperatura de -273 graus Celsius.
Kelvin percebeu, porém, que não era o volume da matéria que se anulava nessa temperatura e, sim, a energia cinética de suas moléculas. Concluiu que - 273 graus Celsius era a temperatura mais baixa possível e chamou-a de"zero absoluto".
A partir dessa noção, propôs uma nova escala de temperaturas (que posteriormente recebeu o nome de escala Kelvin), a qual permitiria maior simplicidade para a expressão matemática das relações entre grandezas termodinâmicas.

Ruim de Opiniões

Lord Kelvin ficou, porém, famoso por suas gafes e previsões equivocadas. São dele as seguintes pérolas do ceticismo malsucedido, registradas na história da evolução científica e das invenções tecnológicas:

"Átomos não existem."

"Radioatividade é bobagem."

"O rádio não tem futuro."

"Os aviões são impossíveis, porque mais pesados que o ar."

"Os raios X vão se revelar um embuste."

"A Teoria da Evolução, de Darwin, é incompatível com a pouca idade da Terra."

A
obsessão dos grandes erros

Em famosa carta de 27 de abril de 1900, Lord Kelvin declarou oficialmente que a Física já descobrira praticamente tudo que havia para descobrir no Universo. Falecido pouco depois, não teve o dissabor de ver o quanto tudo mudou em termos de conhecimentos físicos, com o advento da Física Quântica, da Relatividade Especial, da Relatividade Geral, do Modelo do Big Bang e a conseqüente nova Cosmologia.

quarta-feira, 18 de julho de 2007

RETALHOS DO QUOTIDIANO (parte 23/26)

Primeira aula

Ao atravessar o Rubicão para enfrentar Pompeu, em 49 a. C., Júlio César estava certo de que a vitória o faria senhor de Roma, sem, entretanto, ignorar que a derrota lhe custaria a própria vida. Vitória ou morte, dois desfechos possíveis e mutuamente excludentes.
As decisões sobre a profissão, o casamento, o emprego, as aplicações financeiras, os planos de saúde e de aposentadoria são como a travessia do Rubicão, fundamentais na nossa vida, carregando, cada uma, o risco de uma escolha malograda. Muitas vezes irrecorrivelmente, por serem experiências sem possibilidade de repetição.
Nas empresas, porém, se houver muitas oportunidades de exercitar o mesmo tipo de decisão, podemos dar um tratamento matemático e probabilístico à questão. Este o nosso curso, sendo certo que a matemática não altera a natureza do desfecho, se assumido o projeto: apenas ilumina a decisão.

Vamos também aprender a negociar os contratos, sejam frontais, laterais, procedimentos contábeis ou cartas de garantia. Eis que o êxito de um projeto, assumido com tanto risco, não pode frustrar-se por causa de contratos defeituosos. Os projetos passam, com êxito ou sem êxito, mas os textos contratuais e suas minutas ficam nos arquivos das companhias, consagrando ou execrando o negociador, posteridade adentro. Condenados à eternidade, como se fossem prótons de laboratório, não obstante a fugacidade do projeto contratado.
Boa metáfora essa, prótons de laboratório...

King’s College

Laura defendeu sua tese com o êxito esperado. Terminada a defesa, de Sitter fez um discurso elogioso enaltecendo seu preparo e competência e, no ato, passou-lhe uma carta da Embaixada Britânica, com uma proposta que físico algum ousaria recusar: trabalhar no King’s College da Universidade de Londres.

- Perspectivas reais de uma carreira promissora, com boa remuneração e excepcional ambiente de trabalho.

Caso aceitasse, teria de viajar em menos de uma semana. De Sitter ainda acrescentou:

- Mas se rejeitar a Inglaterra, há um lugar de professor para você neste Departamento de Física.
(continua)

segunda-feira, 16 de julho de 2007

COMO SURGIU A INDÚSTRIA DO PETRÓLEO

Um professor de idiomas, quem diria...

Conhecedor de grego, latim, francês, espanhol, português, alemão, hebreu e sânscrito, o nova-iorquino George Bissell foi o responsável pelo surgimento da indústria do petróleo.
Em 1853 Bissell era diretor de um colégio em Nova Orleans, quando, forçado por problemas de saúde, pediu demissão e decidiu voltar para Nova York.
No longo caminho do Sul para o Norte dos Estados Unidos, ao passar pelo oeste da Pennsylvania, Bissell teve sua atenção voltada para as pessoas que recolhiam do solo um líquido negro que brotava do subsolo -
soube então que se tratava do “óleo de pedra”, um fluido viscoso que ali se usava como lubrificante, nas máquinas a vapor (já existentes desde 1769, inventadas que foram por James Watson, na Escócia), mas principalmente como um remédio comercializado com o nome de “óleo de Sêneca”, que se destinava à cura das perturbações estomacais, surdez e dores de dente e de cabeça, hidropsia, reumatismos e verminoses, para além de servir ao tratamento das feridas dos animais.


Iluminante de qualidade

Ao tomar conhecimento de que o petróleo era inflamável, Bissell teve a intuição de que poderia servir para fins de iluminação. Até aquela época, a iluminação noturna era obtida pelo uso de lamparinas que queimavam óleo vegetal ou animal; as pessoas menos abastadas usavam nessa queima o óleo de canfeno, um derivado da terebentina que produzia boa luz, mas era susceptível de explodir e provocar incêndio; as pessoas que podiam pagar usavam óleo de cachalote, um cetáceo parecido com a baleia, ou gás urbano, obtido pela destilação do carvão, que era colocado nos lampiões das ruas das cidades e das casas das famílias de classe alta.
Foi por esse motivo que Bissell recolheu algumas amostras do petróleo e, chegando ao seu destino, pagou US$ 526,08 ao catedrático Benjamin Silliman Jr., da Universidade de Yale, em New Haven, para verificar se seria possível extrair dele um iluminante de qualidade.
Três meses depois de contratado, o doutor Silliman fez um relatório indicando
que o petróleo, levado a diferentes níveis de ebulição, podia ser desdobrado em vários produtos, todos formados por combinações de carbono e hidrogênio; um desses destilados, o querosene, era um óleo iluminante de altíssima qualidade, sendo certo que os demais produtos derivados poderiam servir a outras aplicações industriais.


27 de agosto de 1859

Estimulado por essas informações, Bissell contraiu um empréstimo bancário e com os amigos criou a Pennsylvania Rock Oil Company, uma companhia destinada a perfurar poços para a produção de petróleo. O primeiro poço foi perfurado na localidade de Titusville, na Pennsylvania, e encontrou petróleo à profundidade de 21 metros, no dia 27 de agosto de 1859: começava nesse dia a era do petróleo no mundo ocidental.
O querosene imediatamente substituiu todos os iluminantes que o precederam; os refinadores de carvão ou passaram imediatamente para o petróleo ou faliram.
Na continuação desses eventos, sucessivas descobertas de petróleo, naquela região da Pennsylvania e em outras localidades dos Estados Unidos, tornaram o petróleo cada vez mais barato, contribuindo para a progressiva popularização do produto.


Susto e preponderância

O petróleo passou por um susto em 1879, quando Thomas Edison inventou a lâmpada elétrica, o que determinaria o fim da carreira do óleo de iluminação extraído do petróleo; em 1896, porém, Henry Ford apareceu com o motor de combustão interna, que lhe permitiria produzir o primeiro automóvel em 1903. E mais: o primeiro motor a óleo diesel foi inventado por Rudolf Diesel entre 1893 e 1897.
Deu-se, por isso, que o petróleo prevaleceu, e com mais força ainda, tornando-se a principal fonte de energia e elemento fundamental para as indústrias de fertilizantes e de petroquímicos.

Os campos de petróleo logo se espalharam por toda parte, de modo que o mundo amanheceu no século XX com uma certeza: petróleo era poder.
Quem tinha as fontes de produção, tinha a hegemonia e preponderava, fosse em termos econômicos, fosse em termos militares.


sexta-feira, 13 de julho de 2007

DEUS JOGA DADOS?

Nossas certezas fundamentais

Até o início do século XX os físicos tinham um método, a observação, e um conjunto de leis, a mecânica clássica de Newton, que explicavam perfeitamente o Universo, categorizado como uma realidade objetiva. Tanto que em 27 de abril de 1900 o físico escocês Lord Kelvin, muito conhecido por haver introduzido o conceito de temperatura absoluta, comunicou às autoridades britânicas que a Física já conhecia praticamente tudo o que havia de importante no Universo. Aos físicos do futuro caberia, de fato, descobrir os pormenores complementares de uma estrutura conhecida, não mais que isso.

Se não tivesse falecido em 1907, o bravo Lord Kelvin iria se decepcionar muito com o que se descobriu a seguir, demonstrando de maneira impiedosa a fragilidade do seu enunciado. Einstein, com sua relatividade especial, já em 1905, provou que somos enganados pelos nossos sentidos, o que colocava em cheque as nossas observações, e, com a relatividade geral, em 1915, reformou a teoria newtoniana, cuja lei da gravitação apenas quantifica corretamente o que Newton percebera de modo incorreto, pois a matéria não atrai matéria. O que ela faz é deformar o espaço, que, assim deformado, indica o caminho a ser seguido pela própria matéria.
Ainda em 1905, o próprio Einstein reconheceu a natureza dual da luz, que é ao mesmo tempo onda e partícula, sem saber que estava inaugurando o caminho da mecânica quântica, a qual se rege pela indeterminação e pela complementaridade.
Baqueavam, de uma só vez, o dogma da infalibilidade da mecânica newtoniana e
o poder absoluto das nossas observações.


Ou isto ou aquilo

As propriedades do elétron e das outras partículas, tal como as percebemos, são apenas uma criação do nosso ato de observar e de medir.
David Bohm, um físico americano falecido em 1992, criou uma teoria segundo a qual uma partícula elementar, como o elétron, não é um objeto, mas um processo. Desse processo, percebemos sua "ordem explicada”, mas quase nunca sua “ordem implicada”. Na “ordem explicada”, que leva à lógica de Aristóteles, se A contém B, então B deve estar dentro de A. Na “ordem implicada”, porém, se A contém B, então, ao mesmo tempo, A está contido em B. Pois, no processo, tudo se une, a parte de fora com a de dentro, matéria e mente, e o que nós percebemos como partículas, átomos e moléculas são exteriorizações de processos, simetrias e suas constantes transformações.
Daí a complementaridade, ou isto ou aquilo, isto sendo a “ordem explicada” e aquilo, a ordem “implicada”, mutuamente excludentes para as nossas percepções.


Teoria das teorias

Inconformado com a incompatibilidade entre a relatividade e a física quântica, Einstein passou as últimas décadas de sua vida buscando uma teoria, a teoria do tudo ou teoria das teorias, que unisse as quatro forças fundamentais da natureza, a saber, gravidade, eletromagnetismo, força forte e força fraca. Ele tinha a esperança de fazer prevalecer sua visão de mundo, que comporta realismo local e determinismo, e não um sistema quântico dual e regido pelas probabilidades.
Einstein não conseguiu construir essa teoria do tudo, e a tarefa ainda hoje mobiliza milhares de físicos no mundo inteiro.
A unificação que tanto se busca das quatro forças da natureza parece ser um exercício restrito à teoria, sem possibilidade de demonstrações práticas, uma vez que as pressões e temperaturas necessárias à pretendida unificação, próximas daquelas que prevaleceram logo após o Big Bang, exigiriam um acelerador de partículas de dimensões inimagináveis, talvez maior do que a própria Terra.


Joga ou não joga?

- Deus não joga dados, protestou Einstein, ao perceber as implicações do caminho que ele indicara em 1905, no momento da constatação da natureza dual da luz.

quarta-feira, 11 de julho de 2007

RETALHOS DO QUOTIDIANO (parte 22/26)

Ulisses

Laura iria apresentar sua tese na mesma hora da minha primeira aula na Economia. Uma pena, pois queria estar presente para vê-la brilhar.
Naquele dia, enquanto aguardávamos o momento de defender cada um
o seu destino, ela me explicou sobre o Ulisses, de James Joyce. Tudo porque lhe disse despretensiosamente que não entendia por que aquela leitura era tão demorada.
- E tudo se comprime num único dia, o 16 de junho de 1904.
- Um único dia?
-
É o dia de Leopold Bloom. O Bloomsday, Carlinhos, o único dia da história que tem um dono.
- Deixa-me memorizar: 16 de junho de 1904.
- Foi o que a senhorita Dunne datilografou, e era uma quinta-feira.
- Em todas as folhinhas?
- Pelo menos na Irlanda, claro.
-Mas, afinal, que faz essa leitura ser tão demorada?
- Às vezes a gente tem de consultar várias obras para conferir como foi o fim de Pirro ou tem de folhear muitos volumes shakespearianos para saber que Perdita não é nenhuma personagem que se perdeu na Tempestade, nem uma bruxa de Machbeth.
- Muito interessante isso, saber o fim de Pirro e sobre Perdita. E quem era Perdita, afinal?
- A filha de Leonte, em Conto de Inverno. Quanto ao Pirro, há uma versão de que morreu porque lhe atiraram uma telha na cabeça, na cidade de Argos.
- Uma forma original de morrer...

Fofocas de James Joyce

- Você me disse uma vez que Ulisses tem passagens deliciosas. Cite uma...
- O nome de Anne Hathaway, mulher de Shakespeare, pode dar um trocadilho malicioso, “Anne hath a way”.
- Isso é um trocadilho malicioso?
- Sim, “Anne tinha seu caminho”. Joyce insinua que a mulher de Shakespeare, Anne Hathaway, teve um romance com Richard, um dos tios de Shakespeare, na longínqua Stratford-upon-Avon. Isso teve repercussão nas suas obras, em especial em Ricardo III.
- Mulher de Shakespeare, com o tio
, boa essa, repercutindo em Ricardo III.
- O Duque de Gloucester, antes de se tornar Ricardo III, foi ao velório do rei Henry VI, que ele assassinara, para conquistar o coração da lacrimosa Lady Anne, enteada do morto e viúva do príncipe Edward IV, que antes Richard III também assassinara. Nessa conquista, Richard III admite os dois assassinatos, alegando que a beleza de Lady Anne é o que o levara a cometê-los. Lady Anne deixa-se seduzir e dá-lhe sua mão em casamento, iniciando uma relação de amor, ódio e sadismo.
- E o tio? Continuo sem entender...
- Explico. Richard conquista Anne, tanto na vida real de Shakesperare, em Stratford-upon- Avon, quanto nos velórios das suas tragédias. Um Richard, uma Anne e um adultério, meio incestuoso, na vida real do Shakespeare; um Richard, uma Anne e dois assassinatos, na sua ficção. Na correlação, você percebe que um adultério equivale a dois assassinatos...
- É isso, é?
- Assim me parece, numa interpretação que construí lendo a peça, vendo o filme do Al Pacino e ruminando o Ulisses.

Kilkenny e Kilkerry

- Você sabia, Carlinhos, que Kilkenny, tantas vezes citada no Ulisses, é a menor cidade da Irlanda, seja em área, seja em população?
- Neste momento, para mim solene, confesso humildemente que nunca tinha ouvido falar em Kilkenny. Nem cidade, nem coisa alguma com esse nome glorioso. Kilkerry, sim, já ouvi, mas Kilkenny, não. Tenho um amigo, muito legal, chamado Kilkerry.
- Kilkenny é uma cidade medieval, às margens do rio Nore. Aliás, cidade de gente famosa: Oliver Cromwell, Jonathan Swift e George Berkeley.
- Tudo isso é muito erudito para mim.
- Basta você se interessar e dedicar ao assunto uma parte do seu tempo.
- Precioso tempo...
(continua)

terça-feira, 10 de julho de 2007

Um galo sozinho não tece uma manhã

Tecendo a Manhã


1

Um galo sozinho não tece uma manhã:
ele precisará sempre de outros galos.
De um que apanhe esse grito que ele
e o lance a outro; de um outro galo
que apanhe o grito que um galo antes
e o lance a outro; e de outros galos
que com muitos outros galos se cruzem
os fios de sol de seus gritos de galo,
para que a manhã, desde uma teia tênue,
se vá tecendo, entre todos os galos.

2

E se encorpando em tela, entre todos,
se erguendo tenda, onde entrem todos,
se entretendendo para todos, no toldo
(a manhã) que plana livre de armação.
A manhã, toldo de um tecido tão aéreo
que, tecido, se eleva por si: luz balão.

João Cabral de Melo Neto, 1920 - 1999

segunda-feira, 9 de julho de 2007

A SÉRIE DE FIBONACCI

O FILHO DE BONACIO

Leonardo Pisano, natural de Pisa, era conhecido como Fibonacci, talvez uma contração de “filho de Bonacio". Na cidade de Bugia, na Argélia, onde seu pai serviu como cônsul, um matemático árabe mostrou a Fibonacci todas as possibilidades do sistema de numeração indo-arábico; entusiasmado com tais maravilhas e novidades, Fibonacci decidiu aprender o que os árabes haviam desenvolvido a respeito, tendo procurado os matemáticos árabes das costas do Mediterrâneo e visitado o Egito, a Síria, a Grécia e a Sicília.


Livro dos ábacos

Fibonacci, que era muito bom matemático,
reuniu tudo que aprendeu com os árabes em um dos livros mais exitosos de todos os tempos, publicado na Itália em 1202, o Liber Abaci (Livro dos Ábacos), cujas primeiras palavras entraram para a história da Matemática:

"Eis os nove símbolos hindus: 9, 8, 7, 6, 5, 4, 3, 2 e 1. Com eles, mais o símbolo do zero, que em árabe é chamado de zéfiro, qualquer número pode ser escrito."


Exercícios abundantes incluídos no livro mostravam como os algarismos arábicos podiam substituir com vantagem as letras dos sistemas hebraico, grego e romano; como se podia fazer cálculo com números inteiros e fracionários, extrair raízes quadradas e cúbicas, correlacionar quantidades por meio das regras de três, calcular lucros e juros, fazer câmbio de moedas e conversão das grandezas conforme as unidades de sua medição.


Aplausos

Atualmente Fibonacci é mais conhecido por haver apresentado no Liber Abaci uma série com a qual pretendia prever o número de coelhos gerados mensalmente a partir de um único casal de coelhos. Afirmava ele que seriam, respectivamente, 3, 5, 8, 13, 21, 34, 55, 89, 144, 233, 377, 610, 987 coelhos etc, no fim dos meses sucessivos.
Na sua época Fibonacci tornou-se famoso e chegou a ser um protegido do imperador Frederico II, brilhando e sendo aplaudido nas reuniões em que resolvia problemas aritméticos e equações propostas por matemáticos especialmente convidados.


Série de Fibonacci

A série de Fibonacci é exatamente a série proposta para os coelhos, antecedida de 1, 1, e 2. A saber:
1, 1, 2, 3, 5, 8, 13, 21, 34, 55, 89...

Com efeito, o primeiro número da série é 1; o segundo, também 1; a partir daí cada número é igual à soma dos dois números anteriores.
Muitas pessoas acreditam que a série de Fibonacci rege as leis que entram em jogo nas reverberações da luz nos espelhos, bem como as leis rítmicas do aumento e da perda na radiação de energia; ela também se liga a certos eventos da natureza, como o número de pétalas das flores, as formas de galáxias e nuvens e à formação dos quadrados que servem à construção das espirais equiangulares.


Segmento áureo

O quociente de um número da série por seu antecessor converge para 1,618, e essa razão define o chamado segmento áureo, com as suas conhecidas implicações estéticas, seja nos padrões de flores, nas razões entre partes do corpo humano ou nos ramos de palmeiras, seja nas concepções arquitetônicas, como nos edifícios do Paternon e da ONU, e até mesmo no comprimento dos braços de uma cruz.

sexta-feira, 6 de julho de 2007

ANCHIETA, UM TERRÍVEL PARADOXO

O APÓSTOLO DO BRASIL


O padre José de Anchieta (1534 - 1597) é uma das personagens mais interessantes da História do Brasil.
Natural da Ilha das Canárias e tendo estudado filosofia em Coimbra, Anchieta chegou ao Brasil em 1553, com menos de 20 anos. Vítima de um problema na espinha dorsal, o jovem sofria de dores agonizantes, caminhava apoiando-se sobre um bastão e envolvia o tronco em faixas que lhe disfarçavam a corcunda.


Obra

Anchieta era fluente em espanhol, português e latim; para além de suas atividades religiosas, destacou-se como gramático, poeta, teatrólogo e historiador.
No Brasil, estudou imediatamente a língua indígena e logo escreveu uma gramática e um vocabulário tupi, bem como manuais em tupi, para utilização dos confessores e para assistência aos moribundos. Manejava a língua dos nativos para compor canções, poemas e peças teatrais, de caráter sacro, com o que procurava atrair os índios para o Catolicismo.
Seu primeiro livro, "De gestis Mendi de Saa", em latim e em versos, foi impresso em Coimbra em 1563, narrando a luta entre os portugueses de Mem de Sá e os franceses de Villegaignon, na cidade do Rio de Janeiro. Trata-se do primeiro poema épico de toda a América e é anterior à edição de "Os Lusíadas" (1572), de Luís de Camões.
Seu segundo texto impresso foi a "Arte de gramática da língua mais usada na costa do Brasil”, com os fundamentos da língua tupi, publicada em Coimbra, em 1595.
Foi também autor de poesias em verso medieval, como o poema "De Beata Virgine Dei Matre Maria", mais conhecido como "Poema à Virgem", com 4.172 versos em latim, e de cantos piedosos, diálogos e autos, segundo o estilo de Gil Vicente, e, por isso, é considerado o iniciador do teatro e da poesia no Brasil.
São também importantes as suas cartas para Portugal e Roma, com ricas informações sobre a flora e a fauna, particularmente os peixes encontrados no Brasil.


Como pode?


No livro “O Povo Brasileiro”, Darcy Ribeiro menciona a guerra sem quartel entre os portugueses, com seus canhões e arcabuzes, e os indígenas brasileiros, que dispunham
apenas de tacapes, zarabatanas, arcos e flechas.
Uma guerra desigual, desumana até.
Darcy estranha o gosto dos cronistas da época em exaltar o heroísmo lusitano nessa empreitada de massacrar índios covardemente. Entre esses cronistas, está o padre José de Anchieta.
Escreve Darcy Ribeiro:

“Anchieta, descuidado da cordura que corresponderia à sua futura santidade, louva assim o bravo governador (Mem de Sá):


Quem poderá contar os gestos heróicos do Chefe

À frente dos soldados, na imensa mata:

Cento e sessenta as aldeias incendiadas,

Mil casas arruinadas pela chama devoradora,

Assolados os campos, com suas riquezas,

Passado tudo ao fio da espada.


Estes são alguns dos dois mil versos de louvação escritos em latim por José de Anchieta no poema “De Gestis Mendi Saa”.

Mem de Sá, o "Chefe", comandou um programa "civilizador" que destruiu cerca de trezentas aldeias indígenas na costa brasileira do século XVI.


Beatificação


José de Anchieta foi beatificado, em junho de 1980, pelo Papa João Paulo II.

quinta-feira, 5 de julho de 2007

RETALHOS DO QUOTIDIANO (parte 21/26)

Bola de Sebo

Eu daria seis aulas por semana, num horário propositadamente compatível com as minhas atividades na Física. Uma caixa de velhos escritos, muitos programas ainda arquivados no meu computador, meus livros e apostilas da minha passagem pela Universidade do Texas, tudo isso me servia novamente. Minha intenção, desde logo, era abandonar a Física, pois ser professor era, no portfólio das minhas ambições, equivalente à carreira de físico. Para reforçar a decisão, as cadeiras que a mim confiavam correspondiam à minha aptidão e experiência.
Laura surpreendeu-se com o meu entusiasmo redobrado, mas sempre se colocou a meu lado, incentivando-me e discutindo comigo a melhor forma de conduzir uma aula, pois ela própria tinha vontade de ser professora.

Estrela do poeta


Vivíamos momentos decisivos, mas éramos solidários e recíprocos. Ouso dizer que nos bastávamos, pois um entendia e completava o outro.

- Não sei não, mas sempre devia haver alguém como você perto da gente.

- Muito obrigada. Alguma razão específica?

- Você é a estrela do poeta, apontando o caminho ao pegureiro.

Ela é boa de cuspir

Às vezes, no lazer, Laura suscitava temas culturais, com muito proveito para mim. De certa feita ela me perguntou se conhecia Guy de Maupassant.

- Guy de Maupassant?

- Sim, um dos maiores contistas de todos os tempos. Histórias abundantes, sobre todos os tipos e todas as situações. Três centenas de contos,
a seu tempo talvez o autor mais lido no mundo. Morreu com 43 anos, apenas.

Ela me fez um relato do Colar de Diamantes, um conto
meio ingênuo, sei lá. Aquela história da mulher bela e admirada, que numa festa de rara felicidade perde o colar de esmeraldas que pertencia à amiga. Isso tem conseqüências graves: a pobre mulher sacrifica a vida para repor o colar perdido, sem saber que se tratava de uma jóia falsa.
Bola de Sebo, outro dos contos de Maupassant, me pareceu obra de gente grande. Uma história que se passa na época da guerra franco-prussiana. Na carruagem francesa, uma prostituta, que atende pelo nome pejorativo de Bola de Sebo, é hostilizada pelos demais passageiros, que são senhoras e senhores burgueses, de muita hierarquia e nenhum valor.
Em certo instante da viagem um oficial do exército invasor detém a carruagem e ameaça retê-la indefinidamente, a não ser que Bola de Sebo concorde em passar uma noite com ele. Isto não está nos planos da prostituta, que, entretanto, é pressionada a ceder àquele desígnio pelos demais passageiros, que nesse mister usam súplicas e expedientes de persuasão e hipocrisia.
Após muito relutar, Bola de Sebo percebe que não tem saída, entrega-se ao comandante, que satisfaz os seus desejos e dá sua autorização para que a viagem prossiga.
Como se nada tivesse ocorrido, os burgueses retomam a atitude superior, desprezando, como antes, aquela pecadora vulgar.

No tempo das diligências

Bola de Sebo é o conto do trocadilho “Loiseau vole” e “l’oiseau vole”, que Maupassant construiu porque havia um Loiseau entre os passageiros. Em francês “voler” significa tanto voar como roubar, foi o que Laura me ensinou.

- O senhor Loiseau rouba?

- Isso eu não sei, não senhor. Eu apenas disse que o pássaro voa.

Laura achava que Bola de Sebo, na verdade uma lenda urbana, inspirou muitas narrativas, entre elas o filme "No Tempo das Diligências" (“Stagecoach”), de John Ford, lançado em 1939.
Um filme visto 40 vezes por Orson Welles, que o considerou a síntese de todos os “westerns”.
(continua)

quarta-feira, 4 de julho de 2007

"ELE" ERA "ELA"...

SOPHIE GERMAIN

Sophie Germain (1776 - 1831), uma jovem francesa que tinha extraordinária aptidão para Matemática e Ciência, teve de se passar por homem, com o nome de Antoine-August Le Blanc, para estudar na Escola Politécnica de Paris, que no alvorecer do século XIX ainda era uma academia de ciências reservada exclusivamente para homens.
Numa época em que as mulheres eram proibidas de estudar temas científicos, Sophie lia escondidamente sobre a Física, de Newton, e a Matemática, de Euler, à noite, depois que seus pais se recolhiam para dormir.

Seu talento era, entretanto, tão grande que os maiores matemáticos europeus, como o francês Joseph-Louis Lagrange e o alemão Carl Friedrich Gauss, correspondiam-se com esse Le Blanc, sem saber que “ele” era “ela”.
A verdadeira identidade de Monsieur Leblanc foi descoberta quando Napoleão invadiu a Prússia, em 1806. Pois Sophie Germain enviou uma carta ao general francês que comandou a invasão, pedindo-lhe que Gauss não fosse molestado.

- Por que me poupam?, perguntou o matemático alemão.


- A pedido de uma francesa, respondeu o general.


Na seqüência desses eventos, descobriu-se a verdadeira identidade de Antoine-August Le Blanc.


A obra

A correspondência de Sophie com o matemático Adrien-Marie Legendre constitui um importante contribuição para a Teoria dos Números.
Ela também se destacou nos estudos da Matemática Pura, da Matemática Aplicada e sobretudo no campo da elasticidade dos materiais, tendo sido a única pessoa a submeter um trabalho no concurso organizado pelo Instituto Francês, em 1808, para responder ao seguinte desafio:

“Formular uma teoria matemática para as superfícies elásticas, demonstrando sua compatibilidade com os dados experimentais.”

Uma medalha de ouro, de um kilograma, era o prêmio do vencedor, mas Sophie recusou-se a comparecer à cerimônia de premiação.
Antes de morrer, Sophie escreveu um ensaio sobre filosofia da ciência que foi elogiado pelo filósofo Augusto Comte.


Injustiça

Gauss queria que Sophie recebesse um grau de doutora honoris causa da Universidade de Göttingen, na Alemanha, mas a morte de Sophie Germain, em 1831, impediu que essa honra lhe fosse conferida.
Na estrutura da Torre Eiffel foram gravados os nomes de 72 sábios que de algum modo contribuíram para a sua construção: Sophie Germain foi ignorada, não obstante seus estudos sobre resistência dos materiais, sem os quais a própria obra não poderia ter sido erigida.


Pobreza de espírito

O atestado de óbito de Sophie Germain registrou que se tratava de “mulher solteira, sem profissão”, em vez de “matemática” ou “cientista”.

terça-feira, 3 de julho de 2007

DO TEU VENTRE NASCERIAM DEUSES

Argila

Nascemos um para o outro, dessa argila
De que são feitas as criaturas raras;

Tens legendas pagãs nas carnes claras
E eu tenho a alma dos faunos na pupila...


Às belezas heróicas te comparas

E em mim a luz olímpica cintila,

Gritam em nós todas as nobres taras

Daquela Grécia esplêndida e tranquila...


É tanta a glória que nos encaminha

Em nosso amor de seleção, profundo,

Que (ouço de longe o oráculo de Elêusis)


Se um dia eu fosse teu e fosses minha,
O nosso amor conceberia um mundo

E do teu ventre nasceriam deuses...

Raul de Leoni (1895 - 1926)

segunda-feira, 2 de julho de 2007

PRINCÍPIO DA BANALIDADE, SEDES E COQUITÉIS

PRINCÍPIO DA BANALIDADE

As tomadas de decisão nos órgãos colegiados foram estudadas por Cyril Northcote
Parkinson(1909-1993), aquele da Lei de Parkinson, cujo Princípio da Banalidade, alusivo a essa questão, tem o seguinte enunciado:

"O tempo despendido nas discussões de cada item de uma reunião diminui quando aumenta o custo monetário envolvido."

Em seu livro, Parkinson mostrou o comportamento de um órgão colegiado de uma instituição inglesa, que na mesma reunião discutiu a aquisição de um reator atômico, no valor de 10 milhões de dólares, a construção de um galpão para estacionamento de bicicletas dos operários, no valor de 2.350 dólares, e uma autorização para serviço de cafezinho, com custo de 4,75 dólares por mês.
Os dólares mencionados referem-se a 1957.
O tempo para decidir sobre o reator, cuja proposta estava instruída por estudos técnicos e pareceres diversos, foi de apenas 2,5 minutos, pois os encarregados da decisão entendiam pouco de reatores atômicos e de suas finalidades, não registrando a ata da reunião nenhum comentário sobre o projeto ou objeção a ele. Desse modo, o reator foi aprovado.
Por sua vez, o galpão das bicicletas tomou do colegiado o tempo de 45 minutos, uma vez que todos quiseram comentar os aspectos sociais envolvidos, as vantagens dos tetos de ferro galvanizado sobre os de alumínio, o tipo de pintura do galpão, os benefícios de pedalar para a saúde dos empregados e a possibilidade de surgir algum ciclista campeão, o que seria muito bom para a imagem da organização. O galpão foi igualmente aprovado.
O serviço de cafezinho, finalmente, provocou discussões exaustivas sobre a duração dos coffee breaks, os males e os benefícios do café, o custo do pó, o tipo de adoçante, a alternativa de servir chocolate, em vez de café, ou de servir ambos, café e chocolate, e outras questões correlatas, ficando a decisão adiada para a reunião seguinte, pois se solicitou à divisão de pessoal que acrescentasse informações que instruíssem a questão de forma adequada.

Sedes Suntuosas

Outro estudo de Parkinson refere-se às sedes das organizações, sendo certo que a perfeição da estrutura é alcançada somente quando a instituição considerada já se encontra em estado de decadência ou em estado de ociosidade.
A explicação é simples: durante o período de crescimento e expansão, não há tempo para se pensar em instalações perfeitas; o tempo para isso vem mais tarde, quando não houver mais trabalho importante a realizar.
De fato, o Vaticano e a Basílica de São Pedro foram concluídos quando o Papado já havia perdido boa parte do seu poder; o mesmo aconteceu com a Liga das Nações, que perdeu sua importância e até deixou de existir logo após a inauguração do Palácio das Nações, em 1938; o Palácio de Versailles, que vinha sendo construído desde 1669, foi inaugurado como sede da Monarquia Francesa em 1756, a apenas 33 anos da Revolução Francesa, que exterminou a dinastia dos Luíses e a própria monarquia; assim também, o Palácio de Buckingham passou a ser a residência de uma monarquia britânica ociosa na mesma ocasião em que esta cedia seu poder a um governo parlamentar, sendo importante acrescentar que o primeiro-ministro, que tem o poder político e administrativo na Inglaterra, habita uma residência aparentemente normal, situada na Downing Street, 10; a própria Inglaterra foi varrida da Índia após construir Nova Delhi, esplêndida na concepção, impressionante nos detalhes, magistral nos planos e impressionante na escala.
Ah, o Pentágono, em Arlington, na Virgínia, só ficou pronto na etapa final da II Guerra Mundial, quando já se havia concluído no mal-amanhado Edifício das Munições todo o planejamento militar dos americanos naquele conflito.


Coquitéis

Outra observação curiosa de Parkinson diz respeito ao comportamento das pessoas importantes nas festas e coquetéis. Elas chegam às reuniões entre 30 e 45 minutos após iniciada a festa, entram pelo lado esquerdo do salão, circulam-no no sentido dos ponteiros do relógio e se retiram uma hora antes do seu término.
São pessoas importantes, com efeito, as pessoas que se agrupam do lado esquerdo do salão, quase na sua parte final, 90 minutos a contar do início da festa.

Parkinson dá as explicações: a pessoa importante não entrará antes que haja um número de pessoas suficientemente grande para observar a sua chegada, nem depois que outras pessoas já se foram; o sentido horário é o sentido da correnteza humana, por ser o do lado do coração; essas pessoas retiram-se antes do fim da festa, algo como 60 minutos, para que a sua saída seja percebida por todos, pois querem muitas testemunhas que atestem a sua presença no evento.
Quem faz diferente não é importante.