quinta-feira, 31 de maio de 2007

RETALHOS DO QUOTIDIANO (parte 16/26)

Eu sou o Al Pacino

Faça de conta que você está num barzinho do Leblon e a moça mais bonita da General San Martin lhe pergunta se você curte o Al Pacino e o que é Termodinâmica. Isso mesmo, você vai dar essa aula para a moça mais bonita da San Martin, segurando o giz como quem segura um copo de uísque.

- Sim, sim, também curto o Al Pacino.

A aula da minha vida, o uísque da minha vida, a moça da minha vida. E eu, bem, eu sou o Al Pacino, que vai dar a aula para a moça da San Martin.

Treinando os três princípios

Lembre-se, Carlinhos idiota, nada de integrais ou de logaritmos neperianos, nem de médias harmônicas ou de transformadas de Laplace.
O Primeiro Princípio da Termodinâmica garante a conservação da energia, é preciso que isso fique muito claro. Não posso esquecer, na hora, de mencionar que o Universo é um sistema fechado e portanto de energia constante, distribuída no petróleo, na luz do sol, nas plantas, nas barragens - energia nuclear, energia mecânica, energia química, energia elétrica... Energia por toda parte, mudando de uma forma para outra.
O Segundo Princípio limita as transformações entre calor e trabalho, pois é impossível que uma máquina térmica isolada e independente transfira calor de um corpo frio para um corpo quente, isto é, o moto contínuo de primeira espécie é inviável, assim agora e assim eternidade adentro. O Segundo Princípio pressupõe a morte térmica do Universo, pelo aumento incessante e irreversível de entropia, até o nivelamento completo das temperaturas do Universo.
Mas há também um Terceiro Princípio da Termodinâmica, pelo qual não é possível atingir o zero absoluto utilizando uma seqüência finita de processos termodinâmicos. Ou, dizendo melhor, é impossível alcançar a temperatura correspondente ao zero absoluto.

Montaigne

Claro que, ao citar Mayer e Carnot, devo dizer como foi que eles morreram, de acordo com as informações que venho recolhendo nas minhas pesquisas da Biblioteca Nacional. Para avaliar se uma pessoa foi feliz, isto é, se valeu a pena ter vivido, é preciso saber como foi que ela morreu, e quem ensina isso é Montaigne. Se tais coisas não ficarem esclarecidas, isto é, se não se conhece o lado humano e doloroso dos físicos, os alunos podem pensar que a ciência se faz num céu de brigadeiro, sem pessoas, sem alma, sem angústia e sem sofrimento. Que a Física surge do nada, como a noite, a chuva, as manhãs de outono, o vento leste, ou pelas artimanhas de alguma máquina, bastando ligá-la na tomada ou alimentá-la de petróleo num posto de gasolina.

Ricardo III

Vou seguir esse roteiro. Problema, se houver, será responder às perguntas da banca, inesperadas, surpreendentes e ameaçadoras. Mas isso está fora do meu controle. Seja como for, lembre-se de que o professor é um ator num palco, fazendo o Ricardo III. Cinco salários mínimos! Cinco salários mínimos! Meu reino por cinco salários mínimos!

- Concluo, senhoras e senhores, depositando-lhes toda a verdade: eu sou o Al Pacino!
(continua)

quarta-feira, 30 de maio de 2007

MODISMOS INTOLERÁVEIS

TRÊS ACHEGAS DE CORIOLANO ZIMBER


(I) “A nível de” e “a nível”


Nunca use as expressões “a nível de” e “a nível” com o sentido de "circunscrito a", "em termos de" ou semelhantes. Os dois exemplos abaixo são condenados:

(1)Será uma reunião a nível de empresários.
(Certo: será uma reunião empresarial.)

(2) O atleta projetou-se a nível internacional.
(Certo: o atleta projetou-se internacionalmente.)

A expressão “ao nível de” só deve ser usada nos casos em que equivaler a “à altura de”, como nos exemplos:

(1) O Rio de Janeiro fica ao nível do mar.

(2) Seus gestos decididos e corajosos o ergueram ao nível dos grandes líderes.


(II) Qualquer

Nunca use “qualquer” com o significado de “nenhum”. Veja os exemplos abaixo:


(1) Errado: Ele não cometeu qualquer crime.
Certo: Ele não cometeu nenhum crime; ou: ele não cometeu crime nenhum; ou: ele não cometeu crime algum.

(2) Errado: Não deixe qualquer aluno ausentar-se da sala.
Certo: Não deixe nenhum aluno ausentar-se da sala; ou: não deixe aluno nenhum ausentar-se da sala; ou: não deixe aluno algum ausentar-se da sala.


A palavra “qualquer” tem sentido diferente do de “nenhum”, e a esta não deve substituir, configurando uma esdrúxula tentativa de imitação do idioma inglês. Veja a diferença de significado das duas palavras nas duas construções abaixo:


(a) Não tomo qualquer remédio. (Só os de tarja verde!
)

(b) Não tomo nenhum remédio. (Em hipótese alguma!)


(III) Ter que

Nunca use “ter que” no lugar de “ter de", ao construir uma locução verbal a se completar com um verbo no infinitivo. O verbo "ter", no caso, pede uma preposição ("de"), e não uma conjunção integrante ("que"). Ver o exemplo abaixo:

Errado: Tenho que analisar as recomendações do relatório.

Certo: Tenho de analisar as recomendações do relatório.

terça-feira, 29 de maio de 2007

Explicação


Deus tem preferência pelos pobres. Por isso fez tantos deles.


Abraham Lincoln (1809-1865)

NÚMEROS NATURAIS E NÚMEROS AMIGOS

Números naturais

A noção de números naturais, hoje tão corriqueira, não surgiu espontaneamente na trajetória do conhecimento humano. O homem primitivo tinha apenas o entendimento do maior e do menor, do mais e do menos, até que a necessidade de comparar quantidades levou-o à concepção do número.
Tivemos a percepção dos números ou os criamos? Há quem discuta se o número é uma entidade descoberta, anterior ao conhecimento humano, ou se uma invenção do homem inteligente, como a roda, a geladeira e o computador.
Alguns defensores de que os números não são uma criação humana costumam afirmar que:

“Deus fez os números, deixando aos homens a tarefa de fazer o restante.”

Números amigos

Pitágoras considerava que alguns números eram amigos de outros números ...
Ele costumava relacionar todos os divisores de um número e depois somá-los. Por exemplo, os divisores do número 10 são 1, 2 e 5, com soma 1 + 2 + 5 = 8. Números amigos são aqueles cujos divisores somados se reproduzem reciprocamente, como 220 e 284. Os divisores de 220 são 1, 2, 4, 5, 10, 11, 20, 22, 44, 55 e 110, cuja soma é 284. Por sua vez, 284 tem como divisores 1, 2, 4, 71 e 142, cuja soma é 220. Por isso 220 e 284 são números amigos ou amigáveis.
Além de Pitágoras, outros matemáticos importantes gostavam de estudar os números amigos, como Pierre de Fermat e Leonardo Euler. Fermat descobriu os números amigos 17.296 e 18.416, e Euler, certa vez, publicou uma lista de trinta pares de números amigos, ele que mais tarde iria enriquecer essa lista com mais três dezenas desses pares.Todos os pares de números amigos inferiores a um milhão já são conhecidos.
O conceito de números amigos é extensivamente utilizado nas práticas de feitiçaria, magia e astrologia e na confecção de horóscopos.

O número é a fonte de tudo

Pitágoras admitia que a variedade das coisas podia ser explicada pelo concurso dos opostos, a saber, os números pares, que são ilimitados, imperfeitos e sem determinação, por não se oporem à divisão por dois, e os números ímpares, que se opõem à divisão por dois e por isso categorizados como limitados, perfeitos e determinados.
Das imensuráveis combinações do ilimitado com o limitado, é que deviam resultar o vir-a-ser e a multiplicidade. Eis o que dizia Pitágoras:

"Os números são o princípio, a fonte e a raiz de todas as coisas"-

Uma antecipação, com radicalização e exagero, do que modernamente chamamos de leis físicas, admitindo ser possível expressar todos os fenômenos naturais mediante relações matemáticas.

segunda-feira, 28 de maio de 2007

PELA PEDRA

A EDUCAÇÃO PELA PEDRA

Uma educação pela pedra: por lições;
para aprender da pedra, freqüentá-la;

captar sua voz inenfática, impessoal

(pela de dicção ela começa as aulas).

A lição de moral, sua resistência fria
ao que flui e a fluir, a ser maleada;

a de poética, sua carnadura concreta;
a de economia, seu adensar-se compacta:
lições de pedra (de fora para dentro,

cartilha muda), para quem soletrá-la.

Outra educação pela pedra: no Sertão
(de dentro para fora, e pré-didática).
No Sertão a pedra não sabe lecionar,
e se lecionasse, não ensinaria nada;
lá não se aprende a pedra: lá a pedra,
uma pedra de nascença, entranha a alma.



João Cabral de Melo Neto (1920 - 1999)

sexta-feira, 25 de maio de 2007

UMA EQUAÇÃO NO TÚMULO

DIOFANTE DE ALEXANDRIA

Três gregos da Antiguidade foram fundamentais na construção dos grandes pilares da Matemática:

Pitágoras ( 571 ou 570 a. C. - 497 ou 496 a. C.), criador da Teoria dos Números;

Euclides (360 a.C. — 295 a.C), autor dos Elementos, com sua impecável Geometria Euclidiana;

Diofante (? - ?), expoente da Álgebra.

Sabe-se, de Diofante, que morou em Alexandria (assim como Euclides). Seu lugar de nascimento é desconhecido, tanto quanto o período em que teria vivido, sendo certo, porém, que nasceu depois do ano 150 a. C., porque seus livros citam Hipsicles (240 a. C. - 170 a. C.), e antes de 350 da nossa era, porque seu nome é citado por Theon (335-395), pai de Hipácia e professor da Universidade de Alexandria.
Foi Diofante quem introduziu as abreviaturas e convenções que permitiram exprimir as diversas relações e operações algébricas, revolucionando a "álgebra com palavras" dos babilônios. Antes de Diofante, a matemática dos gregos se limitava à teoria dos números, de Pitágoras, e à geometria estudada por Platão e seus seguidores, conforme depois sistematizada por Euclides.
Alexandria esteve, de fato, na vanguarda da Matemática, com Euclides (360 a.C. — 295 a.C); Arquimedes (287 a.C. - 212 a.C.); Apolônio de Perga (262 a. C - 190 a. C.), o geômetra que estudou as cônicas e criou os termos “elipse”, “parábola” e “hipérbole”; Hiparco de Nicéia (194 a.C. - 120 a.C.), que inventou a trigonometria; Diofante (período indeterminado entre 150 a. C. e 350); e Hipácia de Alexandria (370- 415).
Todo o trabalho de Diofante foi reunido nos treze volumes da sua Aritmética, dos quais apenas seis sobreviveram à destruição da Biblioteca de Alexandria. Quando o Califa Omar ordenou a queima dos livros, em 642, por achar que livros não interessavam ao Corão, iniciou-se um período de estagnação da Matemática no Ocidente.
Os estudos matemáticos tiveram prosseguimento com indianos e árabes, que se valeram do conhecimento dos gregos, expresso nos livros salvos da destruição da Biblioteca. Dedicaram-se, indianos e árabes, a reconstituir demonstrações de teoremas que se haviam perdido e tiveram o mérito de introduzir o zero e a numeração indo-arábica, hoje usada por todos os povos civilizados, indistintamente.
A retomada dos estudos matemáticos na Europa seria feita de forma tímida a partir de 1202, com a publicação na Itália do livro de Leonardo Pisano
("Liber Abaci"), e mais fortemente a partir de 1453, quando os turcos saquearam Constantinopla. Os intelectuais bizantinos fugiram para o Ocidente com os textos a seu alcance, entre os quais se encontravam seis dos treze volumes da Aritmética, de Diofante.
Foi assim que a Europa tomou conhecimento de Diofante. E da Álgebra.

O túmulo de Diofante

Algumas escassas informações sobre Diofante estão gravadas em seu túmulo, na forma de uma seqüência do primeiro grau:

Sua infância durou um sexto da sua vida; depois, usou barba por um doze avos; mais um sétimo, contraiu núpcias; seu filho nasceu cinco anos depois; esse filho, fraco e doente, teve a metade da vida do pai; e o pai, desgostoso, sobreviveu apenas mais quatro anos.

Quem se der ao trabalho de resolver a equação sugerida por esse curioso epitáfio, ficará sabendo que Diofante morreu com 84 anos.


quinta-feira, 24 de maio de 2007

RETALHOS DO QUOTIDIANO (parte 15/26)

Ludivine Sagnier

Olhei para o passageiro que viajava a meu lado e vi que se tratava de Albert Einstein.
- Albert Einstein?
- Sim, respondeu o outro, passando-me um cartão com os seguintes dizeres:

Dúvidas? Sunset Society
albert.einstein@ulm.com

Espreguiçando demoradamente, fiquei perscrutando o sonho extravagante. Quem diria... Eu, euzinho, numa viagem de Hong Kong para Paris! Primeira classe, aeromoças belas e gentis, s´il vous plaît para cá, s´il vous plaît para lá, voulez vous du vin? Brochettes au tabulé, escargots de Bourgogne, dessert, e Einstein, ali do lado, de cartão em punho, albert.einstein@ulm.com, para todas as dúvidas.
Que diabo seria Sunset Society?

Grandeza, se possível

Para Schopenhauer, a vida é um longo sonho ou, o que é equivalente, vida e sonho são páginas comuns de um livro complicado. E o sonho cabia muito bem naquela véspera, pois, aula aprovada, curso de doutorado quase garantido. Cinco salários mínimos por mês, durante três anos. Faltariam apenas os testes, de Português e de Inglês.
Mecânica teria sido melhor, ora se! Era começar pelo princípio da inércia, passar pel
o balde de Newton, discutir o caráter absoluto do movimento da Terra e o pêndulo de Foucault. No Universo tudo se passa como se matéria atraísse matéria, quem diria, na razão direta das massas e na razão inversa do quadrado das distâncias. A toda ação, uma reação, desde então e para sempre. Simetrias e invariâncias, o Princípio de D’Alembert. O tempo, Santo Agostinho, Kant, Stephen Hawkings, nosso passado tem forma de pêra, o presente já passou, e o futuro é uma expectativa que reflete a nossa experiência... passada.
Termodinâmica, e não Mecânica, fazer o quê? Manter a calma, esse o segredo, e só mencionar assuntos dominados, omitindo todo o resto. Se ocorrer a oportunidade, definir grandeza, que definir grandeza é o sonho de todo professor de Física:

- Grandeza é o atributo de um objeto ou atributo de um atributo de um objeto, no qual, atributo, se pode reconhecer diferentes graus de intensidade.

Se “pode reconhecer” ou se “podem reconhecer”?

Divine

Não consegui me lembrar do restante do sonho, por mais que me esforçasse. Tomei um chope em Montmartre e dei um olé no Quartier Latin? Tomara que eu tenha topado com a Ludivine Sagnier, na entrada do Louvre, ou melhor, no Jardim de Luxemburgo. Para, enfim e cara a cara, depor-lhe a grande ambição da minha vida.
- Mas, afinal, que ambição é esta, Carlinhos?
- Nadar na tua piscina, Lu.
- Ça va.
(continua)

quarta-feira, 23 de maio de 2007

BOM GOSTO

Versos colhidos no blog Retalhando - Maria
(postagem de 22 de janeiro de 2007)


Não me apetecem artigos indefinidos.
Justifico o meu ponto
No calor da malagueta.
Para as minhas reticências
Muitos chocolates e merengues.
Nas exclamações – camarões!
Entre vírgulas, um bom gole de um bom vinho e pausa.
Ahh...Para os verbos, wasabi no sashimi.
E, para a língua, o beijo das letras abiscoitado no mais cítrico dos sorvetes.

A MADUREZA DE CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE



A Flor e a Náusea


Quarenta anos e nenhum problema resolvido, sequer colocado.


Campo de Flores

Deus me deu um amor no tempo de madureza, quando os frutos ou não são colhidos ou sabem a verme.


O Quarto em Desordem

Na curva perigosa dos cinqüenta derrapei neste amor.


Apelo a Meus Dessemelhantes em Favor da Paz

Poupem-me por favor ou por desprezo, se não querem poupar-me por amor.




terça-feira, 22 de maio de 2007

PARADOXO DE FERMI

Onde estão eles?

O universo ocupa um espaço incomensurável e possui um número igualmente incomensurável de estrelas, com, provavelmente, muitos bilhões de sistemas planetários. É lícito supor que somos os únicos atores inteligentes no universo? Muitos defendem a existência de seres extraterrestres, considerando possível algum percentual de sistemas solares que tenham condições semelhantes ou até mais favoráveis às que propiciaram a vida inteligente na Terra.

- Então, onde eles estão?, perguntou na década de 1950 o físico italiano Enrico Fermi (1901 - 1954), prêmio Nobel de Física (1938) e responsável pela construção do primeiro reator atômico, desenvolvido na Universidade de Chicago.

Essa pergunta configura o que ficou conhecido como o “Paradoxo de Fermi”. Subjacentemente à indagação, existe o raciocínio de que, passados 15 bilhões de anos desde o Big Bang, e com tantos sistemas planetários, deviam ter surgido civilizações extraterrestres mais velhas e mais novas, mais adiantadas e mais atrasadas, cuja existência fosse percebida de alguma forma pelos habitantes da Terra. Mas seus sinais não nos chegam, configurando o paradoxo.

Na Hungria


Consta que Fermi fez essa pergunta aos físicos que se encontravam no refeitório do laboratório de Los Alamos. Corre a versão de que Leo Szilard, o húngaro brincalhão, teria respondido:

- Eles já estão há algum tempo por aqui. Mas chamam a si próprios de húngaros.

segunda-feira, 21 de maio de 2007

DESPERDÍCIO DE ESPAÇO

Nosso Universo

Em dezembro de 1995, o telescópio espacial Hubble fotografou milhares de galáxias, algumas das quais a mais de 12 bilhões de anos-luz da Via Láctea. Desde então, supõe-se que o universo visível possa ter qualquer coisa no entorno de 100 bilhões de galáxias. Uma dessas galáxias, a nossa Via Lactea, contém entre 100 e 400 bilhões de estrelas, o que levou à inferência de que o universo possa conter mais de 10 trilhões de bilhões de estrelas. Só a parte visível!

Especulações sobre a totalidade do universo, acrescentando a sua parte não visível, indicam algo para além de 1.000 bilhões de galáxias, com mais de 100 trilhões de bilhões de estrelas.
A estrela mais próxima do Sol, a estrela Alfa de Centauro, está a uma distância de cerca de 40 trilhões de quilômetros. Ou seja, o universo é inimaginavelmente grande e vazio.

Carl Sagan

- Um formidável desperdício de espaço, disse o cientista e escritor Carl Sagan.

sexta-feira, 18 de maio de 2007

ALAN TURING, COMPUTADOR E HOMOSSEXUALISMO

Máquina de Turing

Foi na década de 1930 que o matemático inglês Alan Mathison Turing ( 1912-1954) pensou pela primeira vez na possibilidade de máquinas que fossem capazes de fazer computações infinitas, para, desse modo, resolver as chamadas questões matemáticas indecidíveis.
Questões indecidíveis são as proposições existentes na Matemática das quais não se sabe se são falsas ou se são verdadeiras. Um exemplo de questão indecidível é a chamada Conjectura de Goldbach, pela qual todo número par maior que 2 pode sempre ser escrito como a soma de dois números primos. Alguns exemplos: 30 é igual à soma de 13 e 17, dois números primos; 66, a soma de 43 e 23, igualmente números primos; 112, a soma de 11 e 101, também números primos. Todos os números pares testados até hoje seguem a Conjectura de Goldbach, mas ninguém conseguiu demonstrar se ela é verdadeira, ou não, para todos os números pares, que são infinitos e portanto não susceptíveis de serem todos testados.

A máquina de Turing, se possível construí-la, poderia ser programada, no caso do exemplo, para testar indefinidamente os números pares, só interrompendo seus cálculos se encontrasse algum número par que não atendesse à Conjectura de Goldbach, em cujo caso esta deixaria de ser considerada indecidível e passaria à categoria de falsa.
O conceito da máquina de Turing foi por ele depois ampliado para abranger toda e qualquer tarefa matemática, deixando de ser uma exclusividade das questões indecidíveis. A cada problema, uma máquina de Turing individual, com um procedimento próprio, ou seja, um algoritmo específico. Poderíamos assim ter uma máquina de Turing para calcular números primos, outra para fatoração ou radiciação, outra para jogar xadrez etc.

Dando continuidade a esses estudos teóricos, em 1947 Turing teve a idéia de uma máquina de Turing “universal”, que agregaria todas as máquinas de Turing individuais. A máquina universal seria instruída, em cada caso, pelo fornecimento de um código numérico que lhe indicaria qual das máquinas de Turing individuais deveria ser usada no caso em questão.
As elucubrações teóricas de Alan Turing levariam a um progresso fantástico na direção das máquinas reais, e o próprio Turing ajudaria a criar os primeiros computadores.

Computador

De fato, Alan Turing não ficou só na teoria. Durante a Segunda Guerra Mundial, ele recebeu a incumbência da Escola de Cifras e Códigos, do Governo Britânico, de construir uma máquina que decifrasse os códigos secretos nazistas. Ele deveria estudar milhares de mensagens cifradas geradas diariamente pelo comando alemão, que a este fim usava uma máquina conhecida como Enigma, que embaralhava os textos a transmitir de acordo com bilhões de possibilidades escolhidas aleatoriamente. Decifrar esses códigos parecia uma tarefa impossível.
Turing não se intimidou, encarou o desafio como uma possibilidade de construir uma máquina de Turing real e liderou a construção do Colossus, um dispositivo eletrônico, de 1.500 válvulas, que utilizava símbolos perfurados em fitas de papel, com capacidade de processamento de 25.000 caracteres por segundo, que no decorrer de sucessivos aperfeiçoamentos passou a decifrar os códigos alemães gerados pelo Enigma, quaisquer que eles fossem, em apenas alguns minutos.

O Colossus tinha memória, processador de informações e capacidade de decisão, configurando um autêntico computador.
Depois da guerra, Turing encabeçou a construção dos primeiros computadores para fins pacíficos, o ACE (Automatic Computing Engine), em 1945, e o MADAM ( Manchester Digital Machine), em 1948, sendo este o primeiro computador com programa armazenado internamente.
Nas horas de lazer Turing se divertia ensinando o MADAM a jogar xadrez e a escrever cartas de amor.

Turing acreditava, com efeito, que no futuro as máquinas poderiam ser programadas para fazer a mímica do ser humano. Sua idéia central era a de que as máquinas podiam aprender, segundo procedimentos que as levassem a se auto-aperfeiçoarem, até atingir um estado de “inteligência”.
Turing teve de enfrentar uma série de restrições filosóficas a essas idéias, que envolviam questões relacionadas a ética, capacidade emocional, solidariedade, afeição, livre arbítrio etc, que classificou pejorativamente de “oposição sentimental.” Foi quando Turing sugeriu uma experiência mental que se tornaria famosa: a de colocar uma máquina atrás de uma parede e submetê-la a um interrogatório por pessoas que não soubessem a natureza da entidade que estavam interrogando. Se, ao fim e ao cabo, os inquisidores não descobrissem que estavam questionando uma máquina, teríamos de aceitar a equivalência da "inteligência" da máquina com a inteligência do ser humano.
- Quando converso com outra pessoa, justificava ele, não julgo seu lado intelectual e emocional pela sua aparência humana, mas pelas respostas que ela me dá, tanto quanto a máquina que está do outro lado da parede.

Violação de leis britânicas de homossexualidade

Depois da guerra Alan Turing passou a ser vigiado pelo Serviço Secreto Britânico por causa da sua condição de homossexual. As autoridades temiam as inconfidências que poderia fazer o homem que mais conhecia os códigos de segurança da Inglaterra ou que ele pudesse se tornar vulnerável à chantagem. Nesse rationale não se levavam em conta nem a sua dedicação nem o inestimável serviço que prestara como decifrador de códigos de guerra alemães ou criando computadores.
Turing já se acostumara a ser seguido e a ser permanentemente monitorado, quando, em 1952, foi preso e humilhado em público, sob a esdrúxula acusação de "violação das leis britânicas de homossexualidade". Julgado por "vícios impróprios", Turing reconheceu-se culpado e foi condenado a submeter-se a terapias à base de estrogênio, um hormônio feminino que o tornou impotente e teve o grotesco efeito colateral de lhe fazer crescer os seios. Gênio cuspido e escarrado, em todas as acepções.
Humilhado e deprimido, Turing cometeu suicídio, comendo uma maçã envenenada com cianeto,
em 7 de Junho de 1954.
Quando morreu tinha apenas 41 anos
.

quinta-feira, 17 de maio de 2007

RETALHOS DO QUOTIDIANO (parte 14/26)

Nenhumíssima

Eu estava levando a sério o propósito de adquirir um pouco de cultura, tanto que me inscrevi num curso sobre filósofos pré-socráticos e decidi ler alguns autores de primeira linha. Comecei por Albert Camus, que, ao contrário daquele seu estrangeiro, repudia a depressão e ama a vida:

- Amo a vida, eis a minha verdadeira fraqueza. Amo-a tanto, que não tenho nenhuma imaginação para o que não for vida.

Também amo a vida, pensei, deve ser isso. Pois Camus me estimulava a ligar para a May. Tanto tempo passado e esgotado o ressentimento, ela não se recusaria a me atender. Eu iria pedir um favor, isso mesmo, só um favor, sem dar bandeira, nenhuma bandeira.


Treinando o improviso

Precisava preparar-me. Um tema e dois dias de antecedência, não mais, e eu seria capaz de um bom improviso. Nem sei se foi Voltaire quem disse isso, mas funciona. Sabe, May, não é por nada não, mas eu queria lhe perguntar sobre o Camus, pois ando pensando naquele filme e quero discutir com você sobre os livros dele. Afinal, há três meses não nos falamos. Não sei, isto é, não sei mesmo... Quem gosta de Física está irremediavelmente ligado ao drama do Giordano Bruno, pobre dele, que não se retratou, e teve essa história do senhor Meursault, que também não se retratou. Retratação, não; arrependimento, também não. Quero ver se compreendo o Giordano pela discussão e entendimento do Meursault. Acho, nem sei se acho, que o senhor Meursault não passa de uma triste metáfora. Você pode me ajudar?
Na hora sairia melhor... Pois uma coisa era certa: meu desempenho cresce, e muito, quando estou sob pressão.

Agora entendo o Fernando Pessoa

Meu coração acelerou quando perguntei se ela podia me atender.
- May? Ela despediu-se do Museu há cerca de um mês.
- Despediu-se do Museu? Demitida?
- Não, não, pediu demissão. Ela se mudou para Paris, acompanhando o Kurtis.
- Paris? Kurtis, quem é Kurtis?
- Sim, Kurtis, professor da Economia.
O telefone quase me caiu das mãos.
Onde estou, meu Deus? Já não ciciam os buritis, às noites seguem-se os dias, mais forte que o tufão, meu filho, é Deus... Os rios correm pressurosamente para o mar, sigam-me os que forem brasileiros, Deus não criou o mundo, mas emanou-o, um burro coça o outro, tudo se afirma, se nega e se supera, ama com fé e orgulho a terra em que nasceste, a discórdia é a peste, e a tolerância, o remédio, ridendo castigat mores, não existe amor sem sexo, o pão nosso de cada dia nos dai hoje, amar foi minha ruína, os brutos também amam e o encouraçado Potenkim, mais vale um pássaro na mão do que dois voando por aí, quem tudo quer tudo perde, o homem é o lobo do homem, ninguém assistiu ao enterro da tua última quimera.

Tudo bem, tudo bem. Mas fazer o quê?
Escafeder-me, evaporar, gritar viva a Rainha Elisabeth II e abaixo as três leis de Newton, admitir que de muito pensar morreu um crisântemo amarelo e confessar que odeio a palavra arrebol e seus termos cognatos, antes de reconhecer que, afinal e definitivamente, sou o maior idiota de toda a história da humanidade, não importa onde, como, quando ou por quê, seja em Araxá, Veneza ou Tegucigalpa.
Agora entendo o Fernando Pessoa: o amor não é prato que se possa comer frio. Nem hoje nem sábado.

E o idiota, aqui, faz
endo versinhos, bonitinhos, metrificadinhos, cheios de riminhas. Ridículos, decididamente ridículos!

O outro é o outro

Decidir o que fazer era muito simples: nenhumar a May. Nenhumação é a arte de transformar o outro em nenhum.
O outro é o outro. Pois eu, filho do carbono e do amoníaco, não conheci nenhuma May. Nenhuminha, nenhumíssima.
(continua)

quarta-feira, 16 de maio de 2007

OS SETE SÁBIOS DA GRÉCIA

A lista dos sete sábios da Grécia assumiu sua composição definitiva ao tempo de Platão: Tales de Mileto, Periandro de Corinto, Pítaco de Mitilene, Bias de Priene, Cleóbulo de Lindos, Sólon de Atenas e Quílon de Esparta.
Todos viveram no sexto século antes de Cristo, num momento de reorganização das cidades, graves perturbações e resistências heróicas às invasões estrangeiras, destacando-se não somente por sua sabedoria, mas também pela liderança política e grande capacidade administrativa.
Conta a lenda que os pescadores de Mileto certa vez encontraram um vaso sagrado nas águas do Mar Egeu. Não havendo acordo sobre o destino que deveriam dar à peça, decidiram consultar a respeito o deus Apolo, no Oráculo de Delfos. A resposta de Apolo, transmitida pelas pitonisas, mandava entregar o vaso ao mais sábio dos homens.
O escolhido foi Tales, que, não se considerando o mais sábio, enviou-o a Periandro, que,
pelo mesmo motivo, passou a oferta adiante. E assim o vaso foi mudando de mãos, transitando pelos sete sábios. O último deles, Sólon, encerrou a questão, ofertando-o a Apolo, "o mais sábio dos deuses".

terça-feira, 15 de maio de 2007

LAMPIÃO E O PREFEITO DE MOSSORÓ

O ataque de Lampião a Mossoró

No dia 13 de junho de 1927, Lampião (1897 ou 1898 - 1938), que havia dias assediava a cidade de Mossoró, no Rio Grande do Norte, enviou uma carta ao seu prefeito, Rodolfo Fernandes, exigindo quatrocentos contos de réis para não atacar a cidade. Tendo o prefeito recusado a proposta, igualmente por carta, Lampião e seu bando invadiram a cidade. O objetivo era receber o resgate ou saquear a indústria, o comércio, as residências e as instalações do Banco do Brasil.

Carta de Lampião ao prefeito

“Coronel Rodolfo:

Estando eu aqui, o que pretendo é dinheiro. Já foi um aviso para o senhor aí. Se por acaso resolver mandar-me a importância que nós pedimos, evito a entrada aí; não vindo essa importância, eu entrarei até aí. Penso que, a Deus querer, eu entro, e vai haver muito estrago. Por isso, se vier o dinheiro, eu não entro aí. Mas mande resposta logo. Virgulino Ferreira, Capitão Lampião.”

Resposta do Prefeito a Lampião

“Virgulino Lampi
ão:

Recebi o seu bilhete e respondo que não tenho a importância que pede; o comércio também não tem. O banco está fechado, pois os seus funcionários se retiraram daqui. Estamos dispostos a suportar tudo que o senhor quiser fazer contra nós. A cidade confia na defesa que organizou. Rodolfo Fernandes, prefeito.”

O ataque

Nesse mesmo 13 de junho deu-se o ataque de Lampião a Mossoró, de acordo com um plano
idealizado pelo cangaceiro potiguar Massilon Leite Benevides, conhecedor da região. Massilon confiou na negligência da população, que não acreditava num ataque de Lampião. Ele não sabia, porém, da determinação do prefeito e dos cidadãos que se dispuseram a defender a cidade contra os marginais, que foram rechaçados e bateram em retirada, deixando para trás um companheiro morto e outro ferido.
Nunca mais Lampião se atreveu contra nenhuma cidade do Rio Grande do Norte, ele que, referindo-se à resistência de Mossoró, chegou a fazer o seguinte comentário: “da torre da igreja, até o santo atirava na gente.”

O epílogo

Lampião continuou sua carreira de invasões e arruaças até ser morto por um grupamento da Polícia Militar alagoana em 28 de julho de 1938,
na fazenda de Angicos, no município de Poço Redondo, Sergipe. Com ele morreram sua mulher, Maria Bonita, e os cangaceiros Luís Pedro, Mergulhão, Elétrico, Quinta-Feira, Caixa de Fósforo, Enedina, Cajarana e Diferente, e outros 23 cangaceiros se entregaram à volante comandada pelo tenente João Bezerra. Os mortos foram decapitados e suas cabeças ficaram expostas nas escadarias da igreja matriz de Santana do Ipanema, no sertão de Alagoas. De lá foram conduzidas para Maceió e depois para Salvador, onde foram mantidas como "objetos de pesquisa científica", no Instituto Médico Legal de Salvador (Instituto Nina Rodrigues), até a década de 1970.
Uma semana depois do massacre da fazenda de Angicos, o cangaceiro Corisco, que carregava o apelido de "Diabo Louro", amigo de Lampião e ex-integrante do seu bando, desfechou violentos ataques retaliatórios contra cidades à margem do Rio São Francisco. Chegou a enviar algumas cabeças cortadas ao prefeito do povoado de Piranhas, Alagoas, com um bilhete audacioso: "se o negócio é de cabeças, vou mandar em quantidade".
Corisco foi morto pela polícia em julho de 1940, na região de Brotas de Macaúbas, no Estado da Bahia.

sexta-feira, 11 de maio de 2007

OBRA E TRAGÉDIA DE LAVOISIER

Uma obra fundamental

Antoine Laurent de Lavoisier (1743-1794) foi o fundador da Química moderna. Seus feitos científicos são numerosos: criou os conceitos de substância pura, elemento químico e equação química; fez os primeiros estudos da Química Orgânica; propôs uma nomenclatura científica para os elementos e substâncias; publicou uma tabela com 32 elementos químicos, dos 92 que hoje se sabe existirem em estado natural; criou os termos oxigênio, hidrogênio e azoto; descobriu a composição da água, do ar e do gás carbônico; provou, em colaboração com Pierre-Simon de Laplace, que a respiração animal é uma forma de combustão interna sob a ação do oxigênio; obteve o hidrogênio por ação do ferro em vapor de água; inventou, ainda em colaboração com Laplace, o calorímetro de gelo; eliminou da Química a teoria do flogisto ou flogístico, um fluido hipotético que, segundo se acreditava, era liberado pelos corpos durante o processo da combustão; intuiu de forma genial sobre a reação básica que ocorre na fotossíntese da matéria vegetal; e estabeleceu o Princípio da Conservação da Matéria.
Lavoisier, que era muito rico, herdeiro de uma grande fortuna tanto quanto sua mulher Anne-Marie Pierrete Paulze, despendia grandes quantias na construção de aparelhos de laboratório, entre os quais pelicanos e balanças de alta precisão, que ainda hoje se encontram nos museus da França.
Após a queda da Bastilha, a Assembléia Nacional instituiu uma comissão para estabelecer um sistema internacional de pesos e medidas, integrada por Lavoisier, Condorcet, Borda, Lagrange, Tillet, Laplace e Monge; foi essa comissão que criou o metro, correspondente à décima milionésima parte do quadrante terrestre, e o quilograma-massa, construído para ser equivalente à massa, à temperatura de 18 graus Celsius, de um litro de água destilada.
Em 1789, o ano da Tomada da Bastilha, Lavoisier publicou o seu extraordinário Tratado de Química Elementar, no qual se contêm as bases de toda a Química moderna; nele Lavoisier explica o seu Princípio da Conservação da Matéria, que lhe valeu enorme prestígio mundial, sendo certo que pouca gente não terá ouvido alguma vez que

na natureza nada se perde, nada se cria, tudo se transforma”.

Lavoisier foi também proprietário rural, com mais de mil hectares de glebas em Freschines, perto da cidade de Blois, onde desenvolveu experiências agrícolas com o mesmo zelo que usava nos trabalhos de laboratório. Como político, foi suplente de deputado dos Estados Gerais e secretário do Tesouro.
Um amigo e discípulo de Lavoisier, Eleuthère Irénée Dupont de Nemours, tendo emigrado em 1800 para os Estados Unidos da América, fundou no Estado de Delaware a Du Pont de Nemours & Co, hoje um dos maiores conglomerados industriais do mundo.

Uma tragédia para a ciência

Lavoisier morreu guilhotinado, vítima do regime do Terror, que se instalou na França entre 1793 e 1794, ao tempo de Robespierre. Por ser cobrador oficial de impostos de Luiz XVI, uma função tornada mais impopular porque o clero e a nobreza gozavam do privilégio da isenção, Lavoisier acabou sendo injustamente acusado de peculato. A esse respeito, um antigo funcionário da Receita, Mollien, relatou na ocasião que não havia nenhuma dúvida quanto à inocência de Lavoisier, que não deixou "uma única objeção sem resposta, um único cálculo sem refutação, uma única justificativa sem prova."
De fato, as alegações contra Lavoisier eram irrelevantes, configurando um revanchismo dos que se viram prejudicados por sua atuação como coletor de impostos ou a sanha dos que lhe tinham inveja por sua fortuna e seus êxitos pessoais.

Tinha também contra si o ódio de Jean Paul Marat, que era médico e cientista, antes de se tornar o panfletário da Revolução Francesa. Em 1780, ou seja, antes do Terror, Marat submetera à Academia Real das Ciências um trabalho científico, pretensioso e equivocado, a que deu o nome de "Pesquisas Físicas sobre o Fogo"; nele Marat defendia ingenuamente que o fogo era a manifestação de um fluido especial, o fluido ígneo, cujas sombras produziriam as formas trêmulas das chamas. "Uma vela, defendia ele, confinada num espaço limitado, apaga-se porque o ar, dilatado pela chama, comprime-a e a abafa."
Esse trabalho foi recusado por orientação de Lavoisier. Embora corriqueiro, o fato foi decisivo para levar Lavoisier à guilhotina. Pois Marat assumiu o papel de principal acusador, com seus artigos raivosos e desproporcionais.
Para além de outros textos injustos e grosseiros sobre Lavoisier, eis o que Marat escreveu no seu jornal “L’Ami du Peuple”, em setembro de 1791:

“Denuncio-lhes o corifeu dos charlatães, o senhor Lavoisier, filho de um sovina, aprendiz de químico, aluno do agiota genebrino, coletor-geral de impostos, diretor da pólvora e do salitre, administrador da Caixa de Descontos, secretário do Rei, membro da Academia de Ciências, íntimo de Vauvilliers, administrador infiel da subsistência e o maior intrigante do século.”

O grande cientista foi condenado, e sua execução ocorreu em 8 de maio de 1794. “A república não precisa de gênios”, disse o juiz que o condenou.
Lavoisier não recebeu nenhuma solidariedade de antigos colaboradores e colegas acadêmicos, com a honrosa exceção do matemático Joseph Louis de Lagrange. No dia seguinte à execução, Lagrange expressou a sua mágoa com as seguintes palavras, que se tornariam famosas:

Bastaram alguns instantes para cortar a sua cabeça; mas cem anos talvez não sejam bastantes para produzir outra igual.”

quinta-feira, 10 de maio de 2007

RETALHOS DO QUOTIDIANO (parte 13/26)

A poesia

Uma certeza que me acompanha existência afora, nem sei exatamente por quê, é a de que todo mundo um dia acaba fazendo alguma poesia, nem que seja umazinha só, mirrada e solitária. No meu caso, isso é meio complicado e difícil porque não tenho nenhuma afirmação abrangente a fazer, nem para os amigos, nem sobretudo para a humanidade.

Minha cachorrinha

Sobreveio, porém, o incidente vivido à porta do motel, que preciso contar desde o começo.

Confesso constrangidamente que tenho cara de sósia, do tipo mais genérico e vulgar, tantas vezes já me confundiram com outras pessoas. Nunca, porém, o mal-entendido viera com tanto fervor e destempero.
Saíamos do motel, quando uma desconhecida, irrompendo do nada, deu um empurrão em May e dirigiu-se a mim de maneira extravagante e agressiva.

- Pensa que a coisa vai ficar assim, seu cretino? Me deixando por essa aí? Não adianta tirar a barba, nem o bigode, que eu te reconheço debaixo de qualquer disfarce, mesmo fantasiado de satanás ou de vice-rei da Catalunha! Eu irei atrás de você até as profundezas do inferno!
De um lado, uma mulher equivocada, com sua fúria e desespero, e, do outro, eu, um homem desconcertado, sem saber o que fazer, nem como reagir.
- Mas quem é a senhora?
- Não sabe quem sou eu, essa é boa, muito boa! E, além de tudo, me chamando de senhora! Você sempre me chamou de minha cachorrinha, não se lembra não, seu cretino?
Cada vez mais desorientado, a custo me desvencilhei da mulher. Mais que uma mulher, um pesadelo inexplicado, aliás, inexplicável.
Então, a surpresa maior: May, na confusão, havia abandonado o local. Ela seguira de táxi na direção do Leblon, foi o que me informaram.


Sic transit gloria mundi

À perplexidade daquele momento juntou-se a decepção dos dias que se seguiram. May se recusou a atender os meus telefonemas. Não sei se doeu mais a separação ou se a lógica absurda na qual se baseou. Senti semanas a fio uma terrível sensação de impotência, a de um inocente condenado por causa de um lamentável mal-entendido, inerme e inerte diante de um tribunal chamado May, a mulher que eu amava. Que ouviu uma acusação contra mim, de nenhum fundamento, me julgou e me condenou, sem sequer me conceder a generosidade de me ouvir.
Sic transit gloria mundi.
Apesar disso, ou, quem sabe, exatamente por isso, eu sentia muita falta dela. Afinal, May não tinha culpa de ignorar a minha inocência. Foi então que fiz a poesia, a que corroborou no que me diz respeito que todo mundo é poeta por um dia. Poesia tem de ser mostrada, imaginei, ou deve ir para a lata do lixo. Foi por isso que pensei em ir ao Museu, chamar pela May e depor-lhe o meu amor. Uma declaração seguida de uma declamação, de acordo com um teatro que cheguei a ensaiar.

O que declarar:

"Fiz uma poesia para você, os primeiros versos da minha vida. Versos ruins, sem dúvida, o que não tem nenhuma importância, nem conseqüência. Porque não sou poeta, May, mas um homem confessando o seu amor."

O que declamar:

"A febre, grande ameaça,
Sempre demora, mas passa.
A banda passa na praça,
Tocando com muita graça.
A uva demora, mas passa.
Passa boi, passa boiada,
Passarinho, passarada.
O aluno se vira e passa,
O filme passa no paço,
E, do pascácio que passa,
Não fica nem a carcaça.
Mas você, aqui no peito,
Agarrada como traça,
Impassante, impassada,
Só você é que não passa."

Horror ao vexame

Não bastava ensaiar. Para ir ao Museu eu teria de arrostar e vencer todas as minhas resistências. O que não aconteceu, pois, tudo aferido e sopesado, prevaleceu o meu recato. Ir ao Museu, de poesia em punho, onde já se viu, ora essa!
E, convenhamos, os meus versos cumpriram a regra, cumpriram sim, mas como são ridículos!
Galileu Galilei afirmou que a Natureza tem horror ao vácuo; eu faço pior ainda, pois é do vexame que tenho pavor, e somente dele.
Como são ridículos!
(continua)

quarta-feira, 9 de maio de 2007

Preparação para a Morte

A vida é um milagre.
Cada flor, com sua forma, sua cor, seu aroma,
Cada flor é um milagre.
Cada pássaro, com sua plumagem, seu vôo, seu canto,
Cada pássaro é um milagre.
O espaço, infinito, o espaço é um milagre.
O tempo, infinito, o tempo é um milagre.
A memória é um milagre.
A consciência é um milagre.
Tudo é milagre.
Tudo, menos a morte.
— Bendita a morte, que é o fim de todos os milagres.

Manuel Bandeira, 1965

segunda-feira, 7 de maio de 2007

A "vergonha" de Pero Vaz de Caminha

A primeira impressão civilizada que se conhece a respeito das índias brasileiras foi a transmitida pelo escrivão Pero Vaz de Caminha, na carta que dirigiu a Dom Manuel I em primeiro de maio de 1500. Nas diferentes passagens da carta, Caminha não esconde sua fixação nas “vergonhas” das moças índias, com seus insistentes e bem-humorados trocadilhos com a palavra "vergonha":

(...) "Entre eles, andavam também três ou quatro moças, bem novas e graciosas, com cabelos muito pretos, pelas espáduas, e suas vergonhas tão altas, tão cerradinhas e tão limpas das cabeleiras que não tínhamos nenhuma vergonha de as olhar muito bem.”

(...) "E uma daquelas moças era toda pintada de baixo acima daquela tintura; e de fato era tão bem-feita e tão redonda, e sua vergonha (que ela não tinha) tão graciosa, que muitas mulheres da nossa terra, vendo-lhes tais feições, sentiriam vergonha por não serem como ela."

(...) "Também andavam, entre eles, quatro ou cinco mulheres moças, nuas como os homens, as quais não pareciam mal. Entre elas andava uma com uma coxa (do joelho até o quadril) e a nádega toda pintada daquela tintura preta; e o resto, de sua cor natural. Outra trazia os joelhos com as curvas assim pintadas, e também os colos dos pés; e suas vergonhas tão nuas, e com tanta inocência descobertas, que nisto não havia vergonha alguma."

Quando a esquadra de Pedro Álvares Cabral partiu do Brasil, deixou com os índios dois degredados que haviam sido trazidos com a expedição, um dos quais se chamava Afonso Ribeiro. Os dois infelizes puseram-se a chorar com tal veemência e desespero que os índios ficaram perplexos e comovidos. Enquanto isso, dois grumetes (ou cinco, segundo alguns historiadores) abandonaram espontaneamente a esquadra, embrenhando-se terra adentro. Deles nunca mais se ouviu falar, mas os dois degredados foram resgatados vinte meses depois por outra expedição portuguesa, da qual fazia parte Américo Vespúcio. No final da carta, Pero Vaz de Caminha pede a Dom Manuel pela volta do genro, Jorge de Osório, um marginal que estava exilado na Ilha de São Tomé, atual Gabão, na África, depois de condenado por ter assaltado uma igreja e ferido um padre. Por isso muitos dizem que a carta de Caminha é a certidão de nascimento do pistolonato no Brasil.
Caminha seguiu com a frota de Cabral para a feitoria portuguesa de Calicute, nas Índias, a fim de assumir seu posto de tesoureiro. Em 16 de dezembro de 1500, porém, os árabes desfecharam um violento ataque contra a feitoria de Calicute, de que resultou a morte de Caminha. Ao saber do ocorrido, Dom Manuel decidiu atender o pleito do seu escrivão, dando por encerrado o exílio de Jorge de Osório.




Dogma do círculo

Platão (428 ou 427 a. C. - 347 a. C.) é um dos mais importantes pensadores gregos. O filósofo do século XX Alfred North Whitehead declarou certa vez que toda a filosofia não passava de uma nota de rodapé a ser anexada à obra de Platão.
Platão criou sua Academia em 387 a.C. num olival situado num subúrbio de Atenas, que havia pertencido ao herói Akademus. Na porta de entrada da Academia, o filósofo mandou colocar um aviso, de nítida inspiração pitagórica:

Não entre aqui quem não saiba geometria".

Aristóteles ingressou na Academia de Platão quando tinha 17 anos, e nela as mulheres só eram admitidas se aceitassem vestir-se como homens.
Platão usava a técnica de buscar o saber
pelo debate e pelo questionamento, no estilo dialético de Sócrates. Além de interesse na Filosofia, na qual então se incluía a Matemática, Platão tinha paixão pela Política. Predominavam na Academia o raciocínio e as idéias abstratas, e até os estudos políticos de Platão eram baseados na utopia, não na realidade social.
Não sem razão, a geometria de Platão limitava-se às figuras perfeitas, que podiam ser traçadas com régua e compasso, como o círculo, o quadrado, o triângulo e os poliedros regulares. Desse modo eram ignoradas as formas do mundo real, que era “mecânico” e “ilusório”.

Os corpos celestes só podiam ser esferas (sólidos perfeitos) a descrever círculos (curvas perfeitas), em movimentos de velocidade uniforme. Eis o que se lê no
Timeu, um tratado teórico, na forma de diálogo, que contém as concepções de Platão sobre a natureza do mundo físico.:

Deus deu ao mundo uma forma compatível com sua divindade. Ou seja, deu-lhe a forma de uma esfera, porque os seus pontos se encontram a igual distância do centro - a mais bela das formas, pois há mil vezes mais beleza no semelhante do que no diferente... Foi assim que imprimiu ao mundo um movimento circular e constituiu um céu circular, obrigado a arrastar-se num movimento circular, de velocidade uniforme.

As idéias cosmológicas de Platão configuram o chamado “dogma do círculo”, que prevaleceu por cerca de vinte séculos, servindo como ponto de partida fundamental para a edificação do sistema de Cláudio Ptolomeu, com sua teoria geocêntrica, e persistiu com Nicolau Copérnico, cujo sistema heliocêntrico preconizava que os planetas descreviam movimentos circulares em torno do Sol.
O "dogma do círculo" resistiu até o século XVII, quando
Johannes Kepler demonstrou de forma definitiva que os planetas não descrevem círculos, mas órbitas elípticas, das quais o Sol ocupa necessariamente um dos focos.
Platão lecionou até 347 a.C., o ano da sua morte. A Academia, a ele sobrevivendo, funcionou mais nove séculos, até 529, quando o imperador romano Justiniano ordenou seu fechamento, declarando-a uma casa do “saber pagão”. Era o início da Era das Trevas, que iria perdurar por cinco séculos.

sexta-feira, 4 de maio de 2007

RETALHOS DO QUOTIDIANO (parte 12/26)

Paixão e cultura

Foi do Museu que ela me ligou.
- Quero convidá-lo para ver uma peça.
- Peça, sobre o quê? Quando?
- Pequenos Burgueses, de Máximo Gorki, hoje à noite. Sobre os Bessemenovs, uma família russa em decadência. Nem pense em recusar, pois já adquiri os ingressos.

Gorki

May, ao volante, tomou o rumo do Teatro Villa-Lobos. Durante o percurso ela me explicou que Máximo Gorki teve uma vida miserável, trabalhando como lavador de pratos, pescador, vendedor de frutas, muitas vezes sobrevivendo até como vagabundo. Chegou a tentar o suicídio, no desespero de quem se sente perdido, no meio de uma gente corrupta e miserável. Ele se consagrou, porém, ao escrever os Pequenos Burgueses, pois a decadência dos Bessemenovs, com todas as suas contradições, era uma amostra do que acontecia na Rússia que antecedeu a Revolução Comunista.
Tudo foi, para mim, um alumbramento:
o teatro, o ambiente, o ritual. E a peça, não sei se tinha visto alguma assim densa e interessante. Um pai arbitrário, uma filha deprimida, um filho pretensioso e Nill, o trombeta de Deus! Era a classe média assoberbada pelo tédio, numa sociedade em plena e decidida decomposição.
Saí do teatro ainda mais convencido de que era necessário introduzir o viés da cultura em minha vida, jogando na lata do lixo aquele modelo idiota em que eu só pensava em integrais, vetores, transformadas de Laplace, eletricidade e mecânica. E a todo instante me lembrei de Charles Percy Snow, para o qual poucos cientistas lêem Charles Dickens ou uma peça de Shakespeare, e poucos artistas conhecem o Segundo Princípio da Termodinâmica; assim, concluía ele, fica muito difícil resolver os problemas do mundo.
Fica mesmo. Não que eu me considere um cientista na acepção integral da palavra, mas não posso continuar sendo um analfabeto cultural em plena cidade do Rio de Janeiro.

Camus

Uma semana depois May me ligou novamente, sempre assumindo as iniciativas.
- Já tenho os ingressos.
- Mas qual o filme?
- Isso também é importante. O Estrangeiro, baseado num romance de Albert Camus.
- Albert Camus?
Ora, pois. O senhor Meursault decide ir ao enterro da mãe, cuja idade desconhece. Sei lá, sessenta anos. Encontra-se depois com Marie Cardona e vê um filme de Fernandel; Mersault se relaciona com um vizinho, Salamano, que tem um cachorro nojento; e com outro, Raymond Sintès, que é cafetão e tem o hábito de espancar a mulher até o sangramento.
No domingo, Meursault, Marie Cardona e Raymond Sintès vão para a casa de praia de Masson, um amigo de Raymond. Dois árabes atacam Raymond na praia, pois querem vingar-se da surra que ele deu na prostituta. São repelidos por Raymond e Masson, que, a seguir, voltam para casa.
Meursault passeia pela praia sozinho e avista um dos árabes, que exibe a faca, mas sem nenhuma atitude agressiva. Era só Meursault voltar também para casa, e tudo estaria terminado. Mas havia o sol na cara. Mersault atira, e o árabe tomba, fulminado. Depois atira mais quatro vezes contra o corpo inerte do homem caído.
O advogado, o juiz e o promotor tentam entender o gesto de Mersault, que, de fato, nunca se arrepende de nada porque é dominado pelo que vai acontecer.
- Eu matei o árabe por causa do sol.
O capelão insiste em falar com o senhor Meursault, pois precisa conquistar sua alma de condenado à morte.
- Deus irá ajudá-lo, Meursault.
- Não quero que ninguém me ajude, e me falta tempo para me interessar pelo que não me interessa.
Indiferença perante a vida.
Uma obra de Camus, mostrando, numa reflexão sobre o absurdo, um homem que se estranha, estrangeiro de si próprio.
- Muito esquisito.
- Bota esquisito nisso, Carlinhos.


Minha única opção

Dar mais atenção aos cadernos internos do jornal, ler Proust, a Divina Comédia e o Dom Quixote, ir ao Municipal, ser capaz de reconhecer uma ária da Traviata ou uma sonata de Beethoven, saber francês e jogar bridge. Ilíada, Finnegans Wake, mitologia grega e escandinava, Noberto Bobbio, Ángel San Briz e Condillac. E, claro, vinhos, filosofia e economia política. Ficar atento às oportunidades culturais. E gritar, como um Bocage desvairado da Rita Ludolph:

- Gente ímpia, rasgai os meus versos e crede na eternidade, que já beócio não sou!

Ou não estarei à altura da May.
(continua)

quinta-feira, 3 de maio de 2007

Biblioteca de Alexandria (em duas partes)

Biblioteca de Alexandria(final)

A lista de moradores ilustres de Alexandria inclui Eratóstenes (276-194 a.C.), que criou um crivo para descobrir números primos, estabeleceu os alicerces da geografia científica e fez medições da circunferência terrestre com extraordinária precisão; Eratóstenes foi o bibliotecário-chefe de Alexandria durante mais de 40 anos, um cargo muito cobiçado pelos intelectuais do mundo antigo.
Vale também mencionar
Arquimedes (287 a.C. - 212 a.C.) , o siciliano de Siracusa que foi considerado o maior engenheiro da Antiguidade, famoso por ter corrido pelado pelas ruas de Siracusa, a gritar “eureka!” (“achei!”), depois de descobrir o princípio da física que leva o seu nome: todo corpo mergulhado num fluido fica inapelavelmente sujeito a um empuxo vertical, de baixo para cima, igual ao peso do fluido deslocado. Dele são também alguns estudos fundamentais da hidrostática, as invenções de dispositivos para levantar pesos, máquinas bélicas, o parafuso d´água, além de estudos sobre a alavanca e o estabelecimento de relações geométricas diversas.
Em Alexandria também viveram Diophante, o pai da álgebra; os poetas Teócrito, Zenódoto e Calímaco; o cientista Aristarco de Samos, que formulou a teoria heliocêntrica do nosso sistema planetário dezoito séculos antes de Copérnico; Apolônio de Perga, o geômetra que estudou as cônicas e criou os termos “elipse”, “parábola” e “hipérbole”; Aristófanes de Bizâncio, o gramático grego que revisou Homero, Píndaro, Hesíodo e outros grandes dramaturgos gregos; Hiparco de Nicéia, que inventou a trigonometria, calculou a duração do ano solar, descobriu a precessão dos equinócios e catalogou 850 estrelas, listando-as por magnitude, longitude e latitude; Cláudio Ptolomeu (que não tinha nenhum parentesco com os Ptolomeus que governavam o Egito), autor da teoria geocêntrica do nosso sistema planetário, que, equivocada embora, prevaleceu durante 14 séculos; Galeno, o maior médico da Antiguidade, após Hipócrates; Plutarco, autor de Vidas Paralelas, a obra que mais influenciou a moderna literatura, até mesmo Shakespeare, e serviu de inspiração para os grandes líderes da Revolução Francesa; Plotino, o expoente do neo-platonismo; Hipácia, mártir do início do século V, a matemática e filósofa que foi cruelmente arrastada pelas ruas de Alexandria e teve o corpo queimado por fanáticos religiosos.

A Biblioteca de Alexandria atravessou muitos séculos e por pouco não se tornou milenar. No meio dessa trajetória, em 49 a. C., foi atingida por um incêndio provocado pelas tropas de Júlio César, que atacaram Alexandria, então sob o reinado de Cleópatra.
Poucos anos depois, Cleópatra conseguiu de seu amante, Marco Antônio, a doação de 200 mil rolos de pergaminhos da biblioteca de Pérgamo, o que de certa forma compensava a perda de 40 mil volumes provocada pelo incêndio. Infelizmente, porém, Cleópatra decidiu transferir boa parte do livros para o Templo de Serápis, o que, quatro séculos depois, teria graves conseqüências: em 389 o imperador romano Teodósio ordenou ao bispo Teófilo que destruísse todos os monumentos pagãos de Alexandria, entre os quais o Templo de Serápis, dedicado a uma divindade protetora da saúde. Com a destruição do templo, perdeu-se grande parte dos livros.
A Biblioteca de Alexandria, apesar dos percalços, conseguiu funcionar até 642 quando o Egito foi conquistado pelos árabes do general Amr Ibn Al As, que atuava em nome do Califa Omar. Amr autorizou que os livros da biblioteca fossem usados como combustível das caldeiras que aqueciam os banhos da cidade. Consta que João, o Gramático, um ex-padre obcecado pela cultura, tentou persuadir Amr a não queimar os livros e foi por este encaminhado ao Califa Omar.
Omar, porém, não se sensibilizou com seus argumentos, manifestando-lhe o seguinte entendimento:

- Os livros contrários ao Corão devem ser destruídos, porque hereges; e, igualmente, os que lhe são favoráveis, porque desnecessários.

Terminava desse modo a trajetória da Biblioteca de Alexandria, uma das mais bem-sucedidas iniciativas a serviço da humanidade. Sem a sua biblioteca, Alexandria iniciou um longo e penoso processo de decadência, que alcançou seu grau mais extremo com a cessação de suas atividades comerciais, em decorrência da descoberta da rota marítima para as Índias, pela via do Cabo da Boa Esperança.

Alexandria só voltaria a recuperar a sua condição de grande cidade a partir do início do século XIX, quando as forças de Muhammad Ali expulsaram do Egito os franceses de Napoleão e recuperaram-na do domínio inglês. A partir daí a cidade refez-se muito bem no plano material, sem entretanto retornar ao esplendor cultural e científico da época da biblioteca, que teve a responsabilidade de preservar a cultura grega, no que ela teve de mais importante em termos de ciência, filosofia, literatura e arte.

quarta-feira, 2 de maio de 2007

Biblioteca de Alexandria (em duas partes)


A Biblioteca de Alexandria (primeira parte)

A Biblioteca de Alexandria
reuniu a maior coleção de escritos e o maior acervo cultural e científico de toda a Antiguidade. Sua história começa com a dominação helênica do Egito, a partir de 332 a. C., quando Alexandre, então com 21 anos, expulsou os persas que havia dez anos dominavam o país e coroou-se rei, na milenar cidade de Mênfis.
Ao visitar logo depois uma vila de pescadores chamada Racótis, na costa do Mediterrâneo, Alexandre examinou seus mananciais de água doce e sua proximidade com o rio Nilo e decidiu construir ali um porto de mar profundo, para servir às atividades tanto de sua armada quanto de sua frota mercante, que fosse parte de uma cidade que deveria se constituir numa nova e resplandescente capital do Egito.
Era a sua Alexandria.
Lançada a pedra fundamental da cidade em 7 de abril de 331 a. C., Alexandre confiou o seu projeto ao grande arquiteto grego Deinócrates e retomou suas aventuras pelo mundo, falecendo, repentinamente, em 323 a. C. Seus amigos macedônios e gregos dividiram entre si o mundo que ele conquistara. Seu corpo foi resgatado e sepultado em Alexandria, numa luxuosa tumba que recebeu o nome de Soma, por seu sucessor Ptolomeu I Sóter, um macedônio que se coroou rei em 306 a. C., inaugurando a dinastia dos Ptolomeus. Que se estenderia até 30 a. C., quando Cleópatra, a última dos Ptolomeus, foi derrotada por Otávio, na batalha de Actio, e o Egito passou ao domínio romano.
Ptolomeu I decidiu atrair para Alexandria os intelectuais do mundo grego e aceitou de um destes, Demétrio Falereu, a sugestão de erigir na cidade um centro de cultura semelhante aos que existiam em Atenas, Pérgamo e Cirene e criou um museu e uma biblioteca, que tiveram decisiva importância na preservação do pensamento grego e romano
.
Ptolomeu I foi logo adquirindo 500 mil pergaminhos para a nova biblioteca, que se situava no bairro real, próxima do museu, ao lado do qual surgiu a primeira universidade do mundo. Emissários foram enviados aos centros acadêmicos do Mediterrâneo e do Oriente Médio para comprar, copiar, pedir emprestado ou, se necessário, furtar as obras dos cientistas e literatos. Bibliotecas inteiras foram adquiridas, incluindo boa parte dos livros que pertenceram a Aristóteles; estrangeiros eram revistados e tinham seus livros confiscados, recebendo-os de volta depois de copiados para a biblioteca, de cujo acervo constaram os manuscritos originais de Ésquilo, Eurípedes e Sófocles. Nela ficaram guardados os rolos de papiro da literatura grega, egpícia, assíria e babilônica.
Os dois primeiros sucessores de Ptolomeu Sóter, a saber, Ptolomeu II Filadelfo e Ptolomeu III Evergeta, ampliaram os investimentos na biblioteca, que chegou a possuir cerca de 700 mil volumes, segundo Aulo Gélio, um gramático latino do século II .
Os sábios emigravam de toda parte para Alexandria, atraídos pela reputação da universidade, mas principalmente para consultar os milhares de livros que a biblioteca colocava à sua disposição. Entre eles, Euclides, natural de Racótis, que, tendo estudado em Atenas com um discípulo de Platão, fundou em Alexandria uma escola de matemática. Por volta de 300 a. C., Euclides escreveu "Os Elementos", o livro-texto mais bem-sucedido da história da humanidade e maior best seller mundial depois da Bíblia, desenvolvendo, pelo método dedutivo e uma criteriosa seleção de postulados, a sua impecável geometria euclidiana. Esse método vitorioso, o de desenvolver teorias a partir de postulados, vem sendo adotado desde então por físicos, como Newton, matemáticos, como Bertrand Russell e Alfred North Whitehead, ou filósofos, como Espinosa.
Outro cientista importante que se transferiu para Alexandria foi Hierófilo de Calcedônia, que revolucionou a medicina com sua técnica de exames post mortem, o primeiro médico que dissecou o olho, seguiu os seios nasais até o torcular herophilie, assim chamado em sua homenagem, e provou que o cérebro era o centro do sistema nervoso, e não o coração, como supusera Aristóteles. Não sem razão, com Hierófilo, Alexandria transformou-se durante séculos num centro mundial de excelência médica.
(continua)