quinta-feira, 21 de junho de 2007

RETALHOS DO QUOTIDIANO (parte 19/26)

Os palhaços

Na aula inaugural
, de Sitter mencionou que iríamos estudar espaço, tempo, matéria, ondas, mecânica, calor, eletromagnetismo, relatividade e mecânica quântica. E, claro, cosmologia, desde a Teogonia de Hesíodo até as concepções dos físicos modernos que enxergam anomalias no primeiro momento do Universo. Tudo que nos competia era trabalhar exaustivamente e com muita dedicação, pois, paralelamente, cada aluno teria de elaborar uma tese sobre algum tema de interesse do departamento.

- Quero conversar com você segunda-feira pela manhã, disse-me de Sitter, quando a aula terminou.

- Algo muito importante?, perguntei, assustado.


- Um assunto do seu interesse.

I pagliacci

Foi a primeira ópera a que assisti.
Canio, o palhaço, canta seu desespero, no camarim, quando se prepara para o espetáculo. Ele, o líder do grupo mambembe que vagueia pelo Sul da Itália, acaba de descobrir o impensável: sua esposa Nedda, que representa no palco a mulher que trai o palhaço, é na vida real amante de Sílvio, um jovem da aldeia onde teriam de representar naquela noite. Canio, exatamente ele, um homem traído!

- Veste a fantasia! Ria, palhaço, de seu amor arruinado! Ria da dor que está envenenando seu coração!

No papel que lhe cabe representar todas as noites, Canio tem de simular que mata a mulher infiel, a Colombina, que é a personagem vivida por Nedda.
Dessa vez, porém, houve uma terrível diferença. No desvario do ciúme, Canio aproveita a cena, agarra a mulher e a apunhala de verdade, não simuladamente. Sílvio, que corre da platéia em defesa de Nedda, é também apunhalado por Canio, que ainda se vira para a platéia e arremata:
"La commedia è finita."

- Uma ficção ao quadrado, Laura.

A Física une todo mundo

Laura teria de renovar o aluguel do seu apartamento por apenas dois meses, o que não foi aceito pelo senhorio.
Por isso atendeu à sugestão que em boa hora lhe fiz e veio para o meu apartamento com todos os seus discos e duas centenas de livros.
Discutindo com ela sobre a teoria da relatividade, um assunto que suscitei com freqüencia, eu me lembrava de Einstein e Mileva Maric, ambos estudantes de Física na Escola Politécnica de Zurique. Ele, um alemão de Ulm, e ela, uma sérvia de Bacska, irmanados no amor pela Física.
Bem... Diferentemente de Einstein, não tenho nenhuma propensão para ser gênio; e, diferentemente de Mileva, retratada pelos biógrafos como sendo uma mulher sem atrativos, desajeitada e com um defeito nos quadris, Laura é uma encantadora figura de mulher, para além de ser alegre, culta e generosa.
Enfim, a Física une todo mundo.
E, mais uma vez, regozijo-me de estar dentro.
(continua)

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