quinta-feira, 28 de junho de 2007
RETALHOS DO QUOTIDIANO (parte 20/26)
Não tinha a menor noção do que pretendia o de Sitter, quando o procurei na manhã de segunda-feira.
- Acho que tenho uma novidade boa para você. O Departamento de Economia quer você como professor das cadeiras de Risco e Decisão e de Negociações Contratuais, durante este semestre.
Quase desmaiei, de pura perplexidade, sem saber como reagir nem o que responder.
- Como? Risco e Decisão?
- E Negociações Contratuais, mas não se assuste. O professor Kurtis pediu demissão, e o Departamento de Economia encontra-se numa emergência.
- Kurtis? Eram cadeiras do Kurtis? Nem imagino por que fui lembrado...
- Não há outros nomes além do seu, pois esse assunto é muito recente no país. O próprio Kurtis assistiu à sua palestra em Buenos Aires e indicou-o para substituto, além do fato de que sua aula de candidato foi considerada excepcional pelos professores da banca de Termodinâmica.
- Bem... É que...
- Você será muito bem remunerado.
- Não estava pensando nessa questão, mas na responsabilidade que estarei assumindo. Embora razoável conhecedor do assunto, isto é, da parte operacional, falta-me experiência para assumir uma função desta envergadura.
- Você tem talento para a missão. Quanto à experiência, não se preocupe, pois ela virá com a prática.
- Nesse caso...
- Suas aulas terão início já na próxima semana. Previno-o, porém, de que não será fácil acumular o doutorado de Física com essa carga adicional de trabalho.
Abandonar a Física
No Departamento de Economia, o professor-chefe Estênio Florão tornou a proposta que me faziam ainda mais abrangente. Se eu fosse bem avaliado naquele primeiro semestre e concordasse em abandonar o curso de Física, seria efetivado como professor das duas cadeiras, bem como da cadeira de Matemática Financeira, que somente se iniciaria no segundo semestre.
- Matemática Financeira?
- Sim, sabemos da sua competência nesse assunto, pelos textos que você produziu, na WED, sobre os métodos de Bailey e de Lenzi, computação contínua de juros, declínios hiperbólicos e raízes perdidas de Descartes.
- Sim, darei as duas cadeiras este semestre, mas não me comprometo com o restante. Preciso pensar com calma nessa coisa de abandonar a Física.
Voltei a casa ainda perplexo, consultando-me dos pés à cabeça para ter certeza de que não estava sonhando. Dar aulas remuneradas na Economia e desenvolver minhas idéias sobre otimização da rentabilidade mediante incorporação de financiamentos, avaliação dos projetos de investimento com base no perfil de lucro e orientação das decisões tomadas em regime de incerteza. Ah, a estratégia da competência negocial...
Coletaram informações sobre mim até na WED !
Kurtis, esse desconhecido
O Kurtis, essa estranha entidade que eu desconhecia completamente, ficou com a minha namorada e me legou as suas disciplinas.
Isso é que era dança de cadeiras!
(continua)
quarta-feira, 27 de junho de 2007
PETRÓLEO
O petróleo começou a ser produzido para fins industriais na segunda metade do século XIX, depois de perfurado o primeiro poço, na localidade de Titusville, na Pennsylvania, Estados Unidos, pela Pennsylvania Rock Oil Company. Esse poço localizou petróleo abundante à profundidade de 21 metros, no dia 27 de agosto de 1859.
Inicialmente utilizado como iluminante de qualidade, o petróleo cresceu de importância a partir do início do século XX, como a principal fonte de energia e como matéria prima da indústria petroquímica e de fertilizantes.
O petróleo, nada obstante, era conhecido desde a mais remota antigüidade, junto das localidades em que emanava espontaneamente, tendo sido utilizado pelos hebreus para acender fogueiras, por Nabucodonosor para pavimentar as estradas da Babilônia, pelos egípcios na construção de pirâmides e conservação de múmias e por povos diversos como combustível para iluminação noturna.
E, mais, o petróleo desde sempre foi extensivamente utilizado com finalidades medicinais, pois era considerado eficaz no tratamento da surdez e na cura de tosse, bronquite, congestão pulmonar, gota, reumatismo e mau-olhado.
Petróleo na Arca de Noé
Os destroços de uma arca da mais remota antigüidade, encontrada no Monte Ararat, na parte da Armênia hoje pertencente à Turquia, estavam revestidos de petróleo.
Há os que acreditam tratar-se da Arca de Noé.
O petróleo na Ilíada
Homero menciona que os troianos, na guerra com os gregos, eram difíceis de derrotar porque lançavam um fogo invencível contra os inimigos, e muitos historiadores entendem que esse fogo era proveniente da queima de petróleo.
Petróleo no Oráculo de Delfos
As cerimônias de adivinhação no Oráculo de Delfos, na Grécia Antiga, contavam, segundo se dizia, com a participação do deus Apolo, que se fazia em meio a emanações gasosas, num ritual que se caracterizava pelo transe das pitonisas. Recentemente os cientistas descobriram que o Oráculo de Delfos fica acima de uma falha geológica, de onde periodicamente emanam gases naturais do petróleo, entre os quais o etileno, que tem propriedades alucinógenas.
A falha explica o deus Apolo, a enviar os gases, e o etileno, por sua vez, a alucinação das sacerdotisas.
Petróleo e Marco Polo
No século XIII o veneziano Marco Polo (1254 - 1324), após percorrer toda a Ásia, relatou suas aventuras num livro de viagens que se tornou famoso. Nele Marco Polo fala do “óleo de pedra”, que viu em Baku, na Rússia, descrevendo-o como um líquido negro, que “não servia para cozinhar, por causa do cheiro, mas se prestava para queimar e era útil para cuidar de sarna de camelo”.
terça-feira, 26 de junho de 2007
ADIÓS
Ibamos a morir toda la muerte juntos.
Adiós.
No sé si sabes lo que quiere decir adiós.
Adiós quiere decir ya no mirarse nunca,
vivir entre otras gentes,
reírse de otras cosas,
morirse de otras penas.
Adiós es separarse, entendes?, separarse,
olvidando, como traje inútil, la juventud.
Ibamos a hacer tantas cosas juntos!
Ahora tenemos otras citas.
Estrellas diferentes nos alumbran en noches diferentes.
La lluvia que te moja me deja seco a mí.
Está bien: adiós.
Contra el viento el poeta nada puede.
A la hora en que parten los adioses,
el poeta sólo puede pedirle a las golondrinas
que vuelen sin cesar sobre tu sueño.
MANUEL SCORZA (1928 - 1983)
sexta-feira, 22 de junho de 2007
COMO CESSOU O TRÁFICO DE ESCRAVOS PARA O BRASIL
Desde o início do século XIX os ingleses defendiam a extinção do tráfico internacional de escravos, sobretudo por causa da concorrência que o açúcar brasileiro fazia ao açúcar das Antilhas inglesas, pois era usado para aquisição de negros africanos.
Em 1845, o Parlamento Britânico aprovou uma lei, o Bill Aberdeen, que dava à armada inglesa o poder de capturar navios negreiros em alto mar, qualquer que fosse sua nacionalidade, confiscar sua carga, prender a tripulação e submeter os tripulantes a julgamentos pelas leis britânicas. Navios brasileiros suspeitos de tráfico negreiro passaram a ser interceptados em águas internacionais e levados a julgamento nos tribunais ingleses.
Essa política tornou-se mais agressiva em 1850, quando Lord Palmerston, ministro das relações exteriores do governo do primeiro-ministro John Russell, determinou que a Lei Aberdeen fosse estendida à costa brasileira, não mais se limitando às interceptações internacionais. A Inglaterra se auto-concedia o direito de invadir águas territoriais brasileiras, inspecionar e rebocar navios suspeitos, mesmos aqueles já ancorados nos portos brasileiros.
A armada britânica entrou em ação imediatamente, atuando nas costas da Bahia, Rio de Janeiro, São Paulo e, especialmente, no Porto de Paranaguá, onde o navio britânico HMS Cormorant aprisionou os navios brasileiros Dona Ana, Serea, Astro e a galera Campeadora.
Consta que o Cormorant foi hostilizado por um grupo de civis que acorreram à Fortaleza de Nossa Senhora dos Prazeres, na Ilha do Mel, em Paranaguá, sem estarem informados de que o forte se encontrava abandonado. Mesmo assim, usando armas e petardos improvisados, conseguiram atingir e danificar o Cormorant, cuja tripulação, surpreendida, afundou dois dos navios que haviam sido aprisionados e fez o Cormorant retirar-se de águas brasileiras, com destino a Serra Leoa, na África.
A lei Eusébio de Queiroz, ainda no ano de 1850, foi uma conseqüência direta e quase imediata da radicalização dos ingleses, estabelecendo, pelo texto aprovado, o fim do tráfico de negros da África para o Brasil, sendo certo que alguns traficantes insistiram por algum tempo em atuar clandestinamente, até que houve a cessação total dessas atividades.
João Hermes Pereira de Araújo, em sua História da Diplomacia Brasileira, afirma que o Brasil importou:
em 1845: 19.453 escravos;
em 1846: 50.324;
em 1847: 56.172;
em 1848: 60.000;
em 1849: 54.000;
em 1850 (ano da Lei Eusébio de Queiroz): 23.000;
em 1851: 3.287; e
em 1852: 700.
A partir daí o cativeiro no Brasil ficaria limitado aos negros anteriormente escravizados, cuja libertação lamentavelmente ainda tardaria quase 40 anos.
quinta-feira, 21 de junho de 2007
RETALHOS DO QUOTIDIANO (parte 19/26)
Na aula inaugural, de Sitter mencionou que iríamos estudar espaço, tempo, matéria, ondas, mecânica, calor, eletromagnetismo, relatividade e mecânica quântica. E, claro, cosmologia, desde a Teogonia de Hesíodo até as concepções dos físicos modernos que enxergam anomalias no primeiro momento do Universo. Tudo que nos competia era trabalhar exaustivamente e com muita dedicação, pois, paralelamente, cada aluno teria de elaborar uma tese sobre algum tema de interesse do departamento.
- Quero conversar com você segunda-feira pela manhã, disse-me de Sitter, quando a aula terminou.
- Algo muito importante?, perguntei, assustado.
- Um assunto do seu interesse.
I pagliacci
Foi a primeira ópera a que assisti.
Canio, o palhaço, canta seu desespero, no camarim, quando se prepara para o espetáculo. Ele, o líder do grupo mambembe que vagueia pelo Sul da Itália, acaba de descobrir o impensável: sua esposa Nedda, que representa no palco a mulher que trai o palhaço, é na vida real amante de Sílvio, um jovem da aldeia onde teriam de representar naquela noite. Canio, exatamente ele, um homem traído!
- Veste a fantasia! Ria, palhaço, de seu amor arruinado! Ria da dor que está envenenando seu coração!
No papel que lhe cabe representar todas as noites, Canio tem de simular que mata a mulher infiel, a Colombina, que é a personagem vivida por Nedda.
Dessa vez, porém, houve uma terrível diferença. No desvario do ciúme, Canio aproveita a cena, agarra a mulher e a apunhala de verdade, não simuladamente. Sílvio, que corre da platéia em defesa de Nedda, é também apunhalado por Canio, que ainda se vira para a platéia e arremata: "La commedia è finita."
- Uma ficção ao quadrado, Laura.
A Física une todo mundo
Laura teria de renovar o aluguel do seu apartamento por apenas dois meses, o que não foi aceito pelo senhorio. Por isso atendeu à sugestão que em boa hora lhe fiz e veio para o meu apartamento com todos os seus discos e duas centenas de livros.
Discutindo com ela sobre a teoria da relatividade, um assunto que suscitei com freqüencia, eu me lembrava de Einstein e Mileva Maric, ambos estudantes de Física na Escola Politécnica de Zurique. Ele, um alemão de Ulm, e ela, uma sérvia de Bacska, irmanados no amor pela Física.
Bem... Diferentemente de Einstein, não tenho nenhuma propensão para ser gênio; e, diferentemente de Mileva, retratada pelos biógrafos como sendo uma mulher sem atrativos, desajeitada e com um defeito nos quadris, Laura é uma encantadora figura de mulher, para além de ser alegre, culta e generosa.
Enfim, a Física une todo mundo. E, mais uma vez, regozijo-me de estar dentro.
(continua)
quarta-feira, 20 de junho de 2007
DO PRETENSIOSO CORIOLANO ZIMBER
(1) MAIS BEM E MAIS MAL
Exemplos:
É impossível apresentar-se mais mal vestido.
Os jogadores deveriam estar mais bem preparados.
(2) PROPOSITADO E PROPOSITADAMENTE
Embora toleradas, as palavras “proposital” e “propositalmente” não são consideradas de bom uso vernacular, e Rui Barbosa as classificou como neologismos injustificáveis.
Use a palavra “propositado”, em vez de “proposital”, e “propositadamente”, em vez de “propositalmente”. Exemplos:
Foi um gesto propositado.
Atingiu o adversário propositadamente.
(3) POSTO QUE
Expressão extensiva e erroneamente usada com o sentido de “uma vez que”, “porquanto” e “já que”. Trata-se, com efeito, de grande equívoco, porque “posto que” é uma conjunção subordinativa concessiva, com significado de “embora”, “ainda que” e “se bem que”. Veja abaixo:
Errado: O dinheiro não foi suficiente, posto que os gastos foram excessivos.
Certo: Decidi continuar na corrida, posto que cansado.
segunda-feira, 18 de junho de 2007
MARIGHELLA, PROVAS CIENTÍFICAS EM VERSOS
Para além do seu Manual do Guerrilheiro Urbano e de textos políticos diversos, Carlos Marighella deixou também uma obra poética, reunida no livro Rondó da Liberdade, onde há poemas de grande beleza:
Liberdade
Não ficarei tão só no campo da arte,
e, ânimo firme, sobranceiro e forte,
tudo farei por ti para exaltar-te,
serenamente, alheio à própria sorte.
Para que eu possa um dia contemplar-te
dominadora, em férvido transporte,
direi que és bela e pura em toda parte,
por maior risco em que essa audácia importe.
Queira-te eu tanto, e de tal modo em suma,
que não exista força humana alguma
que esta paixão embriagadora dome.
E que eu por ti, se torturado for,
possa feliz, indiferente à dor,
morrer sorrindo a murmurar teu nome.
(São Paulo, Presídio Especial, 1939)
Provas científicas em versos
(a) No ginásio
Em 1929 Marighella, então com 17 anos, desenvolveu em versos uma questão de Física proposta em uma prova do Ginásio da Bahia.
Consta que se tratou de ponto sorteado - “Catóptica, leis de reflexão e sua demonstração, espelhos, construções de imagens e equações catópticas” - o que confere caráter de improviso à referida poesia, da qual são os versos a seguir:
(...)
Doutor, a sério fala, me permita
Em versos rabiscar a prova escrita.
Espelho é a superfície que produz,
Quando polida, a reflexão da luz.
Há nos espelhos a considerar
Dois casos, quando a imagem se formar.
Caso primeiro: um ponto é que se tem;
Ao segundo um objeto é que convém.
O espelho seja a linha Beta-Cê.
O ponto F um ponto dado seja.
Como raio incidente, R se veja.
O raio refletido vem depois
E o raio luminoso ao ponto 2.
Foi traçada em seguida uma normal,
O ângulo 1 de incidência a R igual.
No prolongamento, luminoso raio
Que o refletido encontra de soslaio.
Dois triângulos então o espelho faz,
Retângulos os dois, ambos iguais.
Iguais porque um cateto têm comum,,
Dois ângulos iguais formando um.
(...)
(b) Na faculdade
É também de Carlos Marighella uma prova em versos, de 1931, na Escola Politécnica da Bahia, desenvolvendo a seguinte questão de Química: “Propriedades do hidrogênio e sua preparação no laboratório e na indústria”. Dessa prova são os versos a seguir:
(...)
De leveza no peso são capazes
Diversos elementos, vários gases,
O hidrogênio, porém, é um gás que deve
ter destaque por ser o gás mais leve.
Combina-se com vários metalóides,
Com todos, aliás, e os sais alóides
Provêem de ácidos por aquele gás
Formados, reunindo-se aos demais.
(...)
Carlos Marighella (1911 — 1969)
sexta-feira, 15 de junho de 2007
ORA, DIREIS, OUVIR ESTRELAS...
Augusto Comte (1798-1857) manifestou em seu Curso de Filosofia Positiva a opinião de que nunca seríamos capazes de estudar a estrutura química e mineralógica das estrelas. Poderíamos conhecer, se tanto, seus movimentos, distâncias e características geométricas, como volume, forma e tamanho.
Em 1859, dois anos após a morte de Comte, os alemães Robert Bunsen e Gustav Kirchoff inventaram um instrumento que recebeu o nome de espectroscópio, capaz de decompor a luz proveniente das estrelas nas suas cores e projetá-las numa figura característica. A cada cor corresponde um comprimento de onda, sendo a luz da estrela uma mistura de muitas cores, isto é, de suas ondas de luz individuais.
O espectroscópio faz com a luz de qualquer estrela uma decomposição parecida com a decomposição da luz do Sol pelas gotas de chuva, no tão familiar fenômeno do arco-íris.
Cada estrela tem sua luz, e portanto o seu particular espectro de luz, que depende apenas da sua composição química. Como se fosse uma impressão digital ou um código de barras, que se chama de “linhas de Fraunhofer”; basta ter as linhas de Fraunhofer da estrela para conhecer inteiramente a sua constituição química e minerológica.
Isto é, podem ser obtidas de forma prática e até corriqueira as informações que Comte considerou fora do nosso alcance para sempre!
As estrelas estão a distâncias espetaculares, mas sua luz é a mensagem que nos enviam sobre sua composição química detalhada. Ficamos sabemos desse modo que elas são feitas dos mesmos materiais existentes na Terra. As linhas de Fraunhofer de uma estrela também nos informam sobre sua temperatura, pressão e tamanho.
Devemos notar, porém, que a espectrografia não se presta para conhecer a composição química, nem qualquer outro dado, da Lua ou dos planetas, que são astros iluminados e sem luz própria.
Como trazer ouro das estrelas
Sobre Kirchoff, conta-se que ele se tornou muito popular e conhecido, pois era o cientista que procurava metais nas estrelas. Certa vez um vizinho debochado perguntou-lhe sobre a utilidade das suas pesquisas:
- De que vale procurar ouro no Sol, se você não vai conseguir trazê-lo para a Terra?
Gustav Robert Kirchoff (1824 - 1887) destacou-se em vários segmentos da Física, sobretudo no campo da eletricidade e dos estudos energéticos relacionados com as radiações do corpo negro.
Muitas vezes laureado pelas academias científicas, recebeu certa vez uma medalha de ouro como prêmio por uma das suas pesquisas.
Consta que Kirchoff procurou o vizinho petulante para mostrar-lhe a recompensa:
- Eis aqui o ouro das estrelas!
quinta-feira, 14 de junho de 2007
RETALHOS DO QUOTIDIANO (parte 18/26)
Como eu havia pressentido no jantar do Humphrey´s, os testes de Português e Inglês foram meras formalidades: "fazer, em Português, uma redação sobre a validade precária das teorias físicas, correlacionando o tema com a história do átomo, desde Leucipo de Abdera. A seguir, traduzir o texto produzido para o Inglês."
O assunto era corriqueiro, pelo menos para quem lida com Física. Meus conhecimentos de Inglês, além disso, tinham evoluído muito desde aquele longínquo dia em que ouvira o Burford dizer, lá no Texas, sobre a raposa marrom e o cachorro preguiçoso. Dummy variables, ora, pois! Foi apenas necessário um pouco de malabarismo para contornar certas palavras e expressões, como “livre-arbítrio” e “ extirpar”, cujas versões não me ocorreram durante o teste.
Days of wine and roses
Aguardei o resultado final dos exames sem nenhum sobressalto, e, decorridos uns poucos dias, um telegrama da universidade me convocou para matricular-me no seu Departamento de Física. Eu tinha sido aprovado.
Minhas conquistas são sempre feitas com muito sacrifício, o que talvez explique a alegria que me proporcionam. Quase chorei de alegria.
- Days of wine and roses! Viva eu cá na minha glória, pois estou dentro!
Lembrei-me então do padrão que tenho perseguido durante toda a vida. Quando estudante, eu quis ser um bom estudante; quando namorado, um bom namorado; e assim por diante, bom amigo, bom marido, bom vizinho, bom cidadão, bom eleitor, bom engenheiro. Não seria diferente como físico, ou melhor, como professor de Física.
- Sempre tive para mim que a comunhão do professor com os alunos só se completa quando sua aula desmoraliza todas as dúvidas. Não serei um despejador de fórmulas, pois, ao ensinar, é preciso saber a história, a geografia e, se for o caso, até a mitologia de cada assunto, sobrepujando-o, prevalecendo sobre ele.
Os palhaços
Jamais pensei que Laura seria a pessoa a me receber no Departamento de Física. Ela vivia suas últimas semanas como estudante, pois já obtivera todos os créditos das matérias teóricas e apenas aguardava o momento de defender a sua tese. Eu a vira uma única vez um ano atrás, assim mesmo de longe, numa festa de intelectuais, a que eu comparecera por acaso e quase na condição de intruso.
Percorremos os laboratórios, a biblioteca, a sala dos computadores, a sala de cinema e o restaurante. Sempre deveria haver alguém gentil assim no nosso dia inaugural.
- Sua tese é sobre o quê?, foi tudo que me ocorreu perguntar-lhe.
- Relatividade especial.
- Você escolheu um assunto fascinante, Laura.
- Sem dúvida.
- Gosto muito daquela experiência mental do Einstein, com um espelho na mão...
- Se ele visse sua imagem no espelho, teríamos de reformular as leis da mecânica clássica. Se não visse, seria necessário abandonar o princípio da relatividade, de Galileu. Uma escolha crucial...
- Venceu Galileu, pelo menos dessa vez.
- Venceu, sim. Nenhuma velocidade se soma ou se subtrai à velocidade da luz no vácuo, que é absoluta, independentemente de qualquer outra consideração. A imagem estará lá, no espelho do Einstein, mostrando-lhe a cabeleira desgrenhada...
- Em compensação, espaço e tempo deixaram de ser absolutos e independentes.
Bem, no quesito da Física, tínhamos um diálogo mais ou menos equilibrado. Aos poucos eu iria perceber que, além de quase doutora em Física, Laura era uma intelectual, realmente. Ela não se enquadrava no figurino geral de Charles Percy Snow, segundo o qual um artista não conhece os princípios da Termodinâmica e um cientista pouco sabe sobre Shakespeare. Pois Laura sabia tudo de literatura e de música e conhecia Termodinâmica muito bem, tanto quanto os outros assuntos da Física.
Seja como for, nós nos tornamos muito próximos. Tanto que uma semana depois ela me convidou para ver uma ópera, I Pagliacci, no Teatro Municipal. Dou muita sorte com mulheres inteligentes, que conhecem os caminhos e gostam de apontá-los aos principiantes e recém-chegados.
- Como? I Pagliacci?
- Os Palhaços, de Ruggero Leoncavallo. Convém você aproveitar esse início de curso mais folgado para ver todos os espetáculos a seu alcance, pois a coisa por aqui deve apertar muito.
(continua)
quarta-feira, 13 de junho de 2007
CRISTO REDENTOR, QUEM ILUMINOU?
O Cristo Redentor foi inaugurado no dia 12 de outubro de 1931, exatamente às 19 horas e 15 minutos, quando suas luzes foram acesas, para grande alegria da população do Rio de Janeiro, numa cerimônia presidida por Dom Sebastião Leme e pelo Presidente Getúlio Vargas.
Por iniciativa do jornalista Assis Chateaubriand, o cientista italiano Guglielmo Marconi, inventor do rádio, fora convidado a proceder à iluminação do monumento no seu dia inaugural, por intermédio de um sinal elétrico a ser enviado de algum ponto da Itália.
Na biografia de Marconi, de autoria de Filippo Garozzo, a proeza de Marconi foi assim relatada:
"Então todos ficaram olhando para o morro, esperando o milagre a ser produzido por um homem. E o milagre, pontualmente, aconteceu. O Papa e Marconi, em Roma, apertaram uma chave de transmissor; e um impulso rápido partiu da Cidade Eterna, deslizou sobre o Atlântico mais velozmente que o relâmpago, e atingiu o Cristo Redentor, construído sobre o Morro do Corcovado, na Baía de São Sebastião do Rio de Janeiro, a Cidade Maravilhosa. E o Cristo, de repente, ficou tão resplandecente e brilhante de luz que mais se assemelhava a uma festa! Parecia até outro Cristo, risonho e mais bonito, agora que estava iluminado e inaugurado pela mão do Santo Padre e pelo gênio de Marconi."
Alguns dos que atribuem a façanha a Marconi costumam mencionar que o grande cientista acionou o transmissor não de Roma, nem na presença do Papa, mas a bordo do seu iate Electra, que estaria fundeado na Baía de Nápoles, na Itália.
Não foi Marconi, garantem outros...
Há, todavia, uma segunda versão. Realmente estava previsto que Marconi comandaria a inauguração das luzes do Cristo Redentor. Emitido do Electra, ancorado na Baía de Nápoles, o sinal elétrico seria captado em Dorchester, na Inglaterra, e retransmitido para uma antena instalada em Jacarepaguá, de onde se acenderiam as luzes do Corcovado. O mau tempo, porém, teria impedido essa operação, e o monumento teve de ser iluminado diretamente do Rio de Janeiro.
Maravilha
O Cristo Redentor tem 30 metros de altura e situa-se 710 metros acima do nível do mar. O monumento foi sugerido à Princesa Isabel em 1859 pelo padre Pedro Maria Boss, mas a idéia só se materializou a partir de 1921, quando dos preparativos para as comemorações do centenário da Independência. O projeto teve a autoria do arquiteto francês Paul Landowski e a construção, que demorou cerca de cinco anos, ficou a cargo do engenheiro brasileiro Heitor da Silva Costa.
terça-feira, 12 de junho de 2007
PAULICÉIA DESVAIRADA
Mário de Andrade, intransigente pacifista, internacionalista amador, comunica aos camaradas que, bem contra a vontade e apesar da simpatia dele por todos os homens da Terra, dos seus ideais de confraternização universal, é atualmente soldado da República, defensor interino do Brasil.
Rondó pra você (1924)
De você, Rosa, eu não queria
Receber somente este abraço
Tão devagar que você me dá,
Nem gozar somente este beijo
Tão molhado que você me dá...
Eu não queria só porque
Por tudo quanto você me fala
Já reparei que no seu peito
Soluça o coração bem-feito
De você.
Pois então eu imaginei
Que junto com este corpo magro
Moreninho que você me dá,
Com a boniteza, a faceirice,
A risada que você me dá
E me enrabicham como o quê,
Bem que eu podia possuir também
O que mora atrás do seu rosto, Rosa,
O pensamento, a alma, o desgosto
De você.
Mário de Andrade (1893 - 1945)
segunda-feira, 11 de junho de 2007
UM MISTÉRIO DE NOME LIESERL
Einstein era alemão, da cidade de Ulm, e se casou com a física Mileva Maric, uma sérvia de Bacska que ele conhecera na Escola Politécnica de Zurich.
Ele a chamava carinhosamente de Marity.
Houve nesse casamento um mistério nunca esclarecido: a filha Lieserl, da qual só se sabe o nome, desapareceu de cena alguns dias depois de ter nascido, na Sérvia, em 1902.
Esse fato só se tornou conhecido 85 anos depois, em 1987, quando as cartas de Einstein foram tornadas públicas por decisão judicial.
Nunca houve uma palavra de Einstein ou de Mileva sobre o destino de Lieserl. Uns poucos acreditam que ela teria morrido, ainda bebê, mas a maioria suspeita de que a menina tenha sido dada em adoção, em face de problemas financeiros enfrentados pelo casal.
Pois naquele ano de 1902 Einstein, ainda desempregado e aguardando uma colocação no Escritório de Patentes de Berna, colocou o seguinte anúncio em um jornal suíço:
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MATEMÁTICA E FÍSICA
para universitários e secundaristas
dadas especialmente por
ALBERT EINSTEIN, professor
diplomado pela politécnica federal
GERECHTIGKEITSGASSE, 32, primeiro andar
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Para complicar a história, Einstein e Mileva continuaram juntos por muitos anos e tiveram mais dois filhos, Hans Albert, em 1904, e Eduard, em 1910.
Ovos laterais
Sabe-se que na década de 1930, divorciado de Mileva desde 1918 e morando com sua segunda mulher, Elsa Löwentall, em Princeton, nos Estados Unidos, um amigo residente na mesma cidade, Hermann Weyl, recebeu de um professor do Christ Church College, de Oxford, Inglaterra, um telegrama sobre uma mulher que tentava provar ser filha de Einstein:
Senhorita Herrschdoeffer acha que é filha Einstein. Busca apoio nos altos círculos porque não pode contar com a madrasta, Elsa Löwentall. Não duvide e comunique Einstein pessoalmente. Telegrafe em seguida. Frederick Lindemann.
Ninguém naquela ocasião associou o episódio a Lieserl, cuja existência era então desconhecida de todos. Sabe-se que a secretária de Einstein, Helen Dukas, contratou para investigar o caso um detetive particular, cujas averiguações teriam indicado que se tratava de um delírio ou de uma impostura de Grete Markstein, uma atriz alemã.
Einstein escreveu a respeito para um amigo, com uma ressentida pilhéria:
Dizer que pus ovos para os lados seria engraçado, se não magoasse outras pessoas.
sábado, 9 de junho de 2007
EM QUE ESPELHO?
Retrato
Eu não tinha este rosto de hoje,
assim calmo, assim triste, assim magro,
nem estes olhos tão vazios,
nem o lábio amargo.
Eu não tinha estas mãos sem força,
tão paradas e frias e mortas;
eu não tinha este coração
que nem se mostra.
Eu não dei por esta mudança,
tão simples, tão certa, tão fácil:
- Em que espelho ficou perdida a minha face?
Cecília Meireles (1901-1964)
sexta-feira, 8 de junho de 2007
LEI DE PARKINSON
Um exemplo de criação de trabalho para preencher tempo disponível, conforme estabelecido pela Lei de Parkinson, foi colhido numa empresa de São Paulo. Tudo começou quando uma escola pública solicitou dessa empresa que lhe fossem doados seis computadores que haviam sido desativados e estavam amontoados no depósito de máquinas usadas.
- Senhor superintendente, venho por meio desta...
O departamento de relações públicas da empresa consultou a respeito o departamento de métodos, cujo parecer foi o de que os computadores só poderiam ser doados se fossem inservíveis.
- Só se forem inservíveis!
No departamento de obras, o processo recebeu o comentário de que os computadores certamente não eram inservíveis, pois, se o fossem, a escola não os teria solicitado. O serviço jurídico debateu exaustivamente essa questão e afinal esclareceu que a lei das sociedades anônimas previa a possibilidade de atos razoáveis gratuitos por parte da companhia, em favor dos empregados ou da comunidade, o que superava toda e qualquer necessidade de saber se os bens eram servíveis ou inservíveis; todavia, deveria constar do processo o valor residual dos bens.
- Pois, claro, não se pode doar o que não tem valor.
O valor residual foi por esse motivo solicitado ao departamento de engenharia, que decidiu sobre o assunto em conjunto com o setor de finanças, onde, por sugestão da divisão de contabilidade e num lampejo da mais pura e incontida criatividade, atribuiu-se à doação o valor simbólico de um real.
- Um valor que não pesa, nem a favor nem contra, mas, ainda assim, um valor. Uma solução notável!
Depois de assim instruída, a questão foi levada à diretoria executiva, que autorizou a doação por decisão colegiada de seus sete membros. A qual, todavia, foi impugnada pelos auditores internos, pois, pela lei das sociedades anônimas, tão judiciosa e tempestivamente invocada anteriormente pelo serviço jurídico, e até pelos estatutos da companhia, era do conselho de administração, e não da diretoria executiva, a competência para autorizar doações de qualquer natureza.
- Manda quem pode, e quem pode é o conselho de administração...
O processo teve de percorrer um circuito adicional até chegar ao conselho de administração e alcançar o seu desfecho, com os computadores sendo finalmente entregues à escola. Era o que todos queriam...
- Agora, sim, a doação está autorizada de acordo com os cânones adequados.
A empresa, pelos seus agentes individuais, procedeu como a velhinha do livro de Parkinson, preenchendo com trabalho burocrático o tempo disponível, e o repasse dos computadores à escola, que podia ter se decidido em poucas horas, só se efetuou 93 dias após a solicitação.
Pois o processo muitas vezes empaca nas estações de pajelança burocrática.
quinta-feira, 7 de junho de 2007
RETALHOS DO QUOTIDIANO (parte 17/26)
No princípio fiquei um pouco inibido, e até assustado, pois havia uma pequena e inesperada platéia. Eram estudantes do curso básico, talvez uns dez, recolhendo experiências, quem sabe, para quando chegasse a sua vez.
Logo me dominei e fui cumprindo meu roteiro, tantas vezes ensaiado que eu mais parecia uma autoridade na matéria do que um Hamlet de segunda mão.
O que eu disse sobre Mayer
Numa formulação holística, e portanto não-cartesiana, Robert Mayer percebeu que a energia nunca é criada nem destruída, mas transformada de uma para outra forma. Ou seja, percebeu o Primeiro Princípio da Termodinâmica.
Mayer nasceu no distrito de Heilbronn, no estado de Wurttemberg, na Alemanha.
Foi ele o autor dos estudos que permitiram estabelecer uma equivalência entre trabalho mecânico e calor e quase se matou quando soube que o crédito pelas suas descobertas foi conferido ao físico britânico e fabricante de cerveja James Prescott Joule.
Robert Mayer foi realmente boicotado, e isto se deveu ao preconceito contra a Naturphilosophie, pois se dizia então, mais do que agora, que os alemães só pensavam na unidade fundamental da natureza, “esse romantismo metafísico de Goethe”.
- Embora médico, Mayer morreu de tuberculose, aos 64 anos.
Carnot, escarlatina e cólera
Também por métodos holísticos, o francês Sadi Carnot descobriu que não é possível a passagem espontânea de calor de um corpo frio para um corpo quente, tanto quanto não é possível a transformação completa de calor em trabalho. Descobriu, como se pode notar, o Segundo Princípio da Termodinâmica.
O ciclo de Carnot é teórico, reversível, sem atrito.
Sadi Carnot era militar, mas também se dedicava à literatura, à música, à dança, à equitação e à matemática. Como físico, seu objetivo era construir a máquina a vapor de máxima eficiência. O pai, Lazare Carnot, economista, militar, filósofo e matemático, chamado durante a Revolução Francesa de “Grande Carnot”, foi autor de importantes trabalhos de geometria, estática e dinâmica.
Sadi passou a ser hostilizado depois que seu pai foi exilado pela Restauração.
- Morreu aos 36 anos, vítima de escarlatina e cólera.
Entropia
O que mais impressionou a banca foi meu discurso sobre entropia.
Se em dado momento reconhecermos que a entropia de um sistema isolado não é máxima, podemos afirmar que a entropia era inferior antes desse momento e que será superior em cada momento posterior. De fato, para além da memória humana, só a entropia permite distinguir entre passado e futuro. O crescimento incessante da entropia se correlaciona com o crescimento incessante do tempo, sendo certo que o Universo assumirá no futuro remoto um assustador estado de homogeneidade térmica, sem nenhuma possibilidade de ordem ou de informação ulteriores.
- Encerro minha aula com a assertiva de que o Segundo Princípio da Termodinâmica é o atestado do futuro óbito do Universo, nada havendo mais triste, nem mais definitivo.
Aula aprovada
Ignácio de Sitter, Rafael Lemaitre e Maria Hoyle, os professores da banca, reuniram-se na sala do reitor durante 30 minutos. Foi De Sitter quem comunicou que minha aula tinha sido aprovada.
- Além disso, Carlos Auvergne, queremos convidá-lo para jantar conosco no Humphrey's, seguindo a tradição de trazer para a nossa intimidade os candidatos ao doutorado de Física.
Será que eles sabem que ainda terei testes de Português e Inglês?, pensei.
Universos subseqüentes
Eu não conhecia o Humphrey's, com seu serviço competente e elegante. Cabia-me desfrutar, não mais.
Ignácio De Sitter elogiou insistentemente a minha aula, que classificou como de "Física enriquecida com História e um pouco de terrorismo."
- A propósito, perguntou-me ele em tom de brincadeira, por que a homogeneidade térmica do Universo é tão assustadora?
- Porque tudo se transformará numa formidável sopa de fótons e neutrinos, desorientados e sem nenhuma motivação, retrucou Maria Hoyle, salvando-me de oferecer uma resposta.
- Mas ninguém precisa deixar de ir ao cinema para pegar o avião e fugir do Universo morituro, porque isso ainda vai demorar alguns bilhões de anos, acrescentou Lemaitre.
Maria Hoyle gostou também daquela tirada do atestado de óbito:
- A Termodinâmica criou o Universo e depois o matará. Por isso carrega esse atestado de óbito no bolso do colete.
- E, caso queira, poderá usá-lo para o Universo seguinte, arrematou De Sitter.
- Certamente o fará, emendei, já integrado à nova família.
(continua)
quarta-feira, 6 de junho de 2007
ANTROPOFAGIA
(* alusivo ao "crack" da Bolsa de Valores de Nova York, em 1929)
Eu empobreço de repente
Tu enriqueces por minha causa
Ele azula para o sertão
Nós entramos em concordata
Vós protestais por preferência
Eles escafedem a massa
Sê pirata
Sede trouxas
Abrindo o pala
Pessoal sarado.
Oxalá eu tivesse sabido que esse verbo era irregular.
Oswald de Andrade (1890-1954)
terça-feira, 5 de junho de 2007
NÃO EXISTE ALMOÇO GRÁTIS
Há no folclore norte-americano a história de que, estando um sábio a morrer, um grupo de amigos pediu-lhe, como último legado, um aforismo que fosse definitivo e não comportasse nenhuma exceção. O moribundo, que era solícito e generoso, pronunciou então suas palavras finais:
- Oh, there ain't no such thing as a free lunch.
Numa tradução não literal, essa frase significa algo como “amigos, não existe esse tal de almoço grátis” ou o nosso popular “se tem alguém comendo, tem alguém pagando”.
O aforismo foi assumido pelos economistas e se tornou popular nos Estados Unidos, especialmente depois de adotado por Milton Friedman, professor da Universidade de Chicago e líder do pensamento econômico liberal.
A frase se aplica a todas as situações da economia e serve de alerta para os que acreditam em algum milagroso suprimento “natural” de benesses. É especialmente enfatizado que, sempre que alguém consegue algum benefício do governo, legítimo ou não, os contribuintes é que pagam por ele. Pois, afinal, não existe almoço grátis.
Deleitam-se muitas pessoas em buscar exceções à aplicação do aforismo, e alguns acham que está nesse caso o exemplo da mãe que amamenta o filho.
- Ninguém está pagando nada à mãe, dizem esses.
- Como não?, indagam os que não concordam. Pois há custos envolvidos, para fazer a capacidade de amamentação da mãe, e alguém tem de pagar por eles.
O acrônimo TANSTAAFL, formado pelas iniciais de “There Ain't No Such Thing As A Free Lunch”, tem sido usado em lugar da própria frase, sobretudo depois que se tornou nome de um boteco freqüentado por estudantes, em Chicago.
domingo, 3 de junho de 2007
KEATS VERSUS NEWTON
Tradução livre
Todos os encantos não se dissipam
At the mere touch of cold philosophy?
Ao mero toque da triste filosofia?
There was an awful rainbow once in heaven:
Existia um maravilhoso arco-íris no céu:
We know her woof, her texture; she is given
Encontramos agora sua trama, sua textura
In the dull catalogue of common things.
No frio catálogo das coisas triviais.
Philosophy will clip an Angel’s wings,
A filosofia decepará as asas de um Anjo,
Conquer all mysteries by rule and line,
Decifrará os mistérios item por item,
Empty the haunted air, and gnomed mine -
Eliminará o encanto do ar e o tesouro escondido -
Desvendará o arco-íris.
- "Keats não poderia estar mais errado, retruca Richard Dawkins no prefácio do seu livro "Desvendando o Arco - íris", e meu desejo é conduzir para o lado contrário todos os que pensam como ele. Ciência pode ser inspiração para os grandes poetas."
O britãnico Richard Dawkins é um professor de Oxford, nascido no Quênia em 1941, autor de livros importantes como “O Gene Egoísta”, “O Fenótipo Estendido” “O Relojoeiro Cego”, O Rio Que Saía do Éden”, “A Escalada do Monte Improvável”, “Desvendando o Arco-íris” e “O Capelão do Diabo”."
"Desvendando o Arco - íris" é, com efeito, um livro destinado a atrair os leitores para os temas fascinantes da ciência.
sexta-feira, 1 de junho de 2007
CAMINHANDO PARA A INCERTEZA
As duas referências fundamentais de Kant, "o céu estrelado acima de mim" e "a lei moral dentro de mim", configuram uma alegoria, a do homem perante o Universo grandioso e avassalador. Para definir o nosso papel nesse cotejo desigual, tínhamos de nos posicionar e, ao fazê-lo, optamos de início por nos autoconferir condição e estatuto privilegiados.
Mas o conhecimento científico, adquirido progressivamente, vai servindo para nos ajustar à realidade.
De fato, o homem sofreu um duro revés quando as teorias de Copérnico o desentronizaram do centro do Universo e teve outra decepção com Darwin, que, acabando com a fantasia do Paraíso e do homem modelado diretamente por Deus, condenou-nos a uma corrida evolutiva corriqueira em disputa com outros seres vivos e sem nenhum caminho ou direito preferencial.
E a partir do momento em que, na década de 1930, Edwin Hubble constatou a expansão do Universo, o homem viu-se relegado a uma insignificante periferia, tornando-se habitante de um planeta mediano, que gira em torno de uma estrela da Via Láctea, uma galáxia que contém mais de 100 bilhões de outras estrelas e dá o vexame de existir ao lado de outros 100 bilhões de galáxias!
Eis a perplexidade da lei moral dentro de mim diante do céu estrelado acima de mim.
A lei moral e as nossas percepções
Também a nossa auto-estima teve de ser rebaixada, sobretudo após o conhecimento que nos foi trazido pela teoria da relatividade e pela mecânica quântica, pois não somos mais independentes das nossas medições, não existem espaço e tempo absolutos, e o princípio da causalidade, que desde Aristóteles tanto nos encantava, mostrou-se inadequado para explicar os processos atômicos individuais.
A natureza trabalha com dois modelos alternativos e mutuamente excludentes, dos quais, conhecendo um, não me é dado conhecer o outro, de acordo com o princípio da complementaridade de Niels Bohr.
E não é só, pois o francês Henri Poincaré no alvorecer do século XX deu início à teoria do caos, mostrando que a maioria dos fenômenos se inter-relaciona mediante equações complicadas, aumentando a insegurança do homem e sua incerteza perante o Universo. Pois em quase tudo há realimentação interna, iteração constante e toda sorte de perturbações não-lineares, como observamos a cada instante na meteorologia, nas flutuações dos preços nas bolsas de valores, nas correntezas e no crescimento das populações animais.
Ou seja, muito efeito-borboleta à solta, prevaricando por aí e assoberbando a lei moral dentro de mim.
A matemática e a palavra
Restavam-nos a matemática e a palavra.
A matemática pode provar tudo com sua lógica, a partir de postulados criteriosos, como na geometria euclidiana.
Verdade?
Não, não é verdade, provou o matemático Kurt Gödel, em 1931, demonstrando que existem verdades matemáticas que não podem ser provadas, caracterizando a matemática como insuficiente.
Gödel também demonstrou que a matemática, referindo-se à mesma afirmação, pode demonstrar em certos casos tanto “que esta afirmação é verdadeira” como ”que não é verdade que esta afirmação é verdadeira”. Ou seja, além de insuficiente e incompleta, a matemática é também inconsistente.
E a palavra?
Leibniz propôs que os filósofos se reunissem para definir certas palavras, como moralidade, liberdade, espaço, tempo, e, após, discutissem suas idéias sem nenhuma ambigüidade.
Na mesma linha, Bertrand Russell pretendeu criar um “atomismo lógico”, partindo dos átomos, destes para as moléculas, depois para substâncias e objetos. Desse modo, poderíamos chegar a afirmações abrangentes a respeito do mundo que fossem livres de inconsistências.
É nesse ponto que entra Wittgenstein, demonstrando a inutilidade dessa tentativa, pois a palavra é boa para contar piadas, falar de amor, cantar, contar vantagem, mas tem reduzido valor para discutir a filosofia do mundo.
O sentido do mundo é exterior ao mundo e está fora do nosso alcance.
O reflexo
No seu livro "From Certainty to Uncertainty", publicado em 2002, o físico inglês F. David Peat afirma que essas mudanças de entendimento sobre nossas relações com o Universo têm conseqüências que se estendem para além da ciência, influindo decisivamente na arte, na literatura, na filosofia e nas relações sociais.
É que o céu estrelado pesa sobre a lei moral, e a derrocada dos mitos antropocêntricos se reflete no baixo nível de criatividade das artes e da literatura, com o aumento das nossas dúvidas e perplexidades e pela falta de afirmações abrangentes a serem feitas ou de grandes mitos a serem revelados.