quarta-feira, 28 de março de 2007

RETALHOS DO QUOTIDIANO (parte 6/26)

Correspondi à confiança

Concluído o estágio nos Estados Unidos, iniciei uma fase de conquistas e afirmações pessoais, tanto no plano profissional como no afetivo, pois Cecília e eu cumprimos o nosso planejamento e nos casamos tão logo retornamos ao Rio de Janeiro. Por determinação da WED fiz ainda um curso de um semestre na Fundação Getúlio Vargas, no qual entrei engenheiro civil, sabendo construir prédios, obras hidráulicas, estradas e viadutos, e saí engenheiro de produção, preparado para examinar projetos de investimentos, orientar a tomada de decisões em regime de incerteza e discutir cláusulas contratuais de joint-ventures com companhias internacionais de energia. Nesse mister, muito me valeram as aulas a que assisti na Universidade do Texas. Dummy variables!
Afirmo sem medo de errar que correspondi à confiança da WED, pois logo me integrei às atividades da companhia, assumindo a liderança de alguns dos seus principais projetos de energia e mineração.
Minha atuação era de natureza prospectiva. Competia-me descobrir a oportunidade, estimar os custos e as receitas de cada projeto potencial, orientar a decisão a ser tomada pelo conselho de administração, buscar sócios, participar das licitações e negociar os acordos.
Primeiro calculávamos os resultados virtuais dos eventos possíveis,
a respectiva probabilidade de ocorrência e, enfim, o valor monetário esperado do projetos. Depois, efetuávamos as negociações dos contratos, que eram assinados com agências do governo ou, quase sempre, com companhias que se associavam às nossas joint-ventures. No decorrer dos meses, com a experiência adquirida, chegamos a desenvolver uma linha de atuação, a filosofia da competência, para não errar nas negociações, pois os estrangeiros vinham cheios de estratagemas, frases feitas, dossiês pessoais e providências facilitadoras. Aquele negócio de Sun Tzu, prazos enganosos, falsos orçamentos, cláusulas de palha e quetais, que a gente conhecia exclusivamente para nossa defesa, pois não se encaixava no nosso repertório.
Todos os pontos deveriam estar negociados antes da assinatura de qualquer protocolo, ou seja, se a negociação não estivesse toda fechada, não haveria solenidade comemorativa de nenhuma natureza, nem encontro dos negociadores estrangeiros com os nossos diretores.
Também exercitávamos a flexibilidade, com o objetivo de acomodar, caso houvesse, pretensões justas da outra parte, sem comprometer os nossos interesses. Decidi também que nós nos prepararíamos à exaustão, antes de qualquer negociação, excluindo definitivamente a figura do negociador desprevenido e despreparado.
E, mais, ficou estabelecido que cultuaríamos a discrição, não mentindo, não demonstrando auto-suficiência, nunca ironizando as posições da outra parte e nunca comentando aspectos da negociação com pessoas não envolvidas nas mesmas.

Funcionou. Funcionou, sim, muito bem. Pois tudo era planejado. Tenho para mim, depois dessa experiência, que o planejamento precede e determina o êxito.

Uma vez concluídas as negociações, a execução das obrigações contratuais cabia a outro departamento, que para meu orgulho e felicidade nunca se queixou de nenhum defeito substantivo em nenhuma cláusula construída por mim ou negociada sob minha supervisão.
Uma enorme sensação de bem-estar invadia-me o peito, pois provava para mim mesmo que era capaz de conduzir um projeto, liderar pessoas e ver os frutos do meu trabalho.
Um diretor chegou a dizer que eu negociava "como um lorde-chanceler”, o que me deixou orgulhoso, e até envaidecido, mas o que me movia, para além de meu amor por Cecília, era a obsessão do trabalho bem feito.
Cecília fazia uma exuberante carreira paralela. Nossa parceira familiar sólida e generosa era fundamental para nossas conquistas e êxitos profissionais. Pois nós nos amávamos, para dizer numa palavra tudo. Eu me divertia com a idéia de que Cecília poderia substituir-me na WED, apta que estava para estimar custos e receitas, traçar perfis de lucro e calcular juros e taxas de rentabilidade interna. Ela sabia tudo de dummy variables e de raposas que saltam sobre cães preguiçosos. E podia refutar todos os ardis que lhe opusessem na negociação das cláusulas contratuais. Mas a recíproca não era verdadeira, pois eu nada entendia de moda e de desfiles.
(continua)

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