sábado, 28 de abril de 2012

CONTOS DE 150 PALAVRAS (2)

LIÇÕES DE ELISA


No meio da noite, percebi que havia uma mulher deitada a meu lado, linda e pura como uma manhã de primavera. Como descobriu minha cama é para mim um fino mistério. Achei que devia dizer alguma coisa e, lembrando-me da Elisa, fiz o comentário de que amar foi minha ruína.

-Amar foi sua ruína?

-Ruína e humilhação. Minha amada me trocou por um saxofonista. Fosse talvez um otorrinolaringologista ou um artista de televisão... Mas, um saxofonista!

-Tudo muito claro.

-Claro, como?

-Machismo.

Calei-me, sem entender, e voltei a dormir. Quando acordei pela manhã, não havia ninguém a meu lado. Deve ter sido um sonho, ninguém precisa me advertir sobre essa possibilidade. Pois eu também acho isso. Difícil, porém, será explicar o bilhete que encontrei ao lado da cama:

“É machismo não aceitar que a mulher faça suas escolhas.”

quarta-feira, 25 de abril de 2012

CONTOS DE 150 PALAVRAS (1)

AJUDEM-ME A ENCONTRAR VELIONIS

Estou enviando esta circular para você e outros amigos para pedir que me ajudem a localizar uma moça da qual sei apenas que se chama Velionis. Trata-se de uma desconhecida, que bateu à minha porta numa madrugada de agosto, pedindo-me um favor: que eu apostasse na sena do dia 2 de setembro, pois estava impedida de fazê-lo pessoalmente. E foi me passando os números e os reais da aposta, sem mais explicar. Minha reação foi de perplexidade, mas a moça se esgueirou, desaparecendo, antes que eu pudesse dizer alguma coisa.
Para complicar, e muito, o jogo foi contemplado com um prêmio de quase dez milhões de reais. Que tive de depositar na minha conta, pois a moça não mais apareceu.
Alguém me garantiu que ”velionis” significa“falecida” em lituano, o que para mim não tem nenhuma importância.
Hei de localizá-la, custe o que custar. Ajudem-me, pois, a encontrar a Velionis!

sábado, 21 de abril de 2012

GÊNIO BRINCALHÃO

A Gênese, segundo George Gamow


George Gamow

George Gamow (1904-1968), físico russo nascido na cidade de Odessa e professor da Universidade George Washington, foi um dos formuladores da teoria do Big Bang, tendo sido autor, em 1946, da hipótese de que o Universo, no seu início abrasador, era formado por uma colossal sopa de prótons e nêutrons, à qual deu o nome de "ylem".
O primeiro elemento a se formar foi o hidrogênio, que tem apenas um próton no seu núcleo. Num processo que chamou de nucleossintese, átomos de hidrogênio,
no calor reinante no Universo inicial, começaram a se chocar, fundindo-se em hélio; depois, colisões entre hidrogênio e hélio produziram os elementos leves seguintes, lítio e berílio.


Notou-se, porém, a ausência, por instabilidade, do elemento de massa cinco nessa fase inicial, o que inviabilizava a continuação da nucleossíntese, no calor do Big Bang, para a obtenção de elementos mais pesados. O obstáculo foi posteriormente contornado por Fred Hoyle (1915-2001), físico inglês da Universidade de Cambridge, com a teoria de que a nucleossíntese tem prosseguimento nas estrelas, que inicialmente são formadas só de hidrogênio, mas passam por fases diferentes de fusão de elementos, até que os elementos muito pesados se formam nas explosões de supernovas.- A nucleossíntese do Big Bang, mostrando como se formaram os elementos leves, foi um ponto a favor do Big Bang.

Radiação cósmica de fundo

E
m outra oportunidade (1948), Gamow postulou a existência da radiação cósmica de fundo, uma energia da explosão primordial que acompanha o Universo na sua expansão eternidade adentro e que estaria atualmente no espectro das radiações de microondas, à temperatura, segundo seus cálculos, de 5,0 graus absolutos. Em 1965 Penzias e Wilson, com sua gigantesca antena de Crawford Hill, no estado de Nova Jersey, detectaram por acaso o ruído da radiação cósmica de fundo, à temperatura precisa de 2,7 graus absolutos.


Penzias e Wilson

- A radiação cósmica de fundo colocou o Big Bang na vanguarda das teorias científicas sobre a criação do Universo.

Gênese

Gamow, que era espirituoso e brincalhão, foi o autor de uma versão da Gênese, incluída na sua autobiografia, que tem o título de "My Word Line":



"No princípio Deus criou a radiação e o ylem.
E o ylem era sem forma ou número,
E os núcleons corriam loucamente
Sobre a face da profundidade abissal.


E Deus disse: "Que haja a massa dois." E houve a massa dois.
E Deus viu o deutério, e o deutério era bom.
E Deus disse: "Que haja a massa três."
E houve a massa três.
E Deus viu o trítio, e o trítio era bom.


E Deus continuou chamando número após número,
até chegar aos elementos transurânicos.
E então, contemplando sua obra,
Deus viu que ela não era boa.
Pois, no entusiasmo da contagem,
deixara de criar a massa cinco.

E, se assim ficasse, nenhum elemento mais pesado
poderia ter sido formado.
Deus ficou muito desapontado
e quis contrair o Universo novamente
e começar tudo de novo.
Mas isso seria simples demais.
E então, sendo todo-poderoso,
Deus quis corrigir aquele engano
da forma mais impossível.

E Deus disse: "Que haja o Hoyle." E houve o Hoyle.
E Deus, olhando para Hoyle, ordenou-lhe
que produzisse elementos pesados
do jeito que lhe aprouvesse.

E Hoyle decidiu fabricar elementos
pesados nas estrelas
e espalhá-los mediante explosões de supernovas.

Ele tinha, porém, de obter as mesmas quantidades
que teriam resultado da nucleossíntese do ylem,
se Deus não tivesse esquecido de chamar a massa cinco.
 
E assim, com a ajuda de Deus, Hoyle fez os elementos desse modo.
Mas era tão complicado que, hoje em dia, nem Hoyle, nem Deus,
nem ninguém mais pode determinar exatamente como foi feito.

Amém."

Supernova


Certa vez Gamow expressou assim sua perplexidade diante dos números do Universo:

 
"There was a young fellow from Trinity
Who took the square root of infinity
But the number of digits
Gave him the figits;
He dropped Math and took up Divinity."


("Era uma vez um cara de Trindade
Que extraiu a raiz quadrada da infinidade.
Mas o número que encontrou
Era muito grande e o assustou;
Renunciou à Matemática e engajou-se na Divindade.")


Prêmio Nobel


Até hoje se questiona por que George Gamow não foi distinguido com o Prêmio Nobel de Física.

quarta-feira, 18 de abril de 2012

LAVOISIER (1/2)

UMA GRANDE TRAGÉDIA

Lavoisier, o pai da química moderna, morreu guilhotinado, vítima do regime que se instalou na França entre 1793 e 1794, ao tempo de Robespierre. Por ser cobrador oficial de impostos de Luiz XVI, uma função tornada mais impopular porque o clero e a nobreza gozavam do privilégio da isenção, Lavoisier acabou sendo injustamente acusado de peculato. A esse respeito, um antigo funcionário da Receita, Nicolas François Count Mollien, relatou na ocasião que não havia nenhuma dúvida quanto à inocência de Lavoisier, que não deixou "uma única objeção sem resposta, um único cálculo sem refutação, uma única justificativa sem prova."


De fato, as alegações contra Lavoisier eram irrelevantes, configurando um revanchismo dos que se viram prejudicados por sua atuação como coletor de impostos ou a sanha dos que lhe tinham inveja por sua fortuna e seus êxitos pessoais.
Tinha também contra si o ódio de Jean Paul Marat, que era médico e cientista, antes de se tornar o panfletário da Revolução Francesa. Em 1780, ou seja, antes do Terror, Marat submetera à Academia Real das Ciências um trabalho científico, pretensioso e equivocado, a que deu o nome de "Pesquisas Físicas sobre o Fogo"; nele Marat
defendia ingenuamente que o fogo era a manifestação de um fluido especial, o fluido ígneo, cujas sombras produziriam as formas trêmulas das chamas.

- Uma vela, defendia ele, confinada num espaço limitado, apaga-se porque o ar, dilatado pela chama, comprime-a e a abafa.


Esse trabalho, primário e despropositado, foi recusado por orientação de Lavoisier
.
Embora corriqueiro, o fato foi decisivo para levar Lavoisier à guilhotina. Pois Marat assumiu o papel de principal acusador, com seus artigos raivosos e desproporcionais. Para além de outros textos injustos e grosseiros sobre Lavoisier, eis o que Marat escreveu no seu jornal “L’Ami du Peuple”, em setembro de 1791:

“Denuncio-lhes o corifeu dos charlatães, o senhor Lavoisier, filho de um sovina, aprendiz de químico, aluno do agiota genebrino, coletor-geral de impostos, diretor da pólvora e do salitre, administrador da Caixa de Descontos, secretário do Rei, membro da Academia de Ciências, íntimo de Vauvilliers, administrador infiel da subsistência e o maior intrigante do século.”

Jean-Paul Marat: competindo com Lavoisier

Marat discutindo a capacidade de Lavoisier, veja só que comédia! Que redundou numa grande tragédia: o grande cientista foi condenado, e sua execução ocorreu em 8 de maio de 1794.

- A república não precisa de gênios, teria dito o juiz que o condenou.

Lagrange

Lavoisier não recebeu nenhuma solidariedade de antigos colaboradores e colegas acadêmicos, com a corajosa exceção do matemático Joseph Louis de Lagrange. No dia seguinte à execução, Lagrange expressou sua mágoa com as seguintes palavras, que se tornariam célebres:

- Bastaram alguns instantes para cortar sua cabeça; mas cem anos talvez não sejam bastantes para produzir outra igual.

sábado, 14 de abril de 2012

SISTEMAS NÃO - LINEARES

Efeito Borboleta

- Vou provocar um tornado em Houston...

Estávamos em 1960. Edward Lorentz, um professor do Massachusetts Institute of Technology, o MIT, havia desenvolvido um conjunto de equações matemáticas para estudar a circulação atmosférica. Seu modelo foi construído de maneira que o computador calculava os valores das variáveis atmosféricas de um ponto no tempo, que serviam como dados de entrada para o cálculo dos valores do ponto no tempo seguinte; desse modo Lorentz obteve uma longa sequência de resultados, que o computador foi imprimindo ponto a ponto, até que um defeito da máquina interrompeu o processo. Sanado o problema, Lorentz decidiu não reiniciar os cálculos do ponto inicial, mas de um ponto intermediário, adotando para este os valores anteriormente calculados pelo computador. Observou, com surpresa, que na nova computação os valores obtidos para os pontos subsequentes foram se afastando progressivamente daqueles encontrados no cálculo anterior, até que, afinal, tornavam-se absolutamente discrepantes.

- Como isso pôde ocorrer, se as equações eram as mesmas e os valores para iniciar a nova sequência haviam sido calculados pelo próprio computador?

Após muito investigar, Lorentz descobriu que o computador imprimia seus valores com três casas decimais (0,506 era o valor relativo de uma variável ao início da segunda sequência), mas na hora de calcular operava com seis algarismos após a vírgula (0,506127, no caso em questão). Havia uma diferença invisível, de 0,000127, entre as condições iniciais das duas sequências que estavam sendo comparadas - no caso, uma diferença de 0,025%, que normalmente todos consideram desprezível, até o computador. No entanto, porém... Naquela situação, isso estava longe de ser verdade: a diferença aparentemente insignificante era significante demais!

Edward Lorentz

Foi assim que se descobriu que as condições iniciais nos fenômenos complexos, como os meteorológicos, podem ter influências importantes nos resultados, para além do que podemos imaginar à primeira vista. Os sistemas não-lineares têm a capacidade de ampliar superlativamente todos os desvios, impondo resultados erráticos, que parecem se subordinar ao acaso ou aos desígnios do caos e de seus estranhos atratores. Um sopro, por mais débil e insignificante, ao cabo de certo tempo pode ter um efeito devastador. Calculemos, por exemplo, o número que se obtém elevando 14,251 à oitava potência; a seguir, repitamos o cálculo arredondando o número, a ser elevado a essa potência, de 14,251 para 14,250. Um insignificante desvio de 0,001 ou 0,1%. Verificaremos, porém, que a diferença entre os dois resultados obtidos (1.701.228.778 e 1.700.274.004) corresponde a 954.774, equivalente a quase um bilhão de vezes o desvio introduzido inicialmente.

- Nem sempre 14,251 é mais ou menos a mesma coisa que 14,250!

Lorentz escreveu um artigo sobre essa questão, que se tornou célebre:

“Previsibilidade: o bater de asas de uma borboleta no Brasil provoca um tornado no Texas?”

Por causa desse artigo, a influência das condições iniciais nos fenômenos não-linerares passou a ser conhecido como Efeito Borboleta. O passado é uma complicada fábrica de futuros, pois tudo que acontece é construído passo a passo, e de forma não linear, de modo que uma pequena alteração nas condições iniciais de um fenômeno pode implicar uma mudança importante no seu resultado final.

As idéias de Lorentz se alinhavam com as do francês Henri Poincaré, que em 1900 dera início à teoria do caos, reconhecendo, desde então, que a maioria dos fenômenos se inter-relaciona mediante equações não-lineares, o que torna maior a incerteza do homem perante o Universo. O caos está presente extensivamente, seja na meteorologia, nas flutuações dos preços nas bolsas de valores, nas correntezas ou no crescimento das populações animais.
Em quase tudo há realimentação interna, interação constante e toda sorte de perturbações não-lineares.

quarta-feira, 11 de abril de 2012

CRISTO REDENTOR, QUEM ILUMINOU?

Foi Marconi, afirmam uns...

O Cristo Redentor foi inaugurado no dia 12 de outubro de 1931. Suas luzes foram acesas exatamente às 19 horas e 15 minutos, para grande alegria da população do Rio de Janeiro, numa cerimônia que teve a presença do cardeal Dom Sebastião Leme e do Presidente Getúlio Vargas.
Por iniciativa do jornalista Assis Chateaubriand, o cientista italiano Guglielmo Marconi, inventor do rádio, foi solicitado a ativar a iluminação do monumento no seu dia inaugural, por intermédio de um sinal elétrico enviado de algum ponto da Itália.

Marconi

Na biografia de Marconi, de autoria de Filippo Garozzo, a proeza de Marconi foi assim relatada:

"Então todos ficaram olhando para o morro, esperando o milagre a ser produzido por um homem. E o milagre, pontualmente, aconteceu. O Papa e Marconi, em Roma, apertaram uma chave de transmissor; e um impulso rápido partiu da Cidade Eterna, deslizou sobre o Atlântico mais velozmente que o relâmpago, e atingiu o Cristo Redentor, construído sobre o Morro do Corcovado, na Baía de São Sebastião do Rio de Janeiro, a Cidade Maravilhosa. E o Cristo, de repente, ficou tão resplandecente e brilhante de luz que mais se assemelhava a uma festa! Parecia até outro Cristo, risonho e mais bonito, agora que estava iluminado e inaugurado pela mão do Santo Padre e pelo gênio de Marconi."

Alguns dos que atribuem a façanha a Marconi costumam mencionar que o grande cientista acionou o transmissor não de Roma, nem na presença do Papa, mas a bordo do seu iate Electra, que estaria ancorado na Baía de Nápoles.

Não foi Marconi, garantem outros...

Há, todavia, uma segunda versão, geralmente apontada como a verdadeira. Realmente estava previsto que Marconi comandaria da Itália a inauguração das luzes do Cristo Redentor. Emitido do Electra, um iate ancorado na Baía de Nápoles, o sinal elétrico seria captado em Dorchester, na Inglaterra, e retransmitido para uma antena instalada em Jacarepaguá, de onde se acenderiam as luzes do Corcovado. O mau tempo, porém, teria impedido essa operação, e o monumento teve de ser iluminado do próprio Rio de Janeiro.

A maravilha


Situa-se no Morro do Corcovado, 710 metros acima do nível do mar
, e tem 30 metros de altura, assentado sobre um pedastal de oito metros adicionais. O monumento foi sugerido à Princesa Isabel em 1859 pelo padre Pedro Maria Boss, mas a ideia só se materializou a partir de 1921, quando dos preparativos para as comemorações do centenário da Independência. O projeto teve a autoria do arquiteto francês Paul Landowski e a construção, que demorou cerca de cinco anos, ficou a cargo do engenheiro brasileiro Heitor da Silva Costa.

sábado, 7 de abril de 2012

SHAKESPEARE OU TERMODINÂMICA

Incompletude Recíproca

Charles Percy Snow


“Poucos cientistas leem Charles Dickens ou uma peça de Shakespeare; poucos artistas conhecem o Segundo Princípio da Termodinâmica; assim fica muito difícil resolver os problemas do mundo.”


Charles Percy Snow (1905-1980), escritor e cientista inglês


quarta-feira, 4 de abril de 2012

A CIÊNCIA NA IDADE MÉDIA

A SOBREVIVÊNCIA DE ARISTÓTELES

Quando dominaram os gregos, no segundo século antes de Cristo, os romanos estavam mais preocupados com comércio, direito e moral do que com investigação científica. Apenas Aristóteles e Platão suscitavam algum interesse, sendo importante mencionar que em geral as obras científicas gregas não foram traduzidas para o latim.
Inicialmente, sem envolvimento do Estado com religião, a evolução científica dos gregos pôde seguir seu curso normal em Alexandria, com destaque na astronomia para os os trabalhos de Ptolomeu. Sua obra máxima, "Hè Megalè Syntaxis", foi traduzida pelos árabes, na Idade Média, com o nome de “Al Midjisti” (“O Grande Livro”), o qual só muitos séculos depois retornou para conhecimento do Ocidente, recebendo então o nome de Almagesto.

Teodósio

A partir do século II, passou a ocorrer a ascendência da religião sobre o Império Romano, até que, em 391, o imperador Teodósio deu ao Cristianismo o status de religião do Estado. Num movimento inverso ao que se iniciara com os pré-socráticos, que separaram ciência de religião, agora os monges da igreja, que viviam reclusos em mosteiros, rezando e copiando livros, tornavam-se responsáveis pela proteção espiritual da sociedade. Eles passaram a dizer o que era certo e o que era errado em termos científicos, estabelecendo parâmetros e os textos bíblicos e dogmas que deveriam ser usados na interpretação e validação do que se podia aceitar. Por exemplo, garantiam que a Terra, imóvel, apoiava-se sobre colunas, de acordo com o Salmo 103: 5:

- “Assentaste a Terra sobre suas bases, irremovível para sempre e eternamente.”

Pensamento e razão davam lugar à fé religiosa e à fidelidade aos textos cristãos.

Quatro registros


(1) São Basílio (330-379) condenou os que “comparam a simplicidade e ingenuidade de nossos discursos espirituais com a curiosidade dos filósofos a respeito do céu”. E argumentou:

- Assim como a beleza da mulher casta supera a da cortesã, assim também nossos discursos prevalecem sobre os desses estranhos à Igreja.


Catedral de São Basílio

(2) Em 389 o imperador romano Teodósio ordenou ao bispo Teófilo que destruísse os monumentos pagãos de Alexandria, entre os quais o Templo de Serápis, dedicado a uma divindade pagã, protetora da saúde. Assim se perdeu boa parte dos livros da Biblioteca de Alexandria, guardados no templo desde Cleópatra (século I).

(3) Em 529 o imperador cristão Justiniano fechou a Academia de Platão, em Atenas, tachando-a de “centro de saber pagão”.

(4) Os religiosos tinham dificuldade para aceitar a esfericidade da Terra, sobretudo pela afirmação de Aristóteles de que havia outro continente na parte sul do nosso planeta,
habitado pelos antípodas, contrapondo-se ao mundo conhecido. Os cristãos não podiam admitir que houvesse uma outra civilização, de homens não alcançados pelo Dilúvio. Por isso, mesmo os que acreditavam na esfericidade da Terra, representavam-na como uma semiesfera, com apenas o Hemisfério Norte e seus três continentes.
Para resolver essa questão, no século VI o monge Cosmas Indicopleustes defendeu que a Terra era plana como a superfície de uma mesa. Sua argumentação não tem nenhuma proximidade com a ciência e suas deduções se faziam a partir de postulados bíblicos:

- Existem falsos cristãos que ousam sustentar que a Terra é esférica. Uma heresia dos gregos, que refuto com passagens e citações inequívocas dos textos sagrados.

A Terra Quadrada, na visão de Cosmas Indicopleustes


Aristóteles

Na verdade, Aristóteles foi conhecido mais ou menos até o século VI, quando seus livros deixaram de ser lidos, perderam a importância e desapareceram. Havia pouca investigação científica, que cedeu lugar às práticas do ocultismo, em formas diversas de superstição, magia e astrologia. Nesse vácuo é que surgiu a Escola Árabe, concentrando um misto de conhecimentos de origem grega, romana e judaica na Corte de Bizâncio e nos países que se estendem da Síria ao Golfo Pérsico. As obras de Euclides e Ptolomeu foram traduzidas para o árabe, onde se adotou o zero,
no século IX, na função de completar os algarismos dos indianos; apareceu a alquimia, com o objetivo de procurar fazer a transmutação dos metais em ouro e encontrar o elixir da vida para cura de todos os males; e foram introduzidas tábuas astronômicas de grande qualidade.
O conhecimento científico grego foi desse modo preservado pelos árabes, que, a partir do século VII, se expandiram para várias regiões, incluindo o Norte da África e a Espanha.

Biblioteca de Toledo
: reencontro com os gregos

Quando os espanhóis expulsaram os mouros da cidade de Toledo, em 1085, nela encontraram uma extraordinária biblioteca islâmica, com todo o conhecimento dos gregos antigos traduzidos para o árabe. O rei espanhol Afonso VI deu toda a prioridade à tradução dos textos para o latim, onde se destacou um intelectual que aprendera a língua árabe, Gerard de Cremona, responsável pela tradução latina de 76 livros, entre os quais o Almagesto, de Cláudio Ptolomeu.

O Almagesto e os textos de Aristóteles passaram a ser considerados sagrados, apesar de neles Aristóteles ter incorrido em erros inadmissíveis, como a declaração de que os homens tinham mais dentes que as mulheres. Para compatibilizar o legado de Aristóteles com as Escrituras, foi fundamental o trabalho de São Tomás de Aquino (1225 - 1274), pela simbiose que fez do cristianismo com a visão aristotélica do mundo.
As ideias de Aristóteles e de seu operador matemático, Ptolomeu, tiveram garantida, por essa via, uma sobrevivência adicional de quatrocentos anos.