sábado, 28 de agosto de 2010

ORIGEM DO UNIVERSO ( II )

A TEORIA DO BIG BANG ENFRENTA OPOSIÇÃO

Em janeiro de 1933, George Lemaître apresentou sua teoria do Big Bang a uma plateia de cientistas, nas dependências do Monte Wilson, em Pasadena, na Califórnia. Entre os assistentes estavam Albert Einstein e Edwin Hubble, a saber, o cientista cujas equações previam a expansão do Universo e o astrônomono que comprovou essa expansão com observar o afastamento das galáxias, examinando com seu poderoso telescópio a luz delas proveniente. Foi então que Einstein, antes defensor do Universo estático, reconheceu sua derrota definitivamente e fez uma homenagem a Lemaître:

- Sua teoria é a explicação mais bela que jamais ouvi para a criação do Universo.

Um tributo de quem criou as equações da Relatividade a quem soube usá-las melhor que ele, em termos de Cosmologia.

Lemaître e Einstein

A teoria do Big Bang de fato se compatibilizava perfeitamente com a contínua expansão do Universo, apesar de soar mirabolante e de carecer de provas, o que, sem dúvida, tende a empurrar qualquer teoria científica para o terreno da ficção. Havia, a favor, o aporte trazido pela teoria da nucleossíntese do Big Bang, de Gamow, explicando, como grande quantidade de átomos de hidrogênio fundiu-se em átomos de hélio e de outros elementos leves, imediatamente após a explosão. Mas, opondo-se veementemente, uma prova negativa: a constante de Hubble, que exprime a velocidade de afastamento das galáxias, fora estabelecida em cerca de 171 quilômetros por segundo para cada milhão de anos-luz (558 quilômetros por segundo para cada megaparsec). Aplicando-a em direção ao passado, no processo imaginado por Lemaître, chegava-se, pelos cálculos, à conclusão de que, pela teoria do Big Bang, o Universo teria a idade de 1,8 bilhão de anos. Uma contradição com a assertiva dos geólogos de que a Terra tem 4,5 bilhões anos e uma afronta aos que defendiam um Universo eterno e imutável.

- Como pode a Terra, que é fiha, ser mais velha que a mãe?, gracejou Christopher Impey, professor da Universidade do Arizona.

Outro crítico da teoria do Big Bang foi Arthur Eddington, o mais importante astrônomo britânico do século XX:

- Como cientista, não acredito que o Universo tenha começado com uma explosão... isso me deixa desapontado.


Arthur Eddington

Relatividade cinemática e luz cansada

Era natural, portanto, que a teoria do Big Bang fosse contestada e que teorias alternativas surgissem, tentando tomar o seu lugar. Foi o caso da teoria da "relatividade cinemática", do astrofísico britânico Arthur Milne, defendendo que as galáxias mais afastadas naturalmente tinham de ser mais rápidas e só por isso estavam mais longe, um resultado natural, dispensando qualquer explosão. Outra explicação foi dada pelo físico búlgaro Fritz Zwicky, com sua teoria da "luz cansada", pela qual as galáxias não se moviam. Se havia desvios para o vermelho, é porque a luz ao percorrer grandes distâncias enfrentava a gravidade galática e perdia energia, o que obrigava a esses desvios para o vermelho.

Fritz Zwicky

Eram, porém, teorias inconsistentes e não prosperaram.

Universo Estacionário

Das teorias que se opuseram ao Big Bang, a que conquistou maior número de seguidores foi a teoria do Universo Estacionário, criada pelo chamado "Trio de Cambridge", integrado pelos cientistas Fred Hoyle, Thomas Gold e Hermann Bondi. Os três costumavam reunir-se na casa de Hermann Bondi para discutir o modelo do Big Bang, quando todos já admitiam que o modelo do Universo eterno e estático não poderia mais prevalecer, depois de constatado que as galáxias se afastam umas das outras com velocidades impressionantes.

Hermann Bondi

Thomas Gold

Chegaram os três à conclusão de que a teoria do Big Bang não era aceitável porque implicava um Universo mais jovem do que as estrelas que nele existem, além do que não solucionava a importante questão de dizer o que existia antes dele.
Foi então que Gold propôs e desenvolveu com os parceiros uma teoria substituta do Big Bang que combinava Universo eterno com Universo em expansão, esta se justificando pela constante criação, pelo Universo, de matéria adicional para preencher os espaços vazios que cresciam entre as galáxias em fuga.

Fred Hoyle

-
O Universo está sempre se expandindo, mas sua densidade permanece a mesma porque matéria nova vai sendo criada do nada, à razão de um átomo a cada século para cada volume igual ao do edifício Empire State. O Universo é imutável, mas evolutivo.

Para Hoyle, que se tornou o líder do "Trio de Cambridge", não havia essa hipótese de começo com Big Bang, pois "o Universo
é atemporal e nunca teve começo, nem terá fim".

Comentário

No seu livro "Big Bang" (Record, 2006), Simon Singh, referindo-se ao surgimento da Teoria do Universo Estacionário, fez o seguinte comentário:

"Agora havia uma escolha clara para os cosmólogos. Eles podiam optar por um Universo do Big Bang, com um momento de criação, uma história finita e um futuro que seria muito diferente do presente. Ou podiam escolher o Universo do Estado Estacionário, com uma criação contínua, uma história eterna e um futuro que seria, na maior parte, igual ao presente."

Essa opção, de fato, dividiu as opiniões na segunda metade do século XX. Qual seria o desfecho?
(continua)

sábado, 21 de agosto de 2010

ORIGEM DO UNIVERSO ( I )

BIG BANG E TEORIAS DECORRENTES


- As galáxias estão se afastando!

A percepção de que o Universo está continuamente se expandindo, comprovada pelas observações do astrônomo Edwin Hubble, levou o físico belga George Lemaître à pergunta inevitável: expandindo desde quando?

- Desde o início do Universo, quando todas as galáxias estavam juntas num "átomo primordial"
, concluiu Lemaître.

- Átomo primordial?

-
Se as galáxias estão todas se afastando, então devem ter estado sempre mais próximas à medida que se considera um passado cada vez mais remoto, até que, na origem, estiveram reunidas num volume reduzido, muito denso e muito quente, que seria o volume mínimo e inicial da expansão. Esse volume mínimo, de pressão, temperatura e densidade infinitamente elevadas, começou a se expandir, possivelmente a partir de uma explosão.


Passado ------ Futuro

A teoria de Lemaître basou-se nas implicações das equações de Einstein e ficou conhecida pelo nome de "Teoria do Big Bang".

Muitos cósmólogos desde então passaram a admitir que o Universo prosseguirá sua expansão indefinidamente, se sua massa não for suficientemente grande para interromper essa caminhada; caso contrário, em algum momento, a gravidade começará a predominar e o Universo passará da expansão à contração, de maneira a regressar ao "átomo primordial", num processo a que se costuma chamar de "Big Crunch". Não se conhece a massa total do Universo, mas, se for grande bastante para deter a expansão, a eternidade contemplará cada "Big Bang" sucedido por um " Big Crunch", para dar início a outro "Big Bang", seguido de outro "Big Crunch", e assim sucessivamente, por toda a eternidade. Um bom paralelismo para essa concepção científica é a teoria do eterno retorno, de Nietzsche - um ponto de tangência da filosofia com a ciência.

Acima da linha intermediária: expansão eterna
Abaixo: Um Big Crunch após cada Big Bang


Radiação cósmica de fundo

Um dos que apoiaram Lemaître foi o cientista russo George Gamow (1904-1968), professor da George Washington University. Para além de outros estudos importantes em conexão com a teoria do Big Bang, em 1948 Gamow formulou, com assistência dos físicos Ralph Alpher e Robert Herman, a hipótese de que a explosão primordial postulada por Lemaître encheu o Universo com radiações muito quentes (trilhões de graus Kelvin, no iniciozinho da expansão).

- Essa radiação acompanha o Universo eternidade adentro, disse Gamow, e está atualmente na faixa de micro-ondas. Ela, que existia desde o iniciozinho da expansão, começou a circular quando o Universo deixou de ser opaco, exatamente por causa da expansão, com o surgimento de espaços vazios que permitiam a passagem da luz; quando a radiação começou a circular, o Universo tinha apenas 380 mil anos e sua temperatura já tinha decaído para 3.000 graus Kelvin.

George Gamow

- A radiação expande-se junto com o Universo, permeando-o totalmente, e está atualmente na temperatura de 5 graus Kelvin, conforme meus cálculos, postulou Gamow. Se houver algum meio de detectá-la, ouviríamos hoje um chiado de ondas de rádio vindo de todas as direções do espaço.

A radiação de Gamow e seus colaboradores ficou conhecida como Radiação Cósmica de Fundo em Micro-ondas (RCFM): um sinal eletromagnético, na forma de ruído, que preenche todo o céu.

- Sua existência poderia comprovar a teoria do Big Bang, com papel fundamental na Cosmologia.


Nucleossíntese do Big Bang

Uma ponto a favor da teoria do Big Bang veio ainda em 1948, com Gamow e Alpher conseguindo estimar as temperaturas e as densidades do Universo nos primeiros instantes da expansão, quando toda a matéria era ainda formada por uma colossal sopa de hidrogênio. Temperatura e densidade permitem estudar a nucleossíntese, ou seja, as fusões de elementos para obter elementos mais pesados. A nucleossíntese do Big Bang permitiu a Gamow e Alpher estabelecerem que após cinco minutos do início da expansão 25 % do conteúdo material, inicialmente todo de hidrogênio, converteram-se em hélio, surgindo, ainda, lítio e berílio, em proporções marginais. As percentagens encontradas nos cálculos coincidem com as do Universo real. (Os elementos mais pesados foram gerados muito depois, na nucleossíntese das estrelas e das supernovas, conforme estudos posteriores de Fred Hoyle.)

Universo inflacionário

Outra teoria que mais tarde surgiria alinhada com a do Big Bang, e em decorrência desta, foi a do Universo Inflacionário, do físico Alan Guth, do MIT (Massachusetts Institute of Technology), que dá uma explicação relativa ao iniciozinho do Universo: no primeiro trilionésimo de trilionésimo de trilionésimo de segundo, a contar do início da expansão, ocorreu a inflação do Universo.

- Inflação do Universo?

- Uma misteriosa força de antigravidade fez o Universo se expandir de maneira inimaginável, numa velocidade
muitas vezes maior do que a da luz. A cada tempo de 10 elevado a -37 segundo, o Universo dobrou de tamanho, dobrando algumas centenas de vezes num intervalo de tempo igual a 10 elevado a -35 segundo. Depois, a inflação cessou e o Universo material começou a se expandir normalmente.

- Muito complicado. Pode alguma velocidade ser maior do que a da luz?

- Nenhuma entidade material pode ter velocidade maior que a da luz. No caso, porém, o que se expandiu foi o espaço vazio.


Alan Guth

Imagine um balão que está sendo inflado, cheio de pontos na superfície, que representam as galáxias. Na superfície do balão, desenhe um círculo microscópico - este círculo microscópico representa o Universo visível, ou seja, tudo que podemos ver com os nossos telescópios. Se o Universo visível fosse do tamanho de um átomo, o Universo total seria maior do que o Universo visível.

- Caramba!

- O Universo visível parece plano, seguindo a geometria euclidiana, porque está curvado numa escala gigantesca, da mesma forma que a Terra, redonda, nos parece achatada.

Mera especulação?


O Big Bang mais parecia uma história de ficção do que uma teoria científica. Quem podia saber? Enquanto provas não fossem apresentadas, a teoria ficaria na classificação de "especulação científica", facilitando o surgimento de teorias alternativas, igualmente especulativas, como foi a teoria do Estado Estacionário, que será discutida no decorrer da próxima postagem.

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

BIOGRAFIAS

CONVERSAS DE ALCOVA

Cada biografia, uma hipótese

- Não confio nas biografias.

- Nem nas idôneas?


- Refiro-me somente às idôneas.

- Por quê?

- Porque o biógrafo tem de suprir as eventuais lacunas com suposições.

- Como assim?

- É necessário inventar de forma verossímil as realidades desconhecidas.

- Verdadeiras mentiras, é isso?

-
Mentiras verdadeiras. Há de ser assim, ou não haverá uma biografia fechada, quer dizer, completa. Dificilmente alguém dirá "vamos saltar o ano de 1997 por insuficiência de informações." Daí as ilações. Narradores diferentes, ilações diferentes, biografias diferentes.

- Mas isso vale para tudo: reportagens, pesquisas científicas, previsões do tempo, jogos de futebol, crônicas sociais etc.

- Um evento tem muitas versões, dependendo do narrador e das informações que ele possui.


- Meio complicado, pois distorcê-lo me parece a consequência....


- Lembre-se de que a minha hipótese só contempla o autor idôneo.


O caso do senador Leviatã

Aurora Leviatã

- Por que você levantou esse assunto?

- Li outro dia uma biografia do falecido Arnaldo Leviatã.

- O senador?


- Sim, escrita pela Aurora Leviatã, sua filha. Ela vê o pai como um perfeito chefe de família, excelente orador e homem público identificado com o melhor interesse nacional.

- Uma versão filial.

- Ela não sabia que o Leviatã tinha uma amante. Possuindo essa informação, provavelmente teria escrito uma biografia diferente.


- Se quisesse.

Arnaldo Leviatã

- Além disso, o senador era pouco inteligente, mas muito esforçado. Seus discursos eram escritos por assessores, e ele os decorava, treinando horas a fio diante do espelho. Por que nunca concedia nenhum aparte? Porque não saberia replicar o que não havia decorado. Todos o tinham como um Demóstenes e, no entanto, não passava de um ator de segunda categoria, a despejar textos alheios. Isso não daria uma terceira biografia?

- Com certeza.


- E se eu lhe disser que Aurora Leviatã não é filha dele, mas do amante de sua mãe, de cuja existência nem pai nem filha jamais chegaram a saber?


- Isso complica a coisa toda.


- É praticamente impossível saber sobre a vida de alguém de maneira integral, nem o saberia a própria pessoa a ser biografada. É uma característica absolutamente geral, extensível a todos, sem exceção, pois nem biógrafos nem biografados conhecem a totalidade dos fatos da pessoa a ser biografada. Eu tenho uma versão de mim, talvez a mais próxima da verdade, mas uma versão. Como há lacunas, é necessário supri-las...


- É, versões, Boca de Ouro...

- Não, não. No Boca de Ouro as três versões são dadas pela mesma mulher, que não era idônea, já que pelo menos duas, das três, eram versões propositadamente falsas. Falo das versões verdadeiras.

- Entendi perfeitamente. Até a verdade é uma versão.

- Por isso eu jamais quereria ser jurada, e ter de decidir entre a verdade da acusação e a verdade da defesa, que costumam ser opostas.

- Necessariamente. Com você, no meio, condenando ou absolvendo.

sábado, 14 de agosto de 2010

LEIS DE PARKINSON

PRINCÍPIO DA BANALIDADE



As tomadas de decisão nos órgãos colegiados foram estudadas por Cyril Northcote Parkinson(1909-1993), aquele da Lei de Parkinson, cujo Princípio da Banalidade, alusivo a essa questão, tem o seguinte enunciado:

"O tempo despendido nas discussões de cada item de uma reunião diminui quando aumenta o custo monetário envolvido."

Em seu livro, Parkinson mostrou o comportamento de um órgão colegiado de uma instituição inglesa, que na mesma reunião discutiu a aquisição de um reator atômico, no valor de 10 milhões de dólares, a construção de um galpão para estacionamento de bicicletas dos operários, no valor de 2.350 dólares, e uma autorização para serviço de cafezinho, com custo de 4,75 dólares por mês. Os dólares mencionados referem-se a 1957.
O tempo para decidir sobre o reator, cuja proposta estava instruída por estudos técnicos e pareceres diversos, foi de apenas 2,5 minutos, pois os encarregados da decisão entendiam pouco de reatores atômicos e de suas finalidades, não registrando a ata da reunião nenhum comentário sobre o projeto ou objeção a ele. Desse modo, o reator foi aprovado.

Por sua vez, o galpão das bicicletas tomou do colegiado o tempo de 45 minutos, uma vez que todos quiseram comentar os aspectos sociais envolvidos, as vantagens dos tetos de ferro galvanizado sobre os de alumínio, o tipo de pintura do galpão, os benefícios de pedalar para a saúde dos empregados e a possibilidade de surgir algum ciclista campeão, o que seria muito bom para a imagem da organização. O galpão foi igualmente aprovado.

O serviço de cafezinho, finalmente, provocou discussões exaustivas sobre a duração dos coffee breaks, os males e os benefícios do café, o custo do pó, o tipo de adoçante, a alternativa de servir chocolate, em vez de café, ou de servir ambos, café e chocolate, e outras questões correlatas, ficando a decisão adiada para a reunião seguinte, pois se solicitou à divisão de pessoal que acrescentasse informações que instruíssem a questão de forma adequada.

Seis horas discutindo sobre o cafezinho

Sedes Suntuosas

Outro estudo de Parkinson refere-se às sedes das organizações, sendo certo que a perfeição da estrutura é alcançada somente quando a instituição considerada já se encontra em estado de decadência ou em estado de ociosidade. A explicação é simples: durante o período de crescimento e expansão, não há tempo para se pensar em instalações perfeitas; o tempo para isso vem mais tarde, quando não houver mais trabalho importante a realizar. De fato, o Vaticano e a Basílica de São Pedro foram concluídos quando o Papado já havia perdido boa parte do seu poder; o mesmo aconteceu com a Liga das Nações, que perdeu sua importância e até deixou de existir logo após a inauguração do Palácio das Nações, em 1938; o Palácio de Versailles, que vinha sendo construído desde 1669, foi inaugurado como sede da Monarquia Francesa em 1756, a apenas 33 anos da Revolução Francesa, que exterminou a dinastia dos Luíses e a própria monarquia; assim também, o Palácio de Buckingham passou a ser a residência de uma monarquia britânica ociosa na mesma ocasião em que esta cedia seu poder a um governo parlamentar, sendo importante acrescentar que o primeiro-ministro, que tem o poder político e administrativo na Inglaterra, habita uma residência aparentemente normal, situada na Downing Street, 10; a própria Inglaterra foi varrida da Índia após construir Nova Delhi, esplêndida na concepção, impressionante nos detalhes, magistral nos planos e impressionante na escala. Ah, o Pentágono, em Arlington, na Virgínia, só ficou pronto na etapa final da II Guerra Mundial, quando já se havia concluído no mal-amanhado Edifício das Munições todo o planejamento militar dos americanos naquele conflito.


Palácio de Buckinghan

Coquitéis

Outra observação curiosa de Parkinson diz respeito ao comportamento das pessoas importantes nas festas e coquetéis. Elas chegam às reuniões entre 30 e 45 minutos após iniciada a festa, entram pelo lado esquerdo do salão, circulam-no no sentido dos ponteiros do relógio e se retiram uma hora antes do seu término.
São pessoas importantes, com efeito, as pessoas que se agrupam do lado esquerdo do salão, quase na sua parte final, 90 minutos a contar do início da festa.
Parkinson dá as explicações: a pessoa importante não entrará antes que haja um número de pessoas suficientemente grande para observar sua chegada, nem depois que outras pessoas já se foram; o sentido horário é o sentido da correnteza humana, por ser o do lado do coração; essas pessoas retiram-se antes do fim da festa, algo como 60 minutos, para que sua saída seja percebida por todos, pois querem muitas testemunhas que atestem a sua presença no evento.
Quem faz diferente não é importante.

- Vamos para o lado esquerdo...

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

POR QUE VOU GANHAR NA SENA

COINCIDÊNCIAS ABUNDANTES

Seria meu primeiro dia de trabalho, após as férias. Ao caminhar pela orla, como faço todas as manhãs, avistei o cantor pernambucano Alceu Valença, que, num festival de canções de que me recordo remotamente, cantou a música “Trem de Alagoas: Vou Danado para Catende”, com letra do Ascenso Ferreira.

Após o café, passei os olhos nas principais manchetes. No primeiro caderno: “Morre o cantor Frank Sinatra”, “Mercados param no mundo à espera do pronunciamento do primeiro-ministro japonês”, “CPI investigará especulação na Bolsa de Valores” e “Trabalhador carioca entre os melhores do mundo”. Vi depois no caderno de variedades: “Manoel de Barros completa 82 anos” e “Zizi Possi lança o álbum de canções napolitanas "Per Amore”.

Vínculo claro

Eu, que já me intrigara vendo o Alceu Valença na praia, percebi um vínculo muito claro dessas notícias com o meu sonho absurdo e, entre curioso e assustado, pus-me a correlacioná-lo com os eventos que foram sucedendo a meu redor naquele dia.
De fato, quando cheguei ao trabalho, informaram-me do inesperado prejuízo do exercício e do acidente com o duplo cilindro na divisão de embalagens. Resultado: dois operários feridos. Havia divergências sobre as causas do sinistro, mas o sindicato decidira me responsabilizar judicialmente pelo ocorrido.

Ao final do dia exaustivo, o mais curioso: recebi a incumbência de comandar um jantar de negócios, oferecido pela nossa empresa a empresários franceses.


- Onde será?

- No Saint Honoré.


- Caramba!

Santo Honoré

Seguiram-se mais coincidências. Na recepção do hotel, atendeu-me uma loura, queimada de sol, muito parecida com uma das atrizes do filme no qual o Tim Roth fez o papel de criado e o próprio Tarantino desempenhou o personagem
"The Man From Hollywood", que tem o dedo decepado.

Padre Argel, um antigo professor que eu admirava por seus conhecimentos de Latim, Francês e Alemão, fora contratado pelo nosso serviço de relações institucionais e, misturado aos convidados, prestava seus serviços de intérprete remunerado. Ele me garantiu, na ocasião, que era conhecedor do Italiano, tanto o dialeto toscano quanto o napolitano. Terminado o jantar, a conta me foi trazida pela loura da recepção: sete mil reais. Sete mil reais!
No dia seguinte, porém, a nossa companhia recebeu de volta o cheque
que eu emitira, pois o Saint Honoré, sentindo-se prestigiado com o evento, decidira dispensar o pagamento: uma cortesia da casa em homenagem aos convidados franceses...

Desconstruindo o sobrenatural


Muitas, portanto, as correlações do sonho com o meu primeiro dia de trabalho. O que isso representava? Seriam desimportantes, não mais do que um mero exercício de wishful thinking? Será que, bem examinadas, as coincidências não passavam mesmo de coincidências, prosaicas simultaneidades previstas no âmbito do universo e esperadas nos termos da mecânica quântica e da relatividade geral?

Não sei como tia Estefânia e Lord Kilbracken, se ainda vivos, explicariam seus sonhos premonitórios. Com certeza nem tiveram essa preocupação.
O mais razoável para mim era desconstruir o sobrenatural. Comecei banalizando o Alceu Valença: pode-se vê-lo todos os dias, caminhando na praia do Leblon, faça sol ou esteja chovendo. Logo, sonhar com o Ascenso e ver o cantor na praia não encerra nenhuma coincidência. E mais: crise nos mercados asiáticos, CPI do Congresso para apurar coisa nenhuma e mais um lançamento de músicas napolitanas pela Zizi Possi, tudo isso são eventos igualmente corriqueiros.

Frank Sinatra devia frequentar o sonho de milhões de pessoas, pois no inconsciente coletivo se tramava sua vitória contra a enfermidade irreversível. Manoel de Barros fazer 82 anos também não constitui nenhuma aberração, pois todas as pessoas vivas que nasceram em Cuiabá em 1916 comemoram 82 anos exatamente em 1998. Carioca melhor do que japonês, quem porventura não sabia disso? Prejuízos nos balanços, acidentes nas máquinas, questões judiciais, padres que conhecem idiomas e louras dolicocéfalas nas recepções, onde a novidade? Mais uma vez o banal ganha fácil do sobrenatural.

- So far, so good...


Será isso mesmo?


Há, todavia, pormenores que não conseguirei banalizar. Sete mil reais eu entreguei à loura da recepção e sete mil reais o gerente devolveu no dia seguinte, um aporte de capital recíproco, puro equity, que eliminou todas as exigibilidades. Além disso, eu nunca havia sido designado para liderar nenhuma recepção e nunca estivera no Saint Honoré, o que me deixou com a sensação de que meu sonho violou hierarquias e inverteu por alguns instantes a seta do tempo.


Recorrendo à história e à literatura

Nostradamus

Muita gente descreveu com antecedência a tragédia do Titanic.
Sir Isaac Newton acreditava em astrologia. Nostradamus, que morreu em 1566, não faz previsões até hoje?

- Non creo en brujas, pero que las hay, las hay.


- There are more things in heaven and earth, Horatio, than are dreamt of in your philosophy.


- Le coeur a ses raisons que la raison ne connait point.


Por via de todas as dúvidas


Passei a dormir com papel e caneta ao lado da cama. Quem sabe um segundo sonho, completo, cheio de peripécias e correlações banalizáveis, mas nem todas? Tia Estefânia e Lord Kilbracken foram beneficiados, mas de maneira pouco importante, numa época em que não havia sena acumulada. A qual, cavalo matreiro, sempre desencabula em favor de alguém.
Pois é, a gente nunca sabe.
..

sábado, 7 de agosto de 2010

UNIVERSO EM EXPANSÃO (2/2)

NEM EINSTEIN ACERTAVA TUDO...

A Teoria da Relatividade Geral, de Albert Einstein, apresentada em 1915, indicava que a atração gravitacional teria como consequência o colapso do Universo ("Big Crunch")
, se estivesse atuando isoladamente e em caráter exclusivo. Como nenhum colapso tem perspectiva de ocorrência, a gravidade entre as galáxias deveria estar encontrando forças contrárias, que

(1) contrabalançavam exatamente a gravidade e mantinham o Universo em equilíbrio (Universo estático);

ou

(2) excediam a gravidade e ainda determinavam a expansão do Universo.
Einstein optou pela hipótese (1), rechaçando a expansão do Universo, para o que teve a ideia de introduzir nas suas equações um efeito antigravitacional, a que chamou de constante cosmológica, que teria a missão de impedir a aproximação entre as galáxias. A constante cosmológica seria uma pressão inerente ao espaço, desprezável em distâncias curtas, mas significativa nas imensas distâncias do Universo, capaz de neutralizar a gravidade e de ser por ela neutralizada. Com esse truque, Einstein "salvava" o Universo como estático, da forma como imaginado por Aristóteles e Isaac Newton.

- O Universo é estático, ora pois.

Friedmann
Friedmann

- A solução das equações para o Universo estático é inviável

Houve, porém, o trabalho de Friedmann, em 1922, que considerou a solução da constante cosmológica instável e inconsistente. Para Friedmann, a solução correta das equações de Einstein indicava que o Universo devia estar em expansão e assim continuar indefinidamente, a não ser que em futuro muito distante a força de expansão se tornasse inferior à força da gravidade, de maneira a substituir a expansão pela contração, uma reversão que só seria possível prever se pudéssemos determinar a massa total do Universo.
Universo existe expandindo-se ou contraindo-se, nunca estático. Einstein repudiou inicialmente a tese de Friedmann, desqualificando seus cálculos. Ao fim e ao cabo, porém, e não sem constrangimento, Einstein reconheceu ser matematicamente possível o que Friedmann afirmara, insistindo, porém, que a solução do Universo estático, pela via da constante cosmológica, era não somente igualmente possível, mas a que prevalecia no nosso Universo.

Einstein
- Donde se conclui que o Universo é estático.


Edwin Hubble

Friedmann faleceu em 1925, com 37 anos, vítima de uma febre tifoide, e desse modo não ficou sabendo do resultado do seu debate com Einstein. Que veio sob a forma de uma vitória espetacular de Friedmann, não só por ser Einstein o cientista mais aclamado da história da ciência, como por ter usado no debate as equações do seu ilustre adversário.
O desfecho ocorreu em 1929, quando o astrônomo americano Edwin Hubble, trabalhando com um telescópio de cem polegadas,
no observatório de Monte Wilson, na Califórnia, percebeu que as luzes emitidas pelas 46 galáxias por ele observadas apresentavam desvios para o vermelho, ou seja, essas galáxias estavam se afastando da Terra. O mesmo Edwin Hubble que em 1923 havia feito a proeza de determinar a distância de uma cefeida, na nebulosa de Andrômeda, a 900 mil anos-luz da Terra, provando que Andrômeda é uma galáxia para além da Via Láctea, que tem, de ponta a ponta, "apenas" 100 mil anos-luz.

Efeito Doppler
Christian Andreas Doppler

O desvio para o vermelho, que torna a luz emitida mais avermelhada, decorre do que em Física se conhece como efeito Doppler: se uma fonte luminosa se afasta de um observador, o comprimento da onda da luz emitida aumenta e a luz tende para o vermelho; se a fonte luminosa se aproxima, a luz "desvia" para o azul. (Da mesma forma, se uma fonte sonora se afasta o som percebido fica mais grave; se a fonte se aproxima, o som fica mais agudo.)

Carros, `a mesma distância, mas em movimento, emitem "ré":
o observador ouve "mi", do carro que se aproxima, e "dó", do que se afasta.


Edwin Hubble

- O Universo está em expansão

Além disso, Hubble descobriu algo ainda mais extraordinário: quanto mais distante a galáxia, mais veloz é a sua velocidade de afastamento, o que ficou conhecido como "Lei de Hubble". Uma galáxia se afasta da Terra à razão de 71 quilômetros por segundo para cada megaparsec (3.260.000 anos-luz) que dessa galáxia nos separa; desse modo, uma galáxia que se situa a 10 megaparsecs da Terra desta se afasta à razão de 710 quilômetros por segundo.

Lei de Hubble: velocidade de fuga das galáxias versus distância
(cerca de 71 quilômetros por segundo/megaparsec)

Franca e decidida expansão

- É impossível acertar tudo...

A fuga das galáxias ocorre porque o nosso Universo está em expansão, conforme indicado pelas equações de Einstein, na forma corretamente interpretada por Friedmann. Derrotava-se assim o Universo estático de Aristóteles, não obstante a crença geral e o apoio que recebeu de Aristóteles, Newton e Einstein.

- O Universo em franca e decidida expansão, e você, aqui embaixo, recusando-se a me beijar, disse Woody Allen para a enfermeira.

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

TARANTINO E RINTINTIN

No banco dos réus

Compareci ao tribunal com a intenção de explicar a queda nas vendas, os preços declinantes dos nossos produtos, os juros altos, os problemas da caldeira, a concorrência predatória, o aumento dos impostos, as indenizações trabalhistas e as chuvas inesperadas e inclementes, que destruíram as instalações que mantemos a céu aberto.

- Onde a culpa, se esses eventos não estavam previstos no orçamento?


Meus argumentos eram apenas um vetor da questão, pois seria necessário dar a palavra a outras pessoas, respeitando a diversidade que justifica plebiscitos e permite a existência de hipódromos.
(Neste ponto peço um voto de confiança, mínimo que seja, àqueles que tiveram a ventura de não ter estudado nem cálculo das probabilidades nem teoria da relatividade.)

O juiz ordenou que eu me sentasse respeitosamente no banco dos réus e, sem outras considerações, foi logo perguntando:

- O senhor se encontrou com a loura da praia quantos metros depois de invadir o pregão?

Meu primeiro impulso foi responder que o encontro se dera 417,6 metros depois, tanto que cheguei a exclamar:

- Meritíssimo...

Contei até dez, como sempre faço, e, num reflexo providencial, dei-me conta de que o magistrado, pela maneira como construíra a pergunta, não fazia distinção nenhuma entre espaço e tempo: conhecia, pois, a teoria da relatividade e por certo sabia muito bem que há uma física para cada observador. Eu tinha de responder àquela pergunta sem deixar prosperar nenhuma controvérsia. Não podia mentir, nem parecer que estava mentindo, pois qualquer mal-entendido seria usado contra mim.
(Para Richelieu, mentir só se necessário.)


- Meritíssimo, isso depende.

- Depende de quê?

- Depende do referencial.

O juiz deu-se por satisfeito e passou à pergunta seguinte:


- Como o senhor conheceu a loura da praia?


- Ela trabalhou num filme do Tarantino.


- Cães de aluguel?


- Pode ser, pois o filme era com o Rintintin.

O juiz, satisfeito mais uma vez, começou a interrogar as testemunhas. Foi então que o gerente do hotel me acusou de ignorar os sete mil reais que a loura da praia deixara em consignação no Saint Honoré e fora por isso obrigado a enviar a quantia para a minha residência, com todos os inconvenientes que isso acarretou. O relator da CPI, recém-chegado de Brasília, acusou-me de invadir o pregão da Bolsa de Valores, num momento de grande efervecência internacional, e de espionar os trabalhos legislativos, num dia particularmente agitado do Congresso Nacional. O padre do avião acusou-me de ter inveja de Lucio Dalla e de Ascenso Ferreira e de fazer versões contra o mártir São Sebastião, como podiam atestar os que frequentam aviões de carreira, como também os que fazem caminhadas na praia.

- Uma inveja diária, meritíssimo, uma inveja diária!


O Zé Pretinho e o Chico Pé de Ganso me acusaram de haver aceitado suas sugestões para resolver os problemas da engrenagem e da embalagem. Por minha culpa, não podiam mais queixar-se de que ninguém aceitava suas sugestões. A loura da praia aproveitou o ensejo e me acusou de haver insinuado que ela tinha um caso com o Tim Maia, só porque trabalhara num filme do Quentin Tarantino, que positivamente não era Cães de Aluguel.


O juiz acusou-me de litigação prevaricativa.
(Sem saber o que isso significava, fui depois ao Aurélio e fiquei sabendo que “litigação” e “prevaricativa” são palavras não relacionadas na norma culta. O juiz laboraria melhor se se expressasse em latim, tachando-me de "improbus litigator"...)

Em seguida, o magistrado teve a gentileza de dispensar as testemunhas de defesa e deu início aos debates. Todos me acusavam e, na sua diversidade, usavam diferentes referenciais:


- Ele é imputável!

- Ele é inimputável!


No calor da discussão o juiz fez prevalecer sua autoridade com acionar a campainha.

Nesse ponto o sonho confundiu-se com a realidade, pois acordei ao som estridente do meu despertador. Permaneci uns bons tempos deitado, lembrando-me das peripécias do sonho impossível.

- Sonho, tudo um sonho absurdo!