domingo, 30 de novembro de 2008

A IMAGEM DO UNIVERSO (6/n)

PITÁGORAS

Pitágoras (cerca de 570 - 500 a.C) cresceu na ilha de Samos, próxima de Mileto, o que lhe permitiu ter acesso aos ensinamentos de Anaximandro. Transferiu-se depois para junto dos sacerdotes egípcios e babilônios, onde viveu muitos anos, estabelecendo-se depois em Crotona, no Sul da Itália, que na ocasião fazia parte da Magna Grécia.
Fundou em Crotona uma escola científica, de forte conotação mística, que logo se estendeu até as regiões vizinhas. Nela se desenvolveu a idéia de que o esforço de purificação e libertação da alma deveria concentrar-se na busca da estrutura numérica das coisas. Enquanto os milésios postulavam que o elemento primordial tinha base individual (água, ar, ápeiron) e Heráclito situava-o no "fogo", Pitágoras admitia que o mesmo devia ser buscado nas relações matemáticas.
Para entrar na escola de Pitágoras, era exigida uma iniciação, e os segredos da contemplação divina na perfeição dos números deviam permanecer restritos ao círculo pitagórico, pois eram proibidos para o restante da humanidade. Pitágoras não permitia que se divulgassem as idéias debatidas na organização, e suas sentenças (em grego, mathémata) eram formuladas de modo peremptório e aceitas sem discussão.

Crotona

Uma sociedade assim esotérica gerava todo tipo de desinformação e fazia recair sobre Pitágoras atributos e lendas que não se coadunam com a imagem normal de um filósofo grego: semideus, encantador de serpentes, milagreiro, desceu aos infernos, podia ouvir a música que vinha do céu...
Tudo isso acabou gerando uma grande rebelião popular que terminou com a destruição da escola; consta que Pitágoras conseguiu fugir para Metaponto, onde veio a falecer.

Uma das lendas

Hipassus, um pitagórico do qual pouco se sabe, cometeu o crime de divulgar a existência dos números irracionais (como o número π = 3,1415.... , a raiz quadrada de dois = 1,4142... e o número e = 2,7182...), um segredo pitagórico, e foi atirado ao mar pelos seus colegas da Escola de Pitágoras.

Numa outra versão, mais amena, Hipassus foi apenas expulso da comunidade, mas Pitágoras fez erigir um sepulcro com o seu nome.

Matemática

Pitágoras era na verdade uma conseqüência do seu tempo. Seus contemporâneos, de Samos, Mileto e outras cidades do mar Egeu, já sabiam navegar a distâncias relativamente longas e tinham grande capacidade nas artes práticas, tendo inventado a roda do oleiro, o nível, o torno, o esquadro e o gnomon, um estilete utilizado no relógio de Sol para marcar o tempo e determinar a hora do meio-dia. Um túnel chegou a ser construído em Samos.
Vários historiadores indicam ter sido aquele um período de grande efervescência e curiosidade, exacerbadas pela adoção do regime monetário, pois o advento da moeda estimulava o comércio, a navegação, o artesanato, as trocas de informações e as grandes construções, o que propiciava o desenvolvimento dos cálculos numéricos e da geometria.

Pitágoras foi, de fato, um dos mais importantes matemáticos de todos os tempos, estando entre suas proezas a demonstração do Teorema de Pitágoras (num triângulo retângulo, o quadrado da hipotenusa é igual à soma dos quadrados dos catetos), a prova de que a soma dos ângulos de qualquer triângulo é igual a 180 graus e a descoberta da incomensurabilidade da razão entre o comprimento e o diâmetro de uma circunferência (ou seja, o número π = 3,1415...).
Os Pitagóricos também descobriram a conexão que existe entre o comprimento de uma corda sonora e o som que ela emite. Cordas curtas, som agudo, uma oitava acima sempre que o comprimento da corda for reduzido à metade. Foi por isso que a melodia e a harmonia foram arroladas como disciplinas aritméticas e, até a Idade Média, a música era ensinada nas escolas como parte da matemática.

Tudo é número

Pitágoras caracterizou-se por ter entronizado a matemática como elemento fundamental de religiosidade. Pois as descobertas matemáticas levaram os Pitagóricos a concluir que tudo pode ser reduzido a números, cabendo aos sábios a tarefa de descobrir as relações numéricas envolvidas em cada fenômeno e nas manifestações da Natureza. Tudo estava nos números, sendo estes a raiz e explicação de todas coisas.

Ele e seus adeptos encontraram nos números o próprio nutrimento e afirmavam que uma determinada propriedade dos números se identifica com a justiça, uma outra com a alma e com o intelecto e assim por diante. Tudo é número. Exagero que seja, os pitagóricos nunca deixaram de ter seus seguidores entre os físicos, guardadas as diferenças de abordagem e de circunstâncias. Wilhelm Röntgen, que em 1895 descobriu os raios X, costumava dizer para os físicos:

- Vocês precisam de três coisas: matemática, matemática e matemática.

domingo, 23 de novembro de 2008

IMAGEM DO UNIVERSO(5/n)

O mundo de Anaximandro


Anaximandro (cerca de 610 - 547 a. C.), discípulo e sucessor de Tales de Mileto, político, matemático, geógrafo e astrônomo, foi o introdutor do relógio do sol na Grécia e descobridor do ângulo formado pelo plano da eclíptica e o plano do equador celeste. Anaximandro chegou a calcular a magnitude das estrelas e a distância entre elas. Fundador da cartografia, foi dele o primeiro mapa do mundo habitado, desenhado numa tábua. No seu entendimento, os animais, gerados a partir da água evaporada do Sol, perderam sua umidade ao se afastarem para as partes secas. Achava ainda que, na sua origem, os seres humanos se confundiam com os peixes.

Superfície habitada

Sua contribuição mais importante foi, porém, um modelo de Universo de características mecânicas, a primeira formulação desse tipo na Astronomia. Segundo Anaximandro, a Terra teria a forma de um cilindro cuja parte superior seria a região habitada, sendo de um terço a razão entre a altura do cilindro e o diâmetro da base. A Terra estaria no centro do cosmo, sendo envolvida pelo ar e pelas nuvens, não repousando em cima de nada, pois está onde está por seu próprio equilibrio, "dada a equivalência de suas distâncias em relação a tudo".

Muito além dessa região, o que havia era fogo, dela separado por uma roda que circundava a Terra e girava a seu redor, com furos que permitiam que a luz do fogo a iluminasse. Um destes furos seria o Sol, outro, a Lua, e cada estrela, um furo menor. Eclipses eram devidos ao bloqueio parcial ou total do furo.
no modelo de Anaximandro, pode-se reconhecer a utilização da geometria - círculo, cilindro, diâmetro, base, altura. Como também uma explicação racional para os fenômenos: o fogo externo, que explica a iluminação terrestre; a roda que se movimenta, levando e trazendo o Sol, para justificar o dia e a noite; a vedação dos furos, para explicar os eclipses.

Xenófanes de Colofon

Xenófanes

Xenófanes (cerca de 570 a.C.- 460 a.C.), filósofo que viveu ao tempo de Pitágoras, era contestador e de vida errante, ele que sempre se expressou por meio de versos.
Nascido em Colofon, na Jônia, passou parte da sua vida na Sicília.
O historiador e biógrafo Diógenes Laércio afirmava que Xenófanes tinha grande admiração por Tales, por sua capacidade de prever eclipses solares. Seus versos falavam de religião, amor, vinho, flores, esportes, mas também faziam críticas à mentalidade vulgar e aos deuses do Olimpo.
De Xenófanes restaram apenas fragmentos, uma centena de versos.
Alguns deles enfatizam a conduta:

“Não é excesso beber se consegues voltar a casa sem guia
e se não fores idoso. É de louvar-se o homem que,
bebendo, revela atos nobres, como a memória que tem
e o desejo de virtude, sem falar nada de titãs, nem de gigantes,
nem de centauros, ficções criadas pelos antigos,
ou de lutas civis violentas, nas quais nada há de útil.”

Outros versos são verdadeiras teorias físicas:

"O mar é a fonte da água, a fonte do vento;
pois, sem o grande mar, nas nuvens não
haveria a força do vento que sopra para
fora, nem as correntes dos rios, nem
a água chuvosa do éter. É o grande mar
que engendra as nuvens, ventos e rios."

Alguns versos se caracterizam pela oposição ao antropomorfismo:

“ Se os bois, os cavalos e os leões tivessem mãos e pudessem com elas desenhar e criar obras como fazem os homens, desenhariam bois semelhantes a bois, cavalos semelhantes a cavalos, leões semelhantes a leões, e deuses semelhantes a bois, cavalos e leões.”

“- Os egípcios dizem que os deuses têm nariz chato e são negros;
os trácios, que têm olhos verdes e cabelos louros.”

Xenófanes também se opõe aos deuses concebidos por Homero e Hesíodo:

“ - Homero e Hesíodo tudo aos deuses atribuíram,
até mesmo o que entre os homens merece repulsa
e censura, como roubo, adultério e fraude recíproca.”


E o mundo de Xenófanes?

Para ele, tudo vem da terra e na terra tudo termina; terra e água constituem tudo quanto é e pode crescer; todos nascemos da terra e da água.
É natural que, com essas idéias, Xenófanes tenha do mundo uma idéia que não recorre a deuses nem a mecanismos e processos sobrenaturais.
De fato, seu modelo de mundo comporta apenas processos físicos.
A Terra libera gases que se acumulam durante toda a noite, a qual termina quando, atingida uma massa crítica, os gases se incendeiam fazendo surgir o Sol. A noite se inicia novamente quando o gás se queima quase completamente, o que faz extinguir o Sol, restando as centelhas que chamamos de estrelas.


A Lua é explicada de maneira semelhante, num processo em que o ciclo de 24 horas é substituído pelo de 28 dias.

sábado, 15 de novembro de 2008

IMAGEM DO UNIVERSO (4/n)

O elemento primordial


- Água, ar ou ápeiron?

Anaximandro, discípulo de Tales, concordou com a idéia do elemento primordial e indicou-o como sendo o ápeiron (= "sem limite"): uma substância indefinida, distinta e caótica, susceptível a infinitas divisões provocadas pelas alternâncias entre quente e frio. Tudo, enfim, seria ápeiron.
Anaxímedes, outro discípulo de Tales, descartou a água e o ápeiron e para elemento primordial escolheu o ar, que tudo podia gerar mediante processos de rarefação e condensação.
Ou seja, nem mesmo os discípulos milésios aceitaram a idéia do mestre de que tudo era água: estabelecido o contraditório, inaugurava-se desse modo o processo científico, que se caracteriza pelas hipóteses sucessivamente formuladas e... substituídas.

Heráclito de Éfeso
Heráclito

A discussão não ficou restrita a Mileto, pois logo se alastrou para as outras ilhas do mar Egeu e para o restante do mundo grego.
Heráclito (cerca de 540-480 a. C.), natural de Éfeso, era um brilhante e mau-humorado filósofo, que vivia em completo isolamento. Em permanente oposição à sociedade, muitas vezes a provocava, como num de seus famosos aforismos:

"Um só homem vale por dez mil, se for o melhor."

Tendo contraído hidropisia, uma acumulação de líquido aquoso nas cavidades do corpo, aos médicos perguntou se seriam capazes de "produzir uma seca depois de uma tempestade". Como ninguém entendeu a metáfora, Heráclito escolheu a curiosa terapia de enterrar-se no esterco até o pescoço, deixando-se permanecer, assim, até a morte.
Outros aforismos de Heráclito:

"Tudo flui e nada permanece."

"Não nos banhamos duas vezes no mesmo rio."

"A Natureza ama esconder-se."

Templo de Artemis, em Éfeso

Os gregos, sem dúvida, são chegados à discussão. Heráclito aceitou a idéia de Tales sobre a existência de um elemento primordial. Para ele, entretanto, o princípio gerador da realidade é o fogo. Todas as coisas são permutas de fogo, dizia. Na sua argumentação, o fogo, capaz de transformar uma coisa em outra, era o elemento primordial e homogeneizador, comparando-se com o dinheiro, na capacidade deste de trocar-se por qualquer mercadoria.

Empédocles de Agrigento

Empédocles de Agrigento (cerca de 490-435 a. C.) foi autor de uma alentada obra de cinco mil versos, poetando sobre idéias abundantes, entre as quais uma bizarra teoria da evolução. Animais experimentais, a assumirem todas as configurações, testando-se com rabo, chifres, asas e escamas, como quem experimenta camisas ou sapatos, até adquirir seu estágio atual.
Empédocles defendia a transmigração das almas e dizia-se capaz de ressuscitar os mortos, de influenciar os ventos e de provocar chuvas.
Querendo demonstrar sua divindade, Empédocles atirou-se na cratera do Etna e foi tragado por suas lavas.

Sua maior contribuição na discussão sobre o arché foi a concepção de que o mundo seria composto, não de um único elemento primordial, mas de quatro, terra, água, fogo e ar, conforme se resume nos seus versos:

“Tudo retornará aos seus elementos de origem:
Nossos corpos, à terra,
Nosso sangue, à água,
O calor, ao fogo,
E nossa respiração, ao ar.”

Empédocles

O que une e desune os quatro elementos, afirma Empédocles, são dois princípios: atração e repulsão ( o “amor” e o “ódio”).
O predomínio de uma ou outra força explica o estágio de desenvolvimento do Universo.
Os quatro elementos e os dois princípios são eternos e imutáveis, mas as substâncias formadas por eles são cambiáveis e pouco duradouras. Disse ele em versos:

“...algumas vezes, do múltiplo configura-se um único ser;
em outras, ao contrário, divide-se o uno na multiplicidade...”



Demócrito de Abdera
Demócrito

Demócrito de Abdera (cerca de 460 - 360 a.C.), que, além de filósofo, conhecia matemática, astronomia, geometria, geografia, meteorologia, história, linguística e música, adotou como elemento primordial uma partícula invisível e indivisível, que propôs fosse chamada de átomo, que para ele existe em grande quantidade no espaço vazio infinito.

- Tudo que existe são átomos e vazio.

Muitos atribuem essa concepção do átomo a Leucipo, seu mestre, mas é certo que Demócrito foi responsável pelo detalhamento da teoria e por sua divulgação.

Para Demócrito, os átomos são infinitos, indivisíveis
, eternos e, sendo embora todos iguais em qualidade, diferentes quanto à forma, ordem e posição. Toda e qualquer substância é feita de uma combinação de átomos.
A teoria de Leucipo e Demócrito, exceto pela palavra "átomo", tem pouco a ver com a moderna concepção atômica desenvolvida a partir de Dalton (1803), Thompson (1898), Rutherford (1911), Bohr (1913), Chedwick (1932) e Gell-Mann (1961), segundo a qual o átomo não é indivisível, mas formado por prótons, nêutrons e elétrons, que são partículas subatômicas.
Por sua vez, os prótons e os nêutrons também não são indivisíveis, mas formados por quarks, que se distribuem segundo seis "sabores": up, down, charm, strange, top e bottom.


Próton: dois quarks "up" e um quark "down"

Existem 92 átomos diferentes, correspondendo aos 92 elementos encontrados na natureza.

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Walt Whitman

Os temas de Walt Whitman, um dos grandes da poesia americana, são a natureza, a democracia, a sensualidade e um "eu profundo", capaz de se identificar com todas as coisas. Sua obra mais importante é uma coleção de poemas a que deu o título de "Leaves of Grass" ("Folhas de Relva"), da qual faz parte a poesia "Poet of the Body and Poet of the Soul".


Poet of the Body and Poet of the Soul


Poeta do Corpo e Poeta da Alma

Whitman

I am the poet of the Body and I am the poet of the Soul,
The pleasures of heaven are with me and the pains of hell are with me,
The first I graft and increase upon myself, the latter I translate into new tongue.

Sou o poeta do Corpo e sou o poeta da Alma.
Comigo estão os prazeres do céu e as penas do inferno estão comigo,

Aqueles incorporo e aumento dentro de mim, e estas traduzo em nova linguagem.

I am the poet of the woman the same as the man,
And I say it is as great to be a woman as to be a man,
And I say there is nothing greater than the mother of men.

Sou poeta da mulher tanto quanto do homem,
E quero dizer que é sublime ser mulher quanto é ser homem,
E que nada pode ser maior que a mãe dos homens.

I chant the chant of dilation or pride,
We have had ducking and deprecating about enough,
I show that size is only development.

Eu canto o canto da distensão ou orgulho,
E, porque já tivemos suficiente evasão e censura,
Defendo que grandeza é apenas evolução.

Have you outstript the rest? are you the President?
It is a trifle, they will more than arrive there every one, and still pass on.

Você se sobressaiu do resto? você é o Presidente?

Isso é bobagem, pois cada um vai chegar a você, todos eles, e até o ultrapassará.

I am he that walks with the tender and growing night,

I call to the earth and sea half-held by the night.

Eu sou o que caminha pela noite que se expande suavemente,
E invoco a terra e o mar, já meio abraçados pela noite.

Press close bare-bosom'd night--press close magnetic nourishing night!
Night of south winds--night of the large few stars!
Still nodding night--mad naked summer night.

Abraça-me apertado, amiga noite nua - abraça-me apertado, magnética noite nutridora!
Noite de ventos do sul - noite de parcas e grandes estrelas!
Noite ainda vacilante - nua e louca noite de verão.

Smile O voluptuous cool-breath'd earth!
Earth of the slumbering and liquid trees!
Earth of departed sunset--earth of the mountains misty-topt!
Earth of the vitreous pour of the full moon just tinged with blue!
Earth of shine and dark mottling the tide of the river!
Earth of the limpid gray of clouds brighter and clearer for my sake!
Far-swooping elbow'd earth--rich apple-blossom'd earth!
Smile, for your lover comes.

Sorria, ó voluptuosa terra de tão suave respirar!
Terra de árvores belas e sonolentas!
Terra do pôr-do-sol que se findou - terra das montanhas enevoadas!
Terra do fluxo vítreo da lua cheia levemente pintada de azul!
Terra que salpica de claro e de escuro a maré do rio!
Terra do cinza límpido das nuvens mais brilhantes e mais claras, para meu encantamento!
Terra de cotovelos e precipícios - rica terra íntima da maçã!
Sorria, pois seu amante está chegando.

Prodigal, you have given me love--therefore I to you give love!
O unspeakable passionate love.

Generosa, você tem me dado amor - então, a você dou amor!
Ó inexprimível amor feito de paixão.


Walt Whitman (1819-1892)

domingo, 9 de novembro de 2008

A IMAGEM DO UNIVERSO (3/n)

A Revolução dos Milésios

Mileto, hoje pertencente à Turquia, era uma das doze grandes cidades da Jônia, região da Grécia antiga na costa oriental do mar Egeu. Tradicionalmente se admite que o pensamento racional começou quando Tales (cerca de 624-545 a.C.), seu habitante mais ilustre, manifestou para os discípulos que o mundo era algo que a mente humana podia compreender sem apelar para soluções míticas e religiosas. Não por acaso, Tales é considerado o primeiro cientista.

Tales

Para ele, tudo que existe na natureza (physis) se desenvolveu a partir de um elemento primordial (arché), que devia ser identificado na água
, a qual, ao esfriar, torna-se densa e dá origem à terra; ao aquecer-se, muda-se em vapor e ar, que, se resfriados, retornam à superfície da terra sob a forma de chuva. Era a primeira teoria física, pois se baseava na observação e na razão, não apelava para os mitos, podia ser questionada e até substituída.

Toda feita de água

Além de observador da natureza, Tales foi inventor, político, geômetra e astrônomo. Atribui-se a ele a criação, em Mileto, de uma federação de cidades-estados da Ásia Menor, para resistir às invasões dos povos orientais.
Supõe-se que foi essa atuação política que determinou sua inclusão entre os sete sábios da Grécia.

Diogenes Laertius, biógrafo que teria vivido ao tempo do imperador romano Septimius Severus e Caracalla, cujo reino se estendeu de 193 a 211, relatou que, preocupado em olhar para as estrelas, certa vez Tales caiu dentro de um poço.
De Plutarco, filósofo e prosador grego que no século I escreveu um livro de biografias intitulado Vidas Paralelas, veio a informação de que Tales foi capaz de prever uma abundante safra de azeitonas, graças aos seus conhecimentos astronômicos e meteorológicos, provavelmente aprendidos com os babilônios. Homem de negócios experiente e astucioso, teria se valido dessa "informação privilegiada", adquirindo todas as prensas de azeite da região e revendendo-as com ágio quando chegou a época da colheita.
Entre as façanhas de Tales, contam-se ainda a elaboração de um almanaque, a introdução nas ilhas gregas da técnica fenícia de navegação orientada pela constelação da Ursa Menor e, segundo o historiador Heródoto, a previsão do eclipse do Sol ocorrida em 28 de maio de 585 a. C., o qual fez encerrar uma batalha entre lídios e medas, que já durava cinco anos.


Teorema de Tales

"Toda paralela a um dos lados de um triângulo forma com os outros dois um triângulo semelhante ao primeiro."

Sete Sábios da Grécia


A lista dos sete sábios da Grécia assumiu sua composição definitiva ao tempo de Platão:

Tales de Mileto,
Periandro de Corinto,
Pítaco de Mitilene,
Bias de Priene,
Cleóbulo de Lindos,
Sólon de Atenas e

Quílon de Esparta.

Todos viveram no sexto século antes de Cristo, num momento de reorganização das cidades, graves perturbações e resistências heróicas às invasões estrangeiras, destacando-se não somente por sua sabedoria, mas também pela liderança política e grande capacidade administrativa.

Apolo

Conta a lenda que os pescadores de Mileto certa vez encontraram um vaso sagrado nas águas do Mar Egeu. Não havendo acordo sobre o destino que deveriam dar à peça, decidiram consultar a respeito o deus Apolo, no Oráculo de Delfos. A resposta de Apolo, transmitida pelas pitonisas em transe, mandava entregar o vaso ao mais sábio dos homens. O escolhido foi Tales, que, não se considerando o mais sábio, enviou-o a Periandro, que, pelo mesmo motivo, passou a oferta adiante. E assim o vaso foi mudando de mãos, transitando pelos sete sábios. O último deles, Sólon, encerrou a questão, ofertando-o a Apolo, "o mais sábio dos deuses".

Anaximandro e Anaxímenes


Anaximandro (cerca de 610 - 547 a. C.) e Anaxímedes (cerca de 596 - 525 a. C.), discípulos de Tales, deram sustentação à idéia de que tudo tem um princípio comum, embora Anaximandro tenha considerado como elemento primordial não a água, mas o ápeiron (o infinito, o ilimitado), e Anaxímedes, divergindo de ambos, tenha sustentado que o princípio primordial seria o ar.
Era a formulação e substituição de hipóteses, tão comum nos desenvolvimentos científicos.

Anaximandro
Anaxímenes
Aritstóteles, conforme expõe em sua Metafísica, considerou Tales e seus discípulos milésios Anaximandro e Anaxímenes também como os primeiros filósofos, pelo motivo de que procuravam explicações sem apelar à religião ou a fatos sobrenaturais. As doutrinas milésias constituem a primeira e mais rudimentar formulação de monismo, que assim se chamam as filosofias que atribuem um fundamento único para a realidade multiforme.
Mais tarde,
contrariando os milésios, para os quais o princípio primordial era um elemento natural, Heráclito de Éfeso (cerca de 540-480 a. C.) identificou o arché com o “fogo” e Pitágoras (cerca de 570-500 a. C.), com o ‘número”.
O termo "arché"também foi usado por Platão e Aristóteles, com o significado genérico de “matéria”.

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

MITÔMANOS

Meu amigo García Márquez

Não é pelas circunstâncias que o mitômano se deixa apanhar.
Estevinho recordava-se do Osric, advogado que se dizia amigo de Gabriel García Márquez.


Gabito

- Conheci Gabriel García Márquez em Nova York, em 1962. Reunia-me com ele e sua mulher, a Mercedes, nos bares do Central Parque, onde bebíamos uísque com soda e conversávamos sobre literatura. Naqueles tempos, Gabito, era assim que o chamávamos, estava muito entusiasmado com a carreira do romance “Ninguém Escreve ao Coronel” e certa vez me mostrou os originais da primeira parte dos “Cem Anos de Solidão”.

Um dia Estevinho decidiu conferir, na Biblioteca Nacional.
Na mosca, pois García Márquez, de fato, é tratado pelo amigos como Gabito, morava em Nova York em 1962 e publicou “Ninguém Escreve ao Coronel” em 1961.

A História me absolverá

Relatado a Estevinho pelo Comodoro Osmar Vilhena, havia também o caso de um jornalista que participou como voluntário da Invasão da Normandia
, na condição de soldado das forças anglo-canadenses. Ele, o jornalista, contava a façanha emocionadamente, mostrando a cicatriz da perna, tributo que pagava pela aventura. Seu desembarque na Normandia se deu na praia de "Sword", no dia 6 de junho de 1944. Ficava comovido e ia às lágrimas quando mencionava o abraço que recebeu do Ike.

- Ike?

- Assim chamávamos o Eisenhower.

Dia D, a invasão da Normandia

Não se restringindo à Normandia, o jornalista esteve depois no ataque ao quartel de Moncada, em Cuba, em 1953. O movimento, liderado por Fidel Castro, fracassou porque os guerrilheiros não conheciam a cidade e assaltaram o quartel errado.

Quartel de Moncada, um golpe frustrado

- Erramos o endereço. Fui preso e condenado junto com Fidel Castro, mas anistiado em 1955. A História também me absolverá.

Na mosca, também

A Invasão da Normandia iniciou-se de fato em 6 de junho de 1944, o Dia D, e uma das quatro praias invadidas tinha "Sword" como codinome. E, mais, Fidel Castro liderou o fracassado ataque a Moncada, na cidade de Santiago de Cuba, em 26 de julho de 1953, foi preso e condenado a vinte anos de prisão, tendo sido anistiado em 1955.

- A História me absolverá!

Sabe-se que perante o Tribunal de Exceção do governo de Fulgêncio Batista, por ocasião do julgamento a que foi submetido, Fidel Castro defendeu-se com um longo discurso, encerrado com as seguintes palavras:

- Condenai-me, não importa, a História me absolverá!

Sinatra


Em 1969, Henrique decidiu assistir no Astrodome Houston a um espetáculo em homenagem aos astronautas da Apollo 11. Acomodado na platéia, surpreendeu-se ao ver a seu lado ninguém menos que Frank Sinatra e puxou conversa com o astro:

- Gosto de todas as suas músicas, querido "Old Blue Eyes", mas minha preferida é "My Way".

Frank Sinatra convidou Henrique para subir com ele ao palco. Foi desse modo que Frank Sinatra e o aposentado de Copacabana cantaram "My Way",
em duo, para um entusiasmado público de mais de 200 mil pessoas.

- I did it my way.

Agora, todos os sábados os moradores da Rua Domingos Ferreira são brindados com um show musical espetacular. Ouve-se a voz do cantor Frank Sinatra pelo alto-falante, enquanto, à janela do apartamento, Henrique reconstitui a parceria do Astrodome, cantando paralelamente, a plenos pulmões, a imortal canção "My Way":

I 've loved,
I 've laughed and cried,
I 've had my fill, my share of losing
and now as tears subside
I find it all so amusing
to think I did all that
and may I say not in a shy way.

Oh no, oh no not me
I did it my way.

Sinatra cantou no Astrodome Houston, em homenagem aos astronautas da Lua, no dia 16 de agosto de 1969, apresentando-se juntamente com Dionne Warwick, no âmbito de celebrações triunfalistas comandadas por Richard Nixon.

domingo, 2 de novembro de 2008

A IMAGEM DO UNIVERSO (2/n)

Hesíodo

Hesíodo (770 - 700 a. C.), poeta que viveu na Beócia, região situada no centro da Grécia, passou a maior parte da vida em Ascra, a aldeia natal. Segundo seus próprios relatos, depois da morte do pai, seu irmão Perses corrompeu os juízes locais e apoderou-se da maior parte da herança que a ambos correspondia. Por esse motivo, em suas obras sempre exaltou a justiça, cuja guarda atribui a Zeus. Diferentemente de Homero, não se ocupou das esplêndidas façanhas dos heróis gregos, mas sua obra constituiu um dos pilares sobre os quais se edificou a identidade helênica.
Ficou conhecido por dois trabalhos, de caráter didático:

- Trabalhos e Dias, um poema destinado às comunidades gregas de agricultores, em que ressaltava a necessidade do trabalho duro e honesto e estabelecia normas para a agricultura e para a educação dos filhos.

-
Teogonia ou Gênese dos Deuses, um poema místico, relato da história dos deuses da mitologia grega pré-homérica.

Hesíodo

Trabalhos e Dias

Nessa obra Hesíodo trata de temas terrenos, mostrando uma utilização prática para as informações colhidas na observação do céu. Estava-se já em plena “revolução neolítica”, que se caracterizou pelo surgimento da agricultura e, pois, da necessidade de prever as melhores épocas de plantios e de colheitas, programar as festas religiosas e estabelecer os melhores períodos para a navegação. Por isso, sem ainda ter chegado à ciência, o homem já olhava para o céu e até sabia sobre o “movimento” das estrelas e suas posições ao longo do ano. De fato, Hesíodo mostra aos agricultores como deveriam se organizar tomando por base os acontecimentos do céu:

"Ao despertar das Plêiades, filhas de Atlas,
dai início à colheita e, quando se recolherem, à semeadura.

Ordenai a vossos escravos que, tão logo surja
a força de Órion,
pisem, em círculos,
o trigo sagrado de Demeter, em local arejado e eira redonda.
Quando Órion e Sírius alcançarem o meio do céu
e a Aurora dos dedos de rosa enxergar Arturus,
colhe então os cachos de uva e faça a sua provisão."
.
Os pontos de orientação do agricultor são as estrelas mais brilhantes, como as Plêiades, Arturus e Sirius:

Plêiades

Plêiades

As Plêiades ("Sete Irmãs") são um aglomerado estelar da constelação de Touro; seu levantar matinal ocorre em maio, início da estação quente e propícia à navegação (para Hesíodo, a época de colher); seu ocaso matinal, em novembro, coincide com o início do inverno e das tempestades no Mediterrâneo (época de semear).

Arturus

Arturus (Alpha Boötis)

Arturus é uma estrela dupla de primeira grandeza, situada na constelação do Boieiro, no prolongamento da cauda da Ursa Maior. Arturus é a quarta estrela mais brilhante do céu e é tão luminosa que se distingue por sua cor alaranjada. Os gregos identificavam-na com o filho da deusa Demeter, o qual passou à mitologia romana com o nome de Ceres - não por acaso a divindade dos produtos da terra, especialmente o trigo. De "Ceres", vem a palavra "cereal".

Sirius
Sirius, estrela da constelação do Cão Maior, a somente 8,7 anos-luz da Terra (82,3 trilhões de quilômetros), emite 23 vezes mais luz do que o Sol e é 1,8 vezes maior do que este. É a estrela mais brilhante do céu. No antigo Egito, Sirius era venerada e associada à Deusa Sothis, ou Isis Sotis, e ao Deus Hermes Thot. Seu aparecimento no céu coincidia com o momento da cheia do rio Nilo, no auge do verão, implicando fertilidade às terras inundadas e trazendo prosperidade. Na antiga Roma, cachorros eram sacrificados em nome de Sirius.

Teogonia

A concepção de Hesíodo sobre a origem dos deuses mistura fatos da observação (noite, tempo, sombra, luz, terra, céu, mar, montanhas) com suas idéias mitológicas.

Hemera

No início era o Caos, depois vieram a Terra e o Amor. A sombra originou-se do Caos, e da sombra nasceram Érebo, a personificação da escuridão, e sua irmã gêmea Nix, a personificação da noite. Érebo desposou Nix, gerando a luz celestial (o Éter) e o dia (Hemera).
A Terra (ou Gaia, ou Géia)
dará nascimento às montanhas, ao mar e ao céu (Urano), com o qual se acasalou para procriar os titãs, entre os quais Cronos e Réia.

"A Terra deu à luz Urano, o céu estrelado, para que ele pudesse cobri-la completamente e ser uma morada firme e permanente para todos os deuses. Gerou depois as montanhas, cujos vales são moradas favoritas das deusas, as ninfas. Gerou também aquele mar desolado, encapelado, o Ponto Euxino, tudo sem Eros, sem acasalamento."

Cronos insurgiu-se contra Urano, derrotou-o e governou o Universo, até ser destronado pelo filho Zeus, que fundou o panteão helênico clássico.


A importância de olhar o céu

"Ter uma idéia acerca da Terra, mesmo de forma mítica, já implica certo grau de abstração. Para elaborar tais representações, os homens acumularam, desde os tempos mais remotos, observações sobre os grandes fenômenos astronômicos: a trajetória do Sol, as fases da Lua, a rotação do céu noturno... já que esses eventos estão indissoluvelmente ligados ao seu cotidiano e à sua necessidade, progressivamente afirmada, de se orientar no tempo e no espaço."
(Arkan Simaan e Joëlle Fontaine, em "A Imagem do Mundo, dos Babilônios a Newton", Companhia das Letras, 2003)