sábado, 31 de outubro de 2009

Cora Coralina e João Cabral

ORAÇÃO DO MILHO

Sou a broa grosseira e modesta do pequeno sitiante.
Sou a farinha econômica do proletário.
Sou a polenta do imigrante e a miga dos que começam a vida em terra estranha.
Alimento dos porcos e do triste mu de carga.
O que me planta não levanta comércio, nem avantaja dinheiro.
Sou apenas a fartura generosa e despreocupada dos paióis.
Sou o cocho abastecido donde rumina o gado.
Sou o canto festivo dos galos na glória do dia que amanhece.
Sou o cacarejo alegre das poedeiras à volta dos seus ninhos.
Sou a pobreza vegetal agradecida a Vós, Senhor, que me fizestes necessário e humilde.
Sou o milho.

Cora Coralina (1889-1985)


A EDUCAÇÃO PELA PEDRA

Uma educação pela pedra: por lições;
para aprender da pedra, frequentá-la;

captar sua voz inenfática, impessoal
(pela de dicção ela começa as aulas).
A lição de moral, sua resistência fria

ao que flui e a fluir, a ser maleada;
a de poética, sua carnadura concreta;
a de economia, seu adensar-se compacta:

lições de pedra (de fora para dentro,

cartilha muda), para quem soletrá-la.

*
Outra educação pela pedra: no Sertão
(de dentro para fora, e pré-didática).

No Sertão a pedra não sabe lecionar,
e se lecionasse, não ensinaria nada;

lá não se aprende a pedra: lá a pedra,
uma pedra de nascença, entranha a alma.



João Cabral de Melo Neto (1920 - 1999)

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

VACA-RAPAZ

MEU PROFESSOR DE INGLÊS


Yrves Vacaria

Não me lembro de nenhum professor especialmente preparado, nem de colegas muito inteligentes. Éramos, de fato, uma assembleia de mediocridades, considerados ambos os lados da mesa. Eu, pobre de mim, sempre gostei de problemas de aritmética, palavras cruzadas e quebra-cabeças e tinha um desempenho saliente em Inglês, o que não chegava a ser nenhuma façanha, nem podia ser avaliado, pois o professor era daqueles que traduziam “cowboy” por “vaca-rapaz” e “what does he do?” por “que faz ele fazer?”

- Doutor Vacaria, não seria melhor traduzir “cowboy” por “vaqueiro” e “what does he do?” por “o que ele faz?”

"Vaca-rapaz"

Como o professor nada respondeu, entendi que havia sido grosseiro e inconveniente. Mais uma vez, sim, mais uma vez. Para minha surpresa, porém, ele voltou ao assunto na aula do dia seguinte, embora de forma indireta e metafórica. Elogiou o padre Eleutério, que sempre se penitenciava dos seus erros, a inteligência de Santo Agostinho, que na fé conheceu a razão e a felicidade, e a humildade de Francisco de Assis, que se dedicou a um ideal de pobreza e por isso recebeu os estigmas das chagas de Cristo.

- À estupidez sempre há de contrapor-se o discernimento, e só os idiotas não mudam. Prevaleçam, pois, a razão e a verdade, mas também a inteligência, para reconhecer os equívocos, e a humildade, para proclamá-los sem nenhum constrangimento. Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo.

A custo consegui entender que Yrves Vacaria de Bastos Viamão estava aceitando a minha sugestão. Desde então “vaca-rapaz” e “o que faz ele fazer?” perderam a vez para “vaqueiro” e “o que ele faz?”, nas aulas de Inglês de Barro Verde. E, mais, fui dispensado dos exames finais e aprovado com nota oito, vírgula três. Assim foi. Acho, porém, um exagero a afirmativa de que sou o responsável pelo epíteto de "professor Vaca-Rapaz" que foi atribuído a Yrves Vacaria.

O resto é silêncio

Disseram-me anos depois que minha intervenção, um show-offismo banal que ajudou a corrigir os rumos anglo-saxônicos dos meus estudos ginasiais, despertou a ternura da Bianca Averróis, conforme na ocasião andou confessando às suas amigas mais íntimas. Ela, que era a moça mais bonita da minha adolescência, viria a ser a musa de todas as colunas sociais, depois que se casou com o milionário Richard Lloyd.
Apaixonada por mim! E eu sem saber de nada, na inocência dos meus 15 anos...

- The rest is silence.
(O nome deste animal é Hamlet)


Sempre foi assim, pois um dos meus defeitos fundamentais tem sido a de desconhecer todas as oportunidades. Elas existem, e eu, o desatento, navegando nas águas profundas da minha ingenuidade. Dizer o quê? Nada.

- The rest is silence.

sábado, 17 de outubro de 2009

UM CARDINAL CIVILIZADO

Uma revolução feita pelo zero

Nos sistemas de numeração sem o zero, como eram o egípcio, o babilônico, o chinês e o romano, uma infinidade de símbolos era necessária para representar todos os números. Na numeração egípcia, por exemplo, um milhão era representado por uma pessoa de joelhos, com os braços dirigidos para cima, como se estivesse demonstrando aos céus sua perplexidade diante de um número tão desconcertante e avassalador.

Um milhão

Com o zero, diferentemente, qualquer número imaginável passou a ser facilmente representado, adotando-se a numeração indo-arábica, que requer apenas nove algarismos significativos, para além do zero.
O valor representado por qualquer algarismo na numeração com o zero depende da sua posição dentro do número, que define a potência de 10 pela qual deve ser multiplicado para obter o seu valor na composição do número. Por exemplo, no número 827, só o 7 mantém o seu valor nominal, pois o algarismo 2 representa duas vezes 10 e o algarismo 8, oito vezes 100, com o respectiva potência de 10 escolhida pela posição relativa de cada algarismo no número.
Além disso, o zero, se presente diretamente no número, estará indicando uma potência de dez a ser considerada, mas vazia, permitindo distinguir,
por exemplo, 12 de 102 ou de 1020.



Um sistema de numeração assim concebido permite operações aritméticas sem auxílio de nenhum instrumento, o que não era possível com numerações baseadas em outras concepções, como os algarismos romanos. Com efeito, é muito fácil e prático dividir 817 por 43 para obter 19, mas dividir DCCCXVII por XLIII para obter XIX, na representação com algarismos romanos, é tarefa situada para além das nossas habilidades e capacitação.
Por isso mesmo, antes do zero
essas operações eram feitas com auxílio de ábacos.

Onde surgiu

A formulação do conceito de zero e sua introdução como base do sistema de numeração parece terem ocorrido em torno do ano 500 da nossa era. A proeza, uma das mais importantes da matemática, é geralmente atribuída aos indianos.
Os árabes tomaram conhecimento desse sistema de numeração por volta do ano 710, nas suas incursões islâmicas pela Índia.
Por volta de 860 o árabe Al-Khowarizmi estabeleceu regras orientadoras para facilitar as quatro operações com base na numeração indo-arábica. A palavra “algoritmo” deriva de Al-khowarizmi, e “álgebra”, de “al-jahr”, palavra árabe que significa "equação".

Al-Khowarizmi

Outro árabe importante na formulação do sistema de numeração baseado no zero foi Omar Khayam, matemático, poeta e autor dos 75 poemas do Rubayat. Khayam desenvolveu métodos que ampliaram as técnicas de Al-Khowarizmi e formulou uma disposição triangular dos números para facilitar o cálculo das potências matemáticas.

Popularização

Não foi nada fácil disseminar o conceito de zero, num passado em que a necessidade das pessoas não ultrapassava as tarefas de contar suas plantas e animais ou definir a extensão de suas terras. Seja como for, o zero entrou na Europa por volta do ano 1000, pela via das universidades mouras, na Espanha, e com os sarracenos, na Sicília. Consta que o estudioso francês Gerbert de Aurillac aprendeu o novo sistema com os mouros e depois, já como Papa Silvestre II, estimulou sua introdução nas escolas e universidades de diversos países europeus.

Fibonacci

A popularização do sistema de numeração indo-arábico só se tornaria efetiva a partir de 1202, o ano em que Leonardo Pisano, o Fibonacci, depois de aprender essa numeração na Argélia, publicou o Liber Abaci (Livro dos Ábacos, em Latim), um livro que mostrava como as operações aritméticas poderiam ser feitas, a partir dela, sem recorrer aos ábacos.

Cardinal civilizado

Alfred North Whitehead

Não sem razão, o filósofo e matemático inglês Alfred North Whitehead (1861 - 1947) considerou o zero o mais civilizado dos cardinais, por ter surgido em decorrência e por necessidade das formas cultas de pensamento.

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

O HOMEM DESNECESSÁRIO

Hebdomadário, sim, senhor!

Pensão

As pessoas não têm por que me incomodar, e seu desinteresse por mim só não é maior que a tranquilidade que me advém desse fato. Sozinho, num quarto do segundo andar, privilégio que me custa por mês o adicional de duzentos reais, alterno-me entre obras literárias e física. Ou me ponho a resolver problemas de palavras cruzadas, pois o homem só, quando não está com vontade de ler, nem de estudar, pode desperdiçar seu tempo procurando pela mulher que tasca o linho, pela epidemia que grassou em Paris no ano da graça de 1441, pelo deus do fogo, entre os celtas, pela abertura na carlinga por onde passa o mastro do navio, pela segunda produção de cana, depois de cortada a primeira, pelo maior afluente do Volga ou pela cerveja inglesa fabricada com malte pouco torrado.
Achar a palavra salvadora, a que não descruza e se conforma no diagrama, é modesta e solitária vitória, sem direito a aplauso nem recompensa, é verdade, mas não recebo nenhuma censura, nem vaias, nos meus fracassos cruzadísticos, tão vastos e numerosos.


- Para barlavento: aló

Bancário

Amigos não tenho, tampouco assunto, guarda-chuva ou retrospecto, e ninguém ouviu história de minha boca, nem curta, nem comprida. Sou escasso, por assim dizer, e não é sem razão que poucos hão de saber que sou bancário e, portanto, um cidadão modestamente remunerado. Gostaria de ter sido algo melhor, até tentei, mas o que me tocou foi exatamente caixa de banco, e isso há de me bastar. Não tenho, e até desconheço quais sejam, as relevantes qualidades que justificam os saldos milionários e as exuberantes mulheres dos homens que não são, como eu, desnecessários.

Exuberantes mulheres

Se tivesse uma oportunidade de recomeçar, tentaria a carreira de professor, quem sabe de literatura ou, principalmente, de física. Eu me imagino na sala de aula demonstrando de maneira competente que, em face dos princípios da termodinâmica e das irreversibilidades envolvidas nas trocas de calor entre corpos quentes e corpos frios, o crescimento da entropia será a causa da morte do universo, daqui a alguns bilhões de anos. Dar essa aula é a minha fantasia colorida, de realização improvável, claro, muito claro, mas nem por isso menos colorida.

- O crescimento da entropia causará a morte do universo.

Concurso

Uma saída para mim seria passar em algum concurso. Infelizmente, porém, não passa em concurso um homem como eu, só e desnecessário. Não que os concursos sejam fraudados, isso não. É que para se dar bem em concurso é necessário que o homem não seja só, nem desnecessário. Reconheço a contundente circularidade do que acabo de afirmar, necessário não ser desnecessário, mas a circularidade pode ser inevitável, como a do matemático que estabelece o conceito de probabilidade tomando por base os casos prováveis que reconhece no âmbito de todos os casos possíveis e igualmente prováveis, ou seja, define probabilidade em função da... probabilidade.

Igualmente prováveis...

Dissipando mal-entendidos

Mas há o lado bom de ser desnecessário, bastando dizer que não tenho de dar espinafrada, nem gorjeta, nem mole, nem bandeira, nem uma de inteligente, nem bons-dias ou cotoveladas.
O homem desnecessário chama-se, por exemplo, Hebdomadário de Oliveira, que é esse o meu nome, exatamente esse. Sou, nesse particular, um homem comprovadamente só, por absoluta fata de outro Hebdomadário.

Hebdromedário de Oliveira

Trago a certidão de nascimento sempre comigo, para aquelas pessoas que não acreditam que alguém possa ser, dos Oliveiras, o Hebdomadário. Sempre que requerido, essa certidão dissipa o mal-entendido de forma competente e definitiva. Hebdomadário de Oliveira, sim, senhor, veja aqui, nascido em Barro Verde, no dia 3 de janeiro de 1969.
(Do livro “O Homem Horizontal”)

sábado, 10 de outubro de 2009

NÚMEROS NATURAIS

JÁ EXISTIAM OU NÓS OS CRIAMOS?


A noção de números naturais, hoje tão arraigada, não surgiu espontaneamente na trajetória do conhecimento humano. O homem primitivo tinha apenas o entendimento do maior e do menor, do mais e do menos, até que a necessidade de comparar quantidades levou-o à concepção do número.

Tivemos a percepção dos números ou os criamos?

Há quem discuta se o número é uma entidade descoberta, anterior ao conhecimento humano, ou se uma invenção do homem inteligente, como a roda, a geladeira e o computador.
Alguns defensores de que os números não são uma criação humana costumam afirmar:

- Deus fez os números, deixando aos homens a tarefa de fazer o restante.

Números amigos

Pitágoras considerava que alguns números eram amigos de outros números...
Costumava relacionar todos os divisores de um número e obter a sua soma. Por exemplo, os divisores do número 10 são 1, 2 e 5, com soma 1 + 2 + 5 = 8.

- Números amigos são aqueles cujos divisores somados se reproduzem reciprocamente, como 220 e 284. Os divisores de 220 são 1, 2, 4, 5, 10, 11, 20, 22, 44, 55 e 110, cuja soma é 284. Por sua vez, 284 tem como divisores 1, 2, 4, 71 e 142, cuja soma é 220. Por isso 220 e 284 são números amigos ou amigáveis.

- Você é o meu único amigo, 220.
- Para sempre,
284.

Além de Pitágoras, outros matemáticos importantes gostavam de estudar os números amigos, como Pierre de Fermat e Leonardo Euler. Fermat descobriu os números amigos 17.296 e 18.416, e Euler, certa vez, publicou uma lista de trinta pares de números amigos, ele que mais tarde iria enriquecer essa lista com mais três dezenas desses pares.
Todos os pares de números amigos inferiores a um milhão já são conhecidos.

O conceito de números amigos é extensivamente utilizado nas práticas de feitiçaria, magia e astrologia e na confecção de horóscopos.

Números são a fonte de tudo

Pitágoras admitia que a variedade das coisas podia ser explicada pelo concurso dos opostos, a saber, os números pares, que são ilimitados, imperfeitos e sem determinação, por não se oporem à divisão por dois, e os números ímpares, que se opõem à divisão por dois e são, por isso, categorizados como limitados, perfeitos e determinados. Das imensuráveis combinações do ilimitado com o limitado, é que deviam resultar o vir-a-ser e a multiplicidade.

Pitágoras

Eis o que dizia Pitágoras:

- Os números são o princípio, a fonte e a raiz de todas as coisas, sendo
possível expressar todos os fenômenos naturais mediante relações matemáticas.

Uma antecipação, com radicalização e exagero, do que modernamente chamamos de leis físicas.

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

RAINHA MORTA

INÊS DE CASTRO

Dom Pedro (1320-1367), filho de Afonso IV e príncipe herdeiro do trono de Portugal, casou-se secretamente com a dama espanhola Inês de Castro, após ficar viúvo de Constância de Aragão, falecida em 1349. Pedro e Inês viveram seus amores no Paço de Santa Clara, às margens do rio Mondego, em Coimbra.

Paço de Santa Clara

Rio Mondego

Afonso IV, o Rei Benigno, aconselhado por cortesãos, que temiam uma influência espanhola sobre o trono de Portugal, determinou a morte de Inês, em 1355, aproveitando-se do fato de que o filho Pedro estava ausente, ou lutando pelo Reino de Castilha, segundo uns, ou numa estação de caça, segundo outros.

- Benigno e pusilâmine.

Três cortesãos, Pero Coelho, Diego Lopes Pacheco e Álvaro Gonçalves, foram encarregados de executar a pobre dama, missão que teriam cumprido com requintes de crueldade, degolando Inês sem nenhuma piedade. Segundo a tradição popular, o sangue de Inês ficou gravado numa rocha e nela permanecerá para sempre.


Morte de Inês (óleo sobre tela, de Columbano Bordalo Pinheiro)

Rei Cruel

Desvairado com o ocorrido, Dom Pedro insurgiu-se contra o pai, derrotou-o, corou-se rei de Portugal e perseguiu os carrascos de Inês, torturando dois deles até a morte, Pero Coelho e Álvaro Gonçalves. Isso ocorreu em 1358.
O cronista Fernão Peres fez um relato da vingança, consumada nos Paços de Santarém:

- D. Pedro mandou amarrar as vítimas, cada uma a seu poste de suplício, enquanto os cozinheiros de sua Corte preparavam um lauto banquete de cerimônia. O rei
não poupou requintes de horror no castigo implacável. Mandou o carrasco tirar a um o coração pelas costas e a outro, o coração pelo peito. Por fim, como sentisse que não bastava a tortura tremenda, ainda teve coragem para trincar aqueles corações que, para ele, seriam malditos para sempre.

Pedro, considerado como Pedro I em Portugal, passou à história com os epítetos de Rei Justiceiro e de Rei Cruel. Reza uma das versões que em 1361 mandou exumar o cadáver de Inês, coroando-a rainha depois de morta e obrigou a nobreza a beijar-lhe a mão de rainha.

Mosteiro de Alcobaça

Os restos mortais de Pedro e Inês estão em túmulos suntuosos no Mosteiro de Alcobaça, cidade que fica a 109 quilômetros de Lisboa.


Mosteiro de Alcobaça

Inês nos Lusíadas

Inês de Castro é o tema das estrofes de 118 a 135 do Canto III dos Lusíadas, o qual reproduz a história de Portugal como narrada por Vasco da Gama ao rei de Melinde (uma cidade que hoje pertence ao Quênia, na costa do Índico). Abaixo, quatro estrofes do Canto III alusivas ao episódio de Inês:

Estrofe 120

Estavas, linda Inês, posta em sossego,
De teus anos colhendo doce fruto,
Naquele engano da alma, ledo e cego,
Que a fortuna não deixa durar muito,
Nos saudosos campos do Mondego,
De teus fermosos olhos nunca enxuto,
Aos montes ensinando e às ervinhas
O nome que no peito escrito tinhas.



Camões

Estrofe 127

Ó tu, que tens de humano o gesto e o peito
(Se de humano é matar uma donzela
Fraca e sem força, só por ter sujeito
O coração a quem soube vencê-la),
A estas criancinhas tem respeito,
Pois o não tens à morte escura dela;
Mova-te a piedade sua e minha,
Pois te não move a culpa que não tinha.

Inês e o Rei Justiceiro

Estrofe 129

Põe-me onde se use toda a feridade,
Entre leões e tigres, e verei
Se neles achar posso a piedade
Que entre peitos humanos não achei.
Ali, com o amor intrínseco e vontade
Naquele por quem morro, criarei
Estas relíquias suas que aqui viste,
Que refrigério sejam da mãe triste.

Estrofe 135

As filhas do Mondego a morte escura
Longo tempo chorando memoraram,
E, por memória eterna, em fonte pura
As lágrimas choradas transformaram;
O nome lhe puseram, que inda dura,
"Dos amores de Inês", que ali passaram.
Vede que fresca fonte rega as flores,
Que lágrimas são a água, e o nome Amores!

Universidade de Coimbra

sábado, 3 de outubro de 2009

AS CORES DO ARCO-ÍRIS

O lamento do poeta


Luz branca decomposta

Em seu poema "Lamia", publicado em 1820, o poeta inglês John Keats (1795 – 1821) lamentou que Isaac Newton tenha destruído todo o encantamento do arco-íris, ao demonstrar experimentalmente que a luz branca do Sol é uma mistura de cores que podem ser separadas por um prisma de vidro.

Versos de John Keats

Do not all charms fly
At the mere touch of cold philosophy?
There was an awful rainbow once in heaven:
We know her woof, her texture; she is given
In the dull catalogue of common things.
Philosophy will clip an Angel’s wings,
Conquer all mysteries by rule and line,
Empty the haunted air, and gnomed mine -
Unweave a rainbow.

Keats

(Todos os encantos não se dissipam
Ao mero toque da triste filosofia?
Existia um maravilhoso arco-íris no céu:
Conhecemos agora sua trama, sua textura
No frio catálogo das coisas triviais.
A filosofia decepará as asas de um Anjo,
Decifrará os mistérios item por item,

Eliminará o encanto do ar e o tesouro escondido -
Desvendará o arco-íris.)

No poema de Keats, a palavra "filosofia" equivale a "física", que outrora era chamada de "filosofia natural".

Desvendando o arco-íris

Richard Dawkins é um professor de Oxford, nascido em Nairóbi, no Quênia, em 1941, destacando-se como divulgador científico e defensor radical da Teoria da Evolução, de Charles Darwin, sendo por isso chamado de "rottweiler de Darwin", epíteto alusivo a Thomas Huxley, que em seu tempo foi chamado de "buldogue de Darwin".
Dawkins é autor de livros importantes, todos best-sellers mundiais, sendo o principal “O Gene Egoísta”, sobre a teoria da evolução, publicado em 1976. Outros são: “O Fenótipo Estendido” “O Relojoeiro Cego”, O Rio Que Saía do Éden”, “A Escalada do Monte Improvável”, “Desvendando o Arco-íris” e “O Capelão do Diabo”. Seus livros mais recentes são "Deus, um Delírio", em que postula a inexistência de Deus, e "A Grande História da Evolução", uma peregrinação retroativa pela história da vida, até alcançar sua origem, quatro bilhões de anos atrás.

- Keats não poderia estar mais errado, comenta Richard Dawkins no prefácio do seu livro "Desvendando o Arco - íris", e meu desejo é conduzir para o lado contrário todos os que pensam como ele. Ciência, na verdade, pode ser inspiração para os grandes poetas.


Dawkins

"Desvendando o Arco - íris" é, com efeito, um livro destinado a atrair os leitores para os temas fascinantes da ciência.