quarta-feira, 17 de setembro de 2008

A HISTÓRIA DE UM TESTE (1/3)

Exibir-me ou soçobrar

Estou no empreendimento, a desfrutar de todas as mordomias, por obra e favor da minha namorada, Ingrid Saint-Louis de Grevi. Em dois meses, ninguém exigiu nada de mim, tendo bastado minha presença e disponibilidade para o amor. Daí a surpresa, e desorientação, quando Ingrid me informou que eu teria de comparecer à sala de convenções, exatamente agora, para uma entrevista com Maria Moretson.

- Acho que você será submetido a um teste, por determinação do conselho de diretores.

-
Teste, como teste? Conselho de diretores? Sobre o quê?

- Não sei, mas você vai se sair bem, tenho certeza. É só caprichar...

-
Caprichar, como, se nem sei de que assunto se trata? Eu lhe disse, Ingrid, não sei se você se lembra, que fui reprovado no vestibular. Além de não ser nenhuma sumidade, sempre me dei muito mal nas provas.

- Teste? Que teste?

Dirijo-me à sala de convenções arrastando-me lentamente.
Condenado a exibir-me, sem nenhuma preparação ou confiança, mais uma vez vou cumprir o meu papel de perdedor inarredável. Pois o que faz uma pessoa numa prova? Exibe-se, e quem se exibe melhor tira nota maior.
Tudo ia tão bem. Entrou areia... A porta do barraco era sem trinco; você partiu de madrugada, não me disse nada, isso não se faz; eu sei que vou te amar, por toda a minha vida, vou te amar; boemia, aqui me tens de regresso e suplicante te peço a minha nova inscrição; eu desconfio que o nosso caso está na hora de acabar; se você não me queria, não devia me procurar; perdão foi feito para a gente pedir; caminhemos, talvez nos vejamos depois; eu não mereço a comida que você pagou para mim; interesseira, não amas ninguém; tinha cá para mim que, agora sim, eu vivia, enfim, um grande amor, mentira!

Teoria da Evolução

Charles Darwin
Exibir-me ou soçobrar, eis a questão...
Discuta a teoria da evolução, esse o tema da prova, e o Sidrônio, que desconhecia completamente o assunto, teceu vastas considerações sobre a palavra "evolução" e suas conotações. Citou Malthus, Jéan Renoir e Fernão de Magalhães, incluiu no arrazoado inconseqüente as façanhas carolíngias de Pepino o Breve, explicou como Demóstenes superou suas deficiências de orador, evoluindo de maneira importante, analisou a diferença entre academia e ateneu, outra evolução, e dissertou longamente sobre a esfera de Schwarzschild e as geometrias não-euclidianas, pois em tudo está presente a evolução, tanto que até as Escolas de Samba evoluem! Charles Darwin, um evolucionário de primeira linha, que seria dele e da Origem das Espécies, se não tivesse evoluído, e muito, nas longas e tediosas horas a bordo do Beagle?
Páginas e páginas de boas incongruências seguiu produzindo o Sidrônio, sandices e inutilidades, e tantas eram que o adequado seria atribuir-lhe um zero acachapante e definitivo.
Qual foi a sua nota, com efeito? Oito e meio, conceito A, pois o Sidrônio sempre foi um exibido competente.
Ele sabia, como ninguém, que o importante é ir ao infinito, gozando cada palavra, subjugando-a, para suprir a ausência de conhecimento e impor o continente sem nenhum conteúdo.


Vieira

Quem me dera ser o Sidrônio, uma vez que fosse...
Perguntam-me sobre os Sermões, de Antônio Vieira, que hei de fazer? Deixar correr a pena com desembaraço e falar sobre paz, amizade, amor, fraternidade, lealdade, generosidade, caridade, esperança e fé, muita fé, essas coisas que cultivamos nos discursos, apenas neles, e que nos emocionam até as últimas lágrimas. E, na seqüência, afirmar categoricamente que ninguém pode duvidar de que Vieira, talvez o maior escritor português do século XVII, tenha sempre se pautado pelos melhores valores, na luta insana pela plenitude e eternidade do homem. Quem persistir na dúvida que leia os Sermões, pois, sobre razões sólidas e decisivas, desfrutará do estilo colorido, inconsútil, coerente e vigoroso, a inconfundível marca do mestre Vieira...


Antônio Vieira

Inconsútil? Não, não, retiro esse "inconsútil" pretensioso e sem sentido, pois todo mundo irá perceber que nunca li nada de Vieira.
Eu conseguiria talvez um sete, quem sabe um sete, vírgula quatro?


Estrepei-me

Um Bonde Chamado Desejo

Mas a coisa não é rotunda assim. Infelizmente vão exigir de mim respostas desimportantes sobre coisas objetivas, ou melhor, respostas objetivas sobre coisas desimportantes, como o papa que em boa hora instituiu a missa do galo, a origem dos vertebrados, os anos de Margareth Tatcher no poder, em que cidade existiu um streetcar chamado Desejo, a cor da ametista, a importância dos capacitores nas instalações industriais, a deusa à qual foi dedicado o Paternon, a capital da Carolina do Norte, além de questões sobre equações trigonométricas, estátuas de Dorífero, econometria, línguas faladas em Vaduz, que é capital do Liechtenstein, teorema das forças vivas e os conjuntos transfinitos do matemático alemão George Cantor, o qual, pelo que sei e depreendo, não cantava em conjunto nenhum.
Você sabe o que é quiáltera?
Como se chama o estreito que liga o Mar Egeu ao Mar de Mármara?

Ah, Mogadíscio é capital de qual país africano?

Não sei nada disso, ou, para dizer numa palavra tudo, estrepei-me. Estrepei-me!
(continua)

quarta-feira, 10 de setembro de 2008

NEGOCIAR E VENCER

A GAROTA DA VITRINE

- Negociar, sim, mas este livro aqui é um tratado de cinismo, disse Ferdinando Olivares.

- Lendo sobre negociações até nos momentos de lazer, i
sso é que é deformação profissional.

- Não é para menos. Na nossa vida particular e doméstica, negociamos a cada instante, seja para comprar um apartamento, discutir um empréstimo, escolher um programa, um restaurante ou nosso lugar no avião. Negociamos nosso trajeto, com o motorista de táxi, e o mês das férias, com o nosso chefe. No lado profissional, a necessidade de negociar é ainda maior, seja nas aquisições de materiais, nas reuniões com outros profissionais, nas tratativas com os clientes e prestadores de serviços ou nas discussões de contratos.

- E esse livro?

- "Negociar e Vencer”
, de Nicolau Júnior. Não é curioso, Roberta?

- Como assim, curioso?

- Maquiavel era também Nicolau, só isso... Pois o livro ensina que negociar é manipular e enganar a outra parte. Não agüentei prosseguir, depois de dois capítulos. O primeiro trata dos “aforismos do negociador”, invocando até Sun Tzu, e o segundo, da “arte de refutar” com frases feitas e muito cinismo. Um autêntico manual para jogador de pôquer, que serve também para discutir futebol e para as provocações entre parlamentares. Quer ver?

Ai dos vencidos!

Aforismos do negociador, por Nicolau Júnior

Uns fazem as coisas acontecerem, mas para quase todos as coisas simplesmente acontecem.

Use seus pontos fortes contra os pontos fracos do adversário.

Ai dos vencidos!, disse o general Breno aos romanos, que reclamavam dos ônus de guerra.

Saiba a hora em que deve cantarolar.

O outro é o outro, e nunca se sabe do que é capaz.

Comece fazendo afirmações amenas e, se for censurar ou criticar, faça-o indiretamente.

Chegando a um impasse, mude; depois de mudar, triunfe.

Improvável é infinitamente menos que impossível.

Mentir, só se necessário.

Onde há vontade forte, não há dificuldades intransponíveis.

Fins nobres justificam meios heterodoxos e às vezes os consagram.

Cinco caminhos de Sun Tzu
Sun Tzu
(1) Toda arte militar baseia-se no ardil.

(2) Quando capaz, finge incapacidade.

(3) Quando perto, dá mostras de que estás longe; quando longe, de que estás perto.

(4)
Quando o inimigo for forte, evita-o.

(5)
Prepara uma isca para o inimigo, a fim de ludibriá-lo, e fisga-o.

A arte de refutar, por Nicolau Júnior

Se você quiser refutar o oponente, diga de:

uma tese, que é obscura;
uma na
rração, que é desinteressante;
uma descrição, que a ordem seguida é ilógica;
uma classificação, que há excesso de divisões e de quadros sinóticos;
uma analogia, que é muito sugestiva, mas inconsistente;
uma indução, que se trata de uma generalização audaciosa, mas indevida;
uma dedução, que contradiz todas as leis da inteligência;
uma racionalização, que deforma a realidade;

uma hipótese, que, com tantos “ses”, meteríamos o Himalaia numa lata de salsicha.
-Numa lata de salsicha!

Se o oponente apresentou fatos, refute-os com uma das pérolas a seguir:

esses fatos são atípicos;
esses fatos não são claros;
esses fatos são muito antigos;

esses fatos são muito recentes;
esses fatos não dão a idéia do conjunto;
esses fatos não dão idéia das partes;
esses fatos não têm relação de causa e efeito;

esses fatos apontam para os efeitos, mas não dizem sobre a causa;
esses fatos revelam as causas, mas os efeitos não são claros;
esses fatos são muito escassos;
esses fatos são superabundantes;
falta saber como esses fatos foram apurados, ou seja, falta tudo;
ora, os fatos!
- E os fatos que você ignorou ?

O caminho da competência

- Qual, então, a alternativa à manipulação, se temos de viver negociando em todos os momentos?

- A competência. O negociador deve saber
tudo sobre o assunto que está sendo negociado, não decidindo nada sem ter todas as informações relevantes. Por exemplo, é arriscado comprar um apartamento sem saber os preços de mercado, como arriscado e desnecessário ficar improvisando soluções para questões para as quais há cláusulas contratuais "de mercado", resolvidas em contratos anteriores. Competência se obtém com informação.

- Um trabalho a mais, esse de ser competente para negociar.

Maquiavel

- O preço que se paga para não ser enganado. Fundamental é conhecer todas as implicações da negociação, como especificações, prazos, condições de pagamento, taxas de juros, garantias e outras questões envolvidas. Tentar encontrar uma solução equânime, com base nos preços de mercado e nas cláusulas de mercado, não aceitando condições sem estudá-las, nem prazos enganosamente curtos ("phony deadlines") para decidir sobre os assuntos da negociação. A competência pressupõe rigorosa preparação por parte do negociador: ninguém deve sentar-se à mesa como o sabichão que decide tudo de sopetão, ex-abrupto, pois as soluções contratuais nunca podem ser improvisadas.

- A não ser pelas vítimas do Nicolau Júnior.

Roberta e Ferdinando


- Você entendeu a questão. Vamos ver o filme da Claire Danes?

- Prefiro o do Antonio Banderas.

- O filme que estou sugerindo baseou-se num conto do Steve Martin e é protagonizado por Claire Danes, por Jason Schwartzman e pelo próprio Steve Martin. Dirigido por Anand Tucker, o tailandês que fez "Hilary e Jackie". Só escolhi esse filme porque você gostou muito do Steve Martin em "Cliente morto não paga" e "Os safados", lembra-se?

- Tudo bem, vamos ver a Claire Danes.