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- Há, portanto, uma condição inicial, irrelevante para todo mundo, mas fundamental para a existência do Benício: a gripe do carteiro.
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- Gripe do carteiro ou efeito-borboleta, seja lá o que for, há também um acaso importante, e definitivo, na minha história com May.
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Saíamos certa noite do motel, quando uma desconhecida, irrompendo do nada, deu um empurrão em May e passou a gritar comigo, num gesto de pura alucinação. Confesso constrangidamente que tenho cara de sósia, do tipo mais genérico e vulgar, tantas vezes já me confundiram com outras pessoas. Nunca, porém, o mal-entendido me veio com tanto fervor e destempero.
- Pensa que a coisa vai ficar assim, seu cretino? Você me deixando por essazinha, aí? Não adianta tirar a barba, nem o bigode, que eu te reconheço debaixo de qualquer disfarce, mesmo fantasiado de satanás ou de vice-rei da Catalunha! Eu irei atrás de você até as profundezas do inferno!
De um lado, a mulher equivocada, com sua fúria e desespero, e, do outro, eu, um homem desconcertado, sem saber o que fazer, nem como reagir.
- Mas quem é a senhora?
- Não sabe quem sou eu, essa é boa, muito boa! E, além de tudo, me chamando de senhora! Você sempre me chamou de minha cachorrinha, não se lembra não, seu cretino?
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Haja efeito-borboleta para explicar aquela mulher! Cada vez mais desorientado, só a custo me desvencilhei da desvairada. Quase uma libertação. Quase, não mais que isso, pois logo constatei que May havia abandonado o local, desaparecendo completamente.
- À perplexidade daquele momento juntou-se a decepção que se seguiu.
May recusou-se a atender aos meus telefonemas. Não sei se doeu mais a separação ou se a lógica absurda na qual se baseou. Semanas a fio senti uma terrível sensação de impotência, a de um inocente condenado por causa de um lamentável mal-entendido, inerme e inerte diante de um tribunal chamado May, a mulher que eu amava. Que ouviu uma acusação contra mim, de nenhum fundamento, julgou-me e condenou-me, sem sequer conceder-me a generosidade de me ouvir.
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