Passamos todo o dia vendo Ticiano, Tintoretto e Veronese. À noite decidimos sair daquele espaço entre a Praça de São Marcos e Rialto, o roteiro da segurança, e nos pusemos a caminhar aleatória e irresponsavelmente por aqueles estranhos becos e vielas, deixando para trás todas as referências e sotopórtegos.
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A inevitável consequência foi nos perdermos nos contornos recônditos da cidade, a qual, por sinal, sempre me pareceu um categórico labirinto. Na madrugada fria e silenciosa da Veneza aterradora, não havia uma única pessoa circulando pelas ruas, que nos socorresse com alguma orientação; rodávamos à busca de um rumo, cada vez mais perdidos e desnorteados; lembrei-me então dos casais assassinados naquelas reentrâncias, o que eu vira repetidas vezes em filmes e documentários. Cecília ria, sem nenhum receio ou constrangimento, achando divertido e até romântico estarmos assim perdidos, sem entender por que me mantinha tão preocupado. Quando, sãos e salvos, desembocamos junto do nosso hotel, que ficava ao lado do Palácio dos Doges, apontou para a Ponte dos Suspiros e exclamou, cheia de alegria:
- Carlinhos, você é o meu Casanova!
Ri, muito aliviado, mas decidi contar-lhe o perigo que havíamos passado, ao alcance de maníacos que trucidavam casais que se perdiam na madrugada escura de Veneza.
- Veneza, como Veneza? Ora, Carlinhos, isso é lá em Florença!
Eu me enganara. Não era a primeira vez, nem seria a última. Veneza passou a ser uma espécie de senha, e, toda vez que eu ia errar, ela me advertia com autoridade:
- Lembre-se de Veneza.
Ouro Preto
Certa vez tive de dar uma palestra em Ouro Preto, e ela decidiu me acompanhar. Terminado o compromisso, ficamos na cidade para conhecer igrejas, ver obras do Aleijadinho, visitar o Museu de Mineralogia e percorrer os sítios históricos, como as casas de Tiradentes, Marília de Dirceu, Cláudio Manoel da Costa e Tomaz Antônio Gonzaga. Corremos algumas lojas, e Cecília se encantou com um colar de granada, que custava dez mil e novecentos reais.
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Quando eu preenchia o cheque, interrompeu a compra, movida por uma das suas intuições. Fomos a outras lojas e encontramos um colar, em tudo semelhante àquele, por escassos trezentos e vinte reais. Sua iniciativa implicou uma economia superior a dez mil reais, mais do que logo depois nos custou um mês de férias na Califórnia. "Granada" tornou-se outra senha importante para os avisos recíprocos diante de qualquer preço irrazoável.
- Granada.
- Sim, granada.
No hipódromo
E o episódio das corridas de cavalo? Expliquei-lhe como era o jogo, cada cavalo correndo na sua turma, e tudo que eu sabia sobre pista, distância, cânter, o partidor australiano, rateio, duplas e placês. Ah, expliquei também sobre o totalizador das apostas.
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- Como você descobriu esse Full Advantage?
- Você se preocupou com o retrospecto dos cavalos, e eu, que não entendo nada disso, com o dinheiro.
- Com o dinheiro?
- Sim, com o dinheiro. Fiquei de olho no totalizador, ao longo de todos os páreos anteriores.
- Sim, a evolução das apostas...
- Tive a clara percepção de que há pessoas que sabem qual será o cavalo ganhador.
- Como assim?
- Ganha o cavalo cujas apostas crescem desproporcionalmente nos três minutos que antecedem à largada; quando vi crescer o volume jogado no Full Advantage, decidi assumir o meu risco.
- Coincidência, Cecília.
- Pode ser, mas funcionou.
Nesse dia perdi 700 reais, mas o saldo familiar foi positivo.
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