Melisande frequentava a praia na altura da Venâncio Flores, onde, de longe, muitas vezes contemplei suas formas harmoniosas, que a mim sempre me pareceram ser um dos motivos da grande afluência masculina naquele ponto da areia.
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Sabia que era universitária e tinha grande interesse pelo darwinismo. Tive a ideia de fazer o que chamo de emparelhamento, estudando seus assuntos preferidos. Precisava ter o que conversar quando a fortuna nos reunisse na mesma antessala. Comprei "O Gene Egoísta", de Richard Dawkins, e fiquei sabendo sobre replicadores e sobre a importância de sua longevidade, fecundidade e fidelidade de cópia.
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- Bem observado. Você também estuda Biologia?
- Uma questão de cultura geral, pois sou estudante de engenharia.
Certa vez Melisande esteve na Sale's e importou uma ópera de Tchaikovsky. Confesso que não sabia da existência de nenhuma ópera de Tchaikovsky, muito menos com esse nome, “Eugene Onegin”. Nascia assim mais uma oportunidade de emparelhamento, e foi por isso que encomendei o mesmo filme, que veio de Londres, despendendo na empreitada sessenta e três reais.
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- Sei o resto da história, Melisande. Anos mais tarde, Onegin vai a uma festa de nobres em San Petersburg e nela reencontra Tatiana, agora casada com o príncipe Gremin. Confessa-lhe seu amor, mas é recusado por Tatiana, que ainda o ama, mas declara-lhe que em nenhuma hipótese será infiel ao seu marido.
- Você conhece a obra, hein?
- Curto muito o Tchaikovsky. Essa ópera é baseada num conto de Pushkin, que o construiu com base na história de seu vizinho Pyotr Chaadae.
Foi por causa de Melisande que comecei a ler poesia, minha primeira incursão, e até então única, no terreno da cultura. Uma espécie de emparelhamento no escuro, que se baseou apenas na pressuposição de que uma moça daquela classe devia gostar de poesia e conhecer tudo dos melhores poetas. Drummond, Bandeira, João Cabral, Vinícius... Sim, Vinícius:
- Eu te amo, Melisande, eu te amo tanto que o meu peito me dói como em doença; e, quanto mais me seja a dor intensa, mais cresce na minha alma teu encanto.
Um dia, porém, soube que a moça tinha o hábito de viajar todo ano para Paris, onde participava de torneios de hipismo, competindo com nobres de toda a Europa, o que se tornava possível porque seu pai era um industrial muito poderoso. Melisande não era apenas rica, mas extraordinariamente rica. Foi então que me caiu a ficha, e pesadamente, pois essa informação mostrou o abismo que havia entre nós, cerceativo e quase intransponível.
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Depois que me formei, os acontecimentos da vida, as vicissitudes, fizeram-me esquecer da moça. Ela foi o primeiro amor da minha vida, mas nenhuma palavra trocada, nem para o bem, nem para o mal. Dela me restaram, tão-somente, a informação sobre o darwinismo e o hábito de ler poesia, que venho cultivando vida afora. Também não podia imaginar que “Eugene Onegin” seria apenas o início da minha adesão às óperas, pois outras mulheres me conduziriam mais tarde pelos caminhos de obras importantes, de Verdi a Mascagni e de Borodin a Mozart.
- Mas foi com ela que se manifestou pela primeira vez a propensão que tenho de me apaixonar pelas mulheres.
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