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- É o seu “pedágio”.
- Mas, aula sobre o quê?
- Qualquer assunto que não seja da física.
- É...
De Sitter e suas idiossincrasias. Logo pensei em falar sobre análises de risco, a técnica que aprendi e desenvolvi, lá na WED. O problema era, numa única aula, ensinar cálculo das probabilidades e matemática financeira, antes de chegar à teoria dos jogos e ao cálculo dos valores monetários esperados, para orientar a decisão. Não, não, não seria possível.
- Teria de fazer um prodígio de síntese.
Pois é, na emergência, lembrei-me da “minha aula de Português”, um texto que um dia construí, só por ter me aborrecido com as gramáticas e sua falta de objetividade. Aquele assunto que cheguei a mencionar como candidato na entrevista da WED.
- Isso mesmo, em vez de análises de risco, eu tinha uma chance de mostrar a minha aula de Português!
Quando chegou a hora, distribuí cópias do texto para as 76 pessoas presentes e discorri durante cento e vinte minutos sobre a “palavra inexistente”, que este era um assunto meu, exclusivamente meu.
- No mundo animal, certas presas emitem um som, “uma palavra existente”, para avisar aos seus semelhantes que o predador está vindo por terra, e um som diferente, “a outra palavra existente”, comunicando que a investida do predador se dará pelo ar. Essa comunicação, rudimentar e apenas dual, funciona porque as duas "palavras existentes" informam tudo que as presas podem transmitir: uma de duas “palavras existentes” será sempre escolhida para comunicar qual das duas ações está na iminência de ocorrer.
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- O verbo cuja completude se busca configura e preside a oração principal, e sua completude se faz com substantivos, nas funções de sujeitos e objetos, adjetivos e advérbios ou com as as orações subordinadas que lhes são equivalentes. Veja, por exemplo, o seguinte enunciado:
“ Viver na Terra, que é muito dispendioso, inclui, não obstante, uma viagem anual gratuita em torno do Sol”.
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Depois de advertir que minha terminologia não coincidia necessariamente com a das gramáticas, adicionei, no quadro-negro, vários exemplos, além daqueles apresentados no texto distribuído. Mostrei então os componentes sintáticos que se acoplam ao verbo, na função substantiva de sujeitos ou de objetos, e na função adjetiva ou adverbial, que às vezes são substituídos por orações equivalentes, que as gramáticas chamam de subordinadas.
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- Minha aula é a síntese. As gramáticas fazem a análise.
Lembro-me de ter sido aplaudido. O mais importante, para mim, foi a presença de Laura, que depois chegou a discutir alguns exemplos comigo.
- Você pagou um bom pedágio, Carlinhos. Você podia colocar esse texto da "palavra inexistente" na Internet.
- Farei isso depois do carnaval, ou melhor, no dia 16 de março.