Numa cidadezinha distante, nas bandas mineiras de eu menino, havia um alfaiate, o Zé, que gostava de comentar sobre religião, ciência e filosofia. Muitos freqüentavam a alfaiataria só para ouvir suas dissertações bem-humoradas e eruditas. Não sei explicar como adquiriu tanta cultura, num ambiente em que os temas raramente ultrapassavam o futebol e os concursos de beleza. Alguns diziam, com malícia, que passava as noites acordado, estudando o que iria comentar de dia. Pode ser, mas o Zé era muito bom no improviso, fazendo digressões sobre questões pontuais e inesperadas, que sempre surgiam no meio de uma conversa qualquer.
Tema complicado, se ciência ou filosofia, era exatamente com ele. Mito da caverna e mito da linha dividida, que chamava de "as alegorias de Platão", evolução das espécies e seleção das variações vantajosas, o espaço-tempo de Einstein, as geometrias de János Bolyai e Lobachevsky, espirais gnômicas, tempo de Planck, a importância do Código de Napoleão, Avicena, Isaac Newton Faz-Tudo... Ah, a universalidade de Voltaire, cujo nome o Zé só mencionava por extenso, François Marie Arouet de Voltaire, a seu juízo o mais brilhante e divertido conversador de todos os tempos e o mais prolífico de todos os escritores, com uma impressionante obra de trinta mil páginas. Trinta mil páginas! E ainda tinha tempo para conversar!
Hidropsia
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Heráclito
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- Morreu na merda, arrematava divertidamente o Zé.
- E a história de Hipassus?
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Assertividade
Lembro-me também da insistência do Zé sobre a importância de ser assertivo.
- O bobo passa por sábio , se falar pouco, mas com estilo e assertividade. Com assertividade, não importa o assunto. Não importa mesmo!
Seus exemplos prediletos de assertividade estavam na história e na literatura:
Fulgurando: O estado sou eu.
Deduzindo: Penso, logo existo.
Triunfando: Vim, vi e venci.
Osório
Morrendo: Quero morrer no meu posto!
Seduzindo: Do alto destas pirâmides quarenta séculos vos contemplam.
Liderando: Sigam-me os que forem brasileiros!
Negociando: Meu reino por um cavalo!
José do Patrocínio
Metamoforizando: Deus me deu sangue de Otelo para ter ciúme da minha pátria.
Deduzindo: Penso, logo existo.
Triunfando: Vim, vi e venci.
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Morrendo: Quero morrer no meu posto!
Seduzindo: Do alto destas pirâmides quarenta séculos vos contemplam.
Liderando: Sigam-me os que forem brasileiros!
Negociando: Meu reino por um cavalo!
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Metamoforizando: Deus me deu sangue de Otelo para ter ciúme da minha pátria.
O que restou do Zé
Zé de
Alencar
O Zé, perdido no interior do Brasil, reunia platéias sem saber cantar nem jogar futebol, contava histórias sobre a inteligência humana e sabia mostrar o lado fascinante da cultura. Houve por aí o Zé da Zilda, Zé de Anchieta, Zé Alencar e Zé de Alencar, Zé Kéti, Zequinha e Zé de Abreu, Zé do Patrocínio, Super Zé Maria, Zé Bonifácio de Andrada e Silva, Zé Boquinha, Zequinha Sarney, Zé de Arimatéia, Zé Bové, Zeca Pagodinho e Zeca Camargo, Zé de Habsburgo, Paulo José, São José, Maria José e inúmeros outros Zés, qualificados e bem-sucedidos.
Mas do Zé, que é somente Zé, o que ficou foi uma vaga lembrança.
Zé de
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O Zé, perdido no interior do Brasil, reunia platéias sem saber cantar nem jogar futebol, contava histórias sobre a inteligência humana e sabia mostrar o lado fascinante da cultura. Houve por aí o Zé da Zilda, Zé de Anchieta, Zé Alencar e Zé de Alencar, Zé Kéti, Zequinha e Zé de Abreu, Zé do Patrocínio, Super Zé Maria, Zé Bonifácio de Andrada e Silva, Zé Boquinha, Zequinha Sarney, Zé de Arimatéia, Zé Bové, Zeca Pagodinho e Zeca Camargo, Zé de Habsburgo, Paulo José, São José, Maria José e inúmeros outros Zés, qualificados e bem-sucedidos.
Mas do Zé, que é somente Zé, o que ficou foi uma vaga lembrança.