quarta-feira, 14 de outubro de 2009

O HOMEM DESNECESSÁRIO

Hebdomadário, sim, senhor!

Pensão

As pessoas não têm por que me incomodar, e seu desinteresse por mim só não é maior que a tranquilidade que me advém desse fato. Sozinho, num quarto do segundo andar, privilégio que me custa por mês o adicional de duzentos reais, alterno-me entre obras literárias e física. Ou me ponho a resolver problemas de palavras cruzadas, pois o homem só, quando não está com vontade de ler, nem de estudar, pode desperdiçar seu tempo procurando pela mulher que tasca o linho, pela epidemia que grassou em Paris no ano da graça de 1441, pelo deus do fogo, entre os celtas, pela abertura na carlinga por onde passa o mastro do navio, pela segunda produção de cana, depois de cortada a primeira, pelo maior afluente do Volga ou pela cerveja inglesa fabricada com malte pouco torrado.
Achar a palavra salvadora, a que não descruza e se conforma no diagrama, é modesta e solitária vitória, sem direito a aplauso nem recompensa, é verdade, mas não recebo nenhuma censura, nem vaias, nos meus fracassos cruzadísticos, tão vastos e numerosos.


- Para barlavento: aló

Bancário

Amigos não tenho, tampouco assunto, guarda-chuva ou retrospecto, e ninguém ouviu história de minha boca, nem curta, nem comprida. Sou escasso, por assim dizer, e não é sem razão que poucos hão de saber que sou bancário e, portanto, um cidadão modestamente remunerado. Gostaria de ter sido algo melhor, até tentei, mas o que me tocou foi exatamente caixa de banco, e isso há de me bastar. Não tenho, e até desconheço quais sejam, as relevantes qualidades que justificam os saldos milionários e as exuberantes mulheres dos homens que não são, como eu, desnecessários.

Exuberantes mulheres

Se tivesse uma oportunidade de recomeçar, tentaria a carreira de professor, quem sabe de literatura ou, principalmente, de física. Eu me imagino na sala de aula demonstrando de maneira competente que, em face dos princípios da termodinâmica e das irreversibilidades envolvidas nas trocas de calor entre corpos quentes e corpos frios, o crescimento da entropia será a causa da morte do universo, daqui a alguns bilhões de anos. Dar essa aula é a minha fantasia colorida, de realização improvável, claro, muito claro, mas nem por isso menos colorida.

- O crescimento da entropia causará a morte do universo.

Concurso

Uma saída para mim seria passar em algum concurso. Infelizmente, porém, não passa em concurso um homem como eu, só e desnecessário. Não que os concursos sejam fraudados, isso não. É que para se dar bem em concurso é necessário que o homem não seja só, nem desnecessário. Reconheço a contundente circularidade do que acabo de afirmar, necessário não ser desnecessário, mas a circularidade pode ser inevitável, como a do matemático que estabelece o conceito de probabilidade tomando por base os casos prováveis que reconhece no âmbito de todos os casos possíveis e igualmente prováveis, ou seja, define probabilidade em função da... probabilidade.

Igualmente prováveis...

Dissipando mal-entendidos

Mas há o lado bom de ser desnecessário, bastando dizer que não tenho de dar espinafrada, nem gorjeta, nem mole, nem bandeira, nem uma de inteligente, nem bons-dias ou cotoveladas.
O homem desnecessário chama-se, por exemplo, Hebdomadário de Oliveira, que é esse o meu nome, exatamente esse. Sou, nesse particular, um homem comprovadamente só, por absoluta fata de outro Hebdomadário.

Hebdromedário de Oliveira

Trago a certidão de nascimento sempre comigo, para aquelas pessoas que não acreditam que alguém possa ser, dos Oliveiras, o Hebdomadário. Sempre que requerido, essa certidão dissipa o mal-entendido de forma competente e definitiva. Hebdomadário de Oliveira, sim, senhor, veja aqui, nascido em Barro Verde, no dia 3 de janeiro de 1969.
(Do livro “O Homem Horizontal”)

sábado, 10 de outubro de 2009

NÚMEROS NATURAIS

JÁ EXISTIAM OU NÓS OS CRIAMOS?


A noção de números naturais, hoje tão arraigada, não surgiu espontaneamente na trajetória do conhecimento humano. O homem primitivo tinha apenas o entendimento do maior e do menor, do mais e do menos, até que a necessidade de comparar quantidades levou-o à concepção do número.

Tivemos a percepção dos números ou os criamos?

Há quem discuta se o número é uma entidade descoberta, anterior ao conhecimento humano, ou se uma invenção do homem inteligente, como a roda, a geladeira e o computador.
Alguns defensores de que os números não são uma criação humana costumam afirmar:

- Deus fez os números, deixando aos homens a tarefa de fazer o restante.

Números amigos

Pitágoras considerava que alguns números eram amigos de outros números...
Costumava relacionar todos os divisores de um número e obter a sua soma. Por exemplo, os divisores do número 10 são 1, 2 e 5, com soma 1 + 2 + 5 = 8.

- Números amigos são aqueles cujos divisores somados se reproduzem reciprocamente, como 220 e 284. Os divisores de 220 são 1, 2, 4, 5, 10, 11, 20, 22, 44, 55 e 110, cuja soma é 284. Por sua vez, 284 tem como divisores 1, 2, 4, 71 e 142, cuja soma é 220. Por isso 220 e 284 são números amigos ou amigáveis.

- Você é o meu único amigo, 220.
- Para sempre,
284.

Além de Pitágoras, outros matemáticos importantes gostavam de estudar os números amigos, como Pierre de Fermat e Leonardo Euler. Fermat descobriu os números amigos 17.296 e 18.416, e Euler, certa vez, publicou uma lista de trinta pares de números amigos, ele que mais tarde iria enriquecer essa lista com mais três dezenas desses pares.
Todos os pares de números amigos inferiores a um milhão já são conhecidos.

O conceito de números amigos é extensivamente utilizado nas práticas de feitiçaria, magia e astrologia e na confecção de horóscopos.

Números são a fonte de tudo

Pitágoras admitia que a variedade das coisas podia ser explicada pelo concurso dos opostos, a saber, os números pares, que são ilimitados, imperfeitos e sem determinação, por não se oporem à divisão por dois, e os números ímpares, que se opõem à divisão por dois e são, por isso, categorizados como limitados, perfeitos e determinados. Das imensuráveis combinações do ilimitado com o limitado, é que deviam resultar o vir-a-ser e a multiplicidade.

Pitágoras

Eis o que dizia Pitágoras:

- Os números são o princípio, a fonte e a raiz de todas as coisas, sendo
possível expressar todos os fenômenos naturais mediante relações matemáticas.

Uma antecipação, com radicalização e exagero, do que modernamente chamamos de leis físicas.

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

RAINHA MORTA

INÊS DE CASTRO

Dom Pedro (1320-1367), filho de Afonso IV e príncipe herdeiro do trono de Portugal, casou-se secretamente com a dama espanhola Inês de Castro, após ficar viúvo de Constância de Aragão, falecida em 1349. Pedro e Inês viveram seus amores no Paço de Santa Clara, às margens do rio Mondego, em Coimbra.

Paço de Santa Clara

Rio Mondego

Afonso IV, o Rei Benigno, aconselhado por cortesãos, que temiam uma influência espanhola sobre o trono de Portugal, determinou a morte de Inês, em 1355, aproveitando-se do fato de que o filho Pedro estava ausente, ou lutando pelo Reino de Castilha, segundo uns, ou numa estação de caça, segundo outros.

- Benigno e pusilâmine.

Três cortesãos, Pero Coelho, Diego Lopes Pacheco e Álvaro Gonçalves, foram encarregados de executar a pobre dama, missão que teriam cumprido com requintes de crueldade, degolando Inês sem nenhuma piedade. Segundo a tradição popular, o sangue de Inês ficou gravado numa rocha e nela permanecerá para sempre.


Morte de Inês (óleo sobre tela, de Columbano Bordalo Pinheiro)

Rei Cruel

Desvairado com o ocorrido, Dom Pedro insurgiu-se contra o pai, derrotou-o, corou-se rei de Portugal e perseguiu os carrascos de Inês, torturando dois deles até a morte, Pero Coelho e Álvaro Gonçalves. Isso ocorreu em 1358.
O cronista Fernão Peres fez um relato da vingança, consumada nos Paços de Santarém:

- D. Pedro mandou amarrar as vítimas, cada uma a seu poste de suplício, enquanto os cozinheiros de sua Corte preparavam um lauto banquete de cerimônia. O rei
não poupou requintes de horror no castigo implacável. Mandou o carrasco tirar a um o coração pelas costas e a outro, o coração pelo peito. Por fim, como sentisse que não bastava a tortura tremenda, ainda teve coragem para trincar aqueles corações que, para ele, seriam malditos para sempre.

Pedro, considerado como Pedro I em Portugal, passou à história com os epítetos de Rei Justiceiro e de Rei Cruel. Reza uma das versões que em 1361 mandou exumar o cadáver de Inês, coroando-a rainha depois de morta e obrigou a nobreza a beijar-lhe a mão de rainha.

Mosteiro de Alcobaça

Os restos mortais de Pedro e Inês estão em túmulos suntuosos no Mosteiro de Alcobaça, cidade que fica a 109 quilômetros de Lisboa.


Mosteiro de Alcobaça

Inês nos Lusíadas

Inês de Castro é o tema das estrofes de 118 a 135 do Canto III dos Lusíadas, o qual reproduz a história de Portugal como narrada por Vasco da Gama ao rei de Melinde (uma cidade que hoje pertence ao Quênia, na costa do Índico). Abaixo, quatro estrofes do Canto III alusivas ao episódio de Inês:

Estrofe 120

Estavas, linda Inês, posta em sossego,
De teus anos colhendo doce fruto,
Naquele engano da alma, ledo e cego,
Que a fortuna não deixa durar muito,
Nos saudosos campos do Mondego,
De teus fermosos olhos nunca enxuto,
Aos montes ensinando e às ervinhas
O nome que no peito escrito tinhas.



Camões

Estrofe 127

Ó tu, que tens de humano o gesto e o peito
(Se de humano é matar uma donzela
Fraca e sem força, só por ter sujeito
O coração a quem soube vencê-la),
A estas criancinhas tem respeito,
Pois o não tens à morte escura dela;
Mova-te a piedade sua e minha,
Pois te não move a culpa que não tinha.

Inês e o Rei Justiceiro

Estrofe 129

Põe-me onde se use toda a feridade,
Entre leões e tigres, e verei
Se neles achar posso a piedade
Que entre peitos humanos não achei.
Ali, com o amor intrínseco e vontade
Naquele por quem morro, criarei
Estas relíquias suas que aqui viste,
Que refrigério sejam da mãe triste.

Estrofe 135

As filhas do Mondego a morte escura
Longo tempo chorando memoraram,
E, por memória eterna, em fonte pura
As lágrimas choradas transformaram;
O nome lhe puseram, que inda dura,
"Dos amores de Inês", que ali passaram.
Vede que fresca fonte rega as flores,
Que lágrimas são a água, e o nome Amores!

Universidade de Coimbra

sábado, 3 de outubro de 2009

AS CORES DO ARCO-ÍRIS

O lamento do poeta


Luz branca decomposta

Em seu poema "Lamia", publicado em 1820, o poeta inglês John Keats (1795 – 1821) lamentou que Isaac Newton tenha destruído todo o encantamento do arco-íris, ao demonstrar experimentalmente que a luz branca do Sol é uma mistura de cores que podem ser separadas por um prisma de vidro.

Versos de John Keats

Do not all charms fly
At the mere touch of cold philosophy?
There was an awful rainbow once in heaven:
We know her woof, her texture; she is given
In the dull catalogue of common things.
Philosophy will clip an Angel’s wings,
Conquer all mysteries by rule and line,
Empty the haunted air, and gnomed mine -
Unweave a rainbow.

Keats

(Todos os encantos não se dissipam
Ao mero toque da triste filosofia?
Existia um maravilhoso arco-íris no céu:
Conhecemos agora sua trama, sua textura
No frio catálogo das coisas triviais.
A filosofia decepará as asas de um Anjo,
Decifrará os mistérios item por item,

Eliminará o encanto do ar e o tesouro escondido -
Desvendará o arco-íris.)

No poema de Keats, a palavra "filosofia" equivale a "física", que outrora era chamada de "filosofia natural".

Desvendando o arco-íris

Richard Dawkins é um professor de Oxford, nascido em Nairóbi, no Quênia, em 1941, destacando-se como divulgador científico e defensor radical da Teoria da Evolução, de Charles Darwin, sendo por isso chamado de "rottweiler de Darwin", epíteto alusivo a Thomas Huxley, que em seu tempo foi chamado de "buldogue de Darwin".
Dawkins é autor de livros importantes, todos best-sellers mundiais, sendo o principal “O Gene Egoísta”, sobre a teoria da evolução, publicado em 1976. Outros são: “O Fenótipo Estendido” “O Relojoeiro Cego”, O Rio Que Saía do Éden”, “A Escalada do Monte Improvável”, “Desvendando o Arco-íris” e “O Capelão do Diabo”. Seus livros mais recentes são "Deus, um Delírio", em que postula a inexistência de Deus, e "A Grande História da Evolução", uma peregrinação retroativa pela história da vida, até alcançar sua origem, quatro bilhões de anos atrás.

- Keats não poderia estar mais errado, comenta Richard Dawkins no prefácio do seu livro "Desvendando o Arco - íris", e meu desejo é conduzir para o lado contrário todos os que pensam como ele. Ciência, na verdade, pode ser inspiração para os grandes poetas.


Dawkins

"Desvendando o Arco - íris" é, com efeito, um livro destinado a atrair os leitores para os temas fascinantes da ciência.

sábado, 26 de setembro de 2009

RELATIVIDADE E NAZISMO

CEM CIENTISTAS CONTRA EINSTEIN

Em sua juventude, Einstein, nascido na Alemanha, desligou-se da família quando esta transferiu-se para Milão e decidiu estudar na Suíça. No mesmo ano em que recebeu um doutorado de Física na Universidade de Zurique, apresentou, em 1905, suas teorias sobre o caráter dual da luz, sobre o efeito fotoelétrico, sobre o movimento browniano e sobre a relatividade especial, quando tinha 26 anos.

Universidade de Zurique
Resumidamente

Caráter dual da luz: a luz pode apresentar-se ou como onda ou como partícula, dependendo da experiência que estiver sendo conduzida pelo observador. A Física Quântica
surgiu a partir dessa constatação, e muitos dizem que a natureza tem dois modelos mutuamente excludentes, apenas um apresentando-se para o observador.

Efeito fotoelétrico: a incidência da luz de alta energia sobre um metal desloca seus elétrons, criando eletricidade.

Movimento browniano:
grãos de pólen boiando num copo de água se movimentam constantemente, como consequência dos choques dos grãos com as moléculas da água.

Relatividade especial: a velocidade da luz é máxima e tem caráter absoluto; o espaço e o tempo não são absolutos, nem independentes, constituindo uma única entidade geométrica, o espaço-tempo, com quatro dimensões (as três dimensões do espaço mais a dimensão do tempo). A velocidade da luz não é afetada pela velocidade da fonte, que a produz, nem pela velocidade do observador, que a recebe, contrariando frontalmente a mecânica clássica; a passagem do tempo ocorre em diferentes velocidades para observadores em diferentes esquemas em movimento.


Einstein e Gödel,
expoentes da Universidade de Zurique


A teoria da relatividade espacial mudou inteiramente a noção que se tinha de espaço e de tempo e seria complementada, pelo próprio Einstein, em 1915, com a teoria da relatividade geral, na qual se introduziu a gravidade. A relatividade geral esclarece que a matéria não atrai matéria, mas deforma o espaço; este, deformado, indica o caminho a ser seguido pela matéria.

Campanha

A campanha contra os judeus na Alemanha começou muito antes da ascensão de Hitler ao poder, em 1933. Desde 1920 a teoria da relatividade, de Albert Einstein, era tachada pelo partido nazista como parte da “física judia”. A partir de 1930, Einstein e outros intelectuais judeus começaram a ser efetivamente perseguidos. Foi publicado na Alemanha, em 1931, um livro chamado “Cem Cientistas Contra Einstein”, que não passava de um panfleto anti-semita. Einstein reagiu ao mesmo com as seguintes palavras:

- Se eu estivesse errado, bastaria um.

No ano seguinte, com a cabeça a prêmio, Einstein mudou-se com a segunda mulher, a prima Elsa Löwenthal, para os EUA.
Nunca mais voltou à Europa.


Queima de livros, obscurantismo total e absoluto



Berlim: queima de livros

No dia 10 de maio de 1933, os nazistas da Liga dos Estudantes Alemães fizeram em Berlim a queima espetacular de 10 mil livros, diante da Universidade Humboldt, na atual praça Bebelplatz, que abriga hoje "o memorial da queima de livros". Entre os livros queimados, estavam os de Albert Einstein, Stefan Zweig, Heinrich e Thomas Mann, Sigmund Freud, Kafka e Heine.

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

A VELHINHA DA ANTERO DE QUENTAL

SOU CANDIDATO AO PRÊMIO NOBEL?

Acabo de ser aprovado no vestibular de Física, eu que voltei aos estudos há apenas oito meses. E, por ser mais velho que meus colegas, tenho medo de ter passado do ponto. Foi esse o motivo que me levou a pesquisar sobre a idade produtiva de Newton, Einstein, Maxwell, Bohr, Heisenberg e Gödel, os fundadores da ciência moderna.

Isaac Newton

Embora não seja candidato a gênio, constatei o que não queria: a precocidade dos iluminados da ciência. É só conferir:

(1)
Os principais trabalhos de Isaac Newton foram concluídos antes dos 25 anos, uma boa parte no tempo em que ficou isolado em Woolsthorpe, uma vila rural, ao abrigo da peste que assolou a Inglaterra em 1665 e obrigou ao fechamento da Universidade de Cambridge. Não sem razão, 1665 é chamado de "anus miraculous" de Newton.

- A peste grassando, avassaladora, e Newton, numa boa, navegando no seu
"anus miraculous" e formulando a Lei da Gravitação Universal.

(2) Albert Einstein apresentou
em 1905, "anus miraculous" que lhe coube, as teorias sobre a natureza dual da luz, sobre o efeito fotoelétrico, sobre o movimento browniano e sobre a relatividade especial. Tinha então 26 anos. No seu trabalho burocrático, entre examinar uma e outra patente, Einstein reformulou as noções de espaço e tempo e pautou uma nova era para a ciência.

- Fora da Física, Einstein só pensava em Mileva Maric, a sua "Boneca".

(3) James Clerk Maxwell, cujas equações uniram a eletricidade ao magnetismo e à ótica, foi considerado gênio aos 24 anos; Werner Heisenberg estabeleceu o princípio da incerteza com 26 anos; Niels Bohr ganhou a medalha de ouro da Academia de Ciências da Dinamarca aos 22 anos, por seus trabalhos sobre tensão superficial da água, antes de enunciar o princípio da complementaridade; Kurt Gödel abalou os alicerces da Matemática quando tinha apenas 25 anos.

Necessidade financeira

Mileva e Einstein

Muito simples, pensei, com a minha mania de induções e generalizações rápidas.
Entre os 20 e os 30 anos situa-se a idade do casamento, e surge a necessidade de conseguir o sustento da família. Não resta ao gênio senão fazer o que sabe, que é colocar em prática a sua genialidade. Einstein, por exemplo, casou-se em 1903 com a sérvia Mileva Maric, pouco antes de impor-se ao mundo, e o conjunto de façanhas de 1905 foi necessário para conseguir o dinheiro do aluguel, sendo certo, entretanto, que o Prêmio Nobel de Einstein só viria em 1921, no valor de 32.250 dólares da época.

- Se o negócio for movido a necessidade estou do lado bom, que é o lado de dentro. Apesar dos meus 32 anos...

Uma coisa ou outra

Examinei depois o caso de Erwin Schrödinger, descobridor de que o comportamento do elétron pode ser explicado por uma equação de onda, que o situa em diferentes posições no espaço. Ao mesmo tempo! Muito complicado e, não obstante, uma vitória da inteligência humana. Pois bem, Schrödinger formulou essa teoria em 1926, quando tinha já 39 anos, e esse fato pode ser um argumento a meu favor, que só serei físico aos 35 anos. O bravo Schrödinger elaborou seu trabalho quando passava uma temporada com uma amante misteriosa nos Alpes suíços, a qual ficou conhecida nos meios científicos como a Dama de Arosa.

- Querida, veja a equaçãozinha que eu criei...

Equação de onda
(Manuscrito de Schrödinger)

Erwin Schrödinger

Cabe, portanto, um adendo à minha indução. A consolidação do gênio ocorre entre os 25 e os 30 anos e resulta de uma necessidade financeira, que era essa a situação de Einstein e Gödel; uma forma alternativa de motivação de genialidade também pode ter lugar, em qualquer idade, se o gênio estiver se
afirmando perante a amada, como na situação de Shrödinger nos Alpes, o qual, aliás, nunca teve nenhum problema financeiro.

- Continuo dentro. Falta só a Dama de Arosa...

Dama de Arosa

Sou candidato ao Prêmio Nobel?

Um amigo me perguntou se tenho pretensão de ser um Bohr, um Einstein ou, considerando a minha idade, um Schrödinger, pois estranhou essa pesquisa de idades e amantes.

- Acho que você está querendo ganhar um Prêmio Nobel!

Edith Pastoril
Informei-lhe que meu só desejo é ser um bom professor de Física. Quanto ao Prêmio Nobel, dou a mesma resposta de Dona Edith Pastoril, a nonagenária da Antero de Quental, quando lhe perguntam se acha possível receber uma proposta de casamento:

- Por que não? A gente nunca sabe...

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

QUATRO POETAS DE NOME MANUEL

IDENTIFIQUE O MANUEL PELOS VERSOS


Manuel I

Para entender a poesia nós temos dois caminhos:
O da sensibilidade, que é o entendimento do corpo,
E o da inteligência, que é o entendimento do espírito.
Eu escrevo com o corpo;
Poesia não é para compreender, mas para incorporar.


Manuel II

- Não posso crer que se conceba
Do amor senão o gozo físico!
O meu amante morreu bêbado,
E meu marido morreu tísico!


Manuel III

Íamos viver toda a vida juntos.
Íamos morrer toda a morte juntos.
Não sei se sabes o que significa a palavra adeus.
Adeus quer dizer já não olhar-se nunca mais,
Viver entre outras gentes,
Rir-se de outras coisas,
Morrer-se de outras penas.
Adeus é separar-se, entende?
Separar-se, esquecendo a juventude, como traje inútil.
Adeus.


Manuel IV

- Eu me arrependo; a língua quase fria
Brade em alto pregão à mocidade,
Que atrás do som fanático corria:
Outro Aretino fui... A santidade
Manchei! Oh!, se me creste, gente ímpia,
Rasga meus versos, crê na eternidade!


Confira


I: Manoel de Barros


II: Manuel Bandeira


III: Manuel Scorza


IV: Manuel Maria Barbosa du Bocage

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Já beócio não sou!

Gorki e Camus

Foi do Museu que May me ligou.

May

- Quero convidá-lo para ver uma peça.

- Peça, sobre o quê? Quando?

- "Pequenos Burgueses", de Máximo Gorki, hoje à noite. Sobre os Bessemenovs, uma família russa em decadência.

- Mas...

- Nem pense em recusar, pois já adquiri os ingressos.

Pequenos burgueses

Máximo Gorki

May, ao volante, tomou o rumo do Teatro Villa-Lobos. Foi durante o percurso que ela me explicou que Máximo Gorki teve uma vida miserável, trabalhando como lavador de pratos, pescador, vendedor de frutas, muitas vezes sobrevivendo até como vagabundo. Chegou a tentar o suicídio, no desespero de quem se sente perdido, no meio de muita gente corrupta e miserável. Ele se consagrou, porém, ao escrever os "Pequenos Burgueses", pois a decadência dos Bessemenovs, com todas as suas contradições, era uma amostra do que acontecia na Rússia que antecedeu a Revolução Comunista.
Tudo foi, para mim, um alumbramento:
o teatro, o ambiente, o ritual. E a peça, não sei se tinha visto alguma assim densa e interessante. Um pai arbitrário, uma filha deprimida, um filho pretensioso e Nill, o trombeta de Deus! Era a classe média assoberbada pelo tédio, numa sociedade em plena e decidida decomposição.

Modelo idiota

Saí do teatro ainda mais convencido de que era necessário introduzir o viés da cultura em minha vida, jogando na lata do lixo aquele modelo idiota em que eu só pensava em integrais, vetores, transformadas de Laplace, eletricidade e mecânica. Nesse processo de ruminar minha inferioridade, lembrei-me de Charles Percy Snow, o intelectual inglês para o qual poucos cientistas leem Charles Dickens ou uma peça de Shakespeare, e poucos artistas conhecem o Segundo Princípio da Termodinâmica.

- Assim, concluía Snow, fica muito difícil resolver os problemas do mundo.

- Fica mesmo, concordo, aqui do meu cantinho. Não que eu me considere um cientista na acepção integral da palavra, mas não posso continuar sendo um analfabeto cultural em plena cidade do Rio de Janeiro.

O estrangeiro

Uma semana depois May ligou-me novamente, sempre assumindo as iniciativas.

- Já tenho os ingressos.

- Mas qual o filme?

- Isso também é importante. "O Estrangeiro", baseado num romance de Albert Camus.

- Albert Camus?

Ora, pois. O senhor Meursault decide ir ao enterro da mãe, cuja idade desconhece. Sei lá, sessenta anos. Encontra-se depois com Marie Cardona e vê um filme de Fernandel; Mersault relaciona-se com um vizinho, Salamano, que tem um cachorro nojento; e com outro, Raymond Sintès, que é cafetão e tem o hábito de espancar a mulher até o sangramento.
No domingo, Meursault, Marie Cardona e Raymond vão para a casa de praia de Masson, um amigo de Raymond. Dois árabes atacam Raymond na praia, pois querem vingar-se da surra que ele deu na prostituta. São repelidos por Raymond e Masson, que, a seguir, voltam para casa.
Meursault passeia pela praia sozinho e avista um dos árabes, que exibe a faca, mas sem nenhuma atitude agressiva. Era só Meursault voltar também para casa, e tudo estaria terminado. Mas havia o sol na cara. Mersault atira, e o árabe tomba, fulminado. Depois atira mais quatro vezes contra o corpo inerte do homem caído.
O advogado, o juiz e o promotor tentam entender o gesto de Mersault, que, de fato, nunca se arrepende de nada porque é dominado pelo que vai acontecer.


- Foi o sol...

- Eu matei o árabe por causa do sol.

O capelão insiste em falar com o senhor Meursault, pois precisa conquistar sua alma de condenado à morte.

- Deus irá ajudá-lo, Meursault.

- Não quero que ninguém me ajude, e falta-me tempo para me interessar pelo que não me interessa.

Indiferença perante a vida. desdém por todas as circunstâncias. Uma obra de Camus, mostrando, numa reflexão sobre o absurdo, um homem que se estranha, estrangeiro de si próprio.

- Muito esquisito.

- Bota esquisito nisso, Carlinhos.

Minha opção

Ana Netrebko, uma Traviata

Dar mais atenção aos cadernos internos do jornal,

ler Proust, a Divina Comédia e o Dom Quixote,


ir ao Municipal,

ser capaz de reconhecer uma ária da Traviata ou uma sonata de Beethoven,

aprender Francês, que isso de só saber Inglês já está ficando ridículo, e
jogar bridge.

Ilíada, Finnegans Wake,

mitologia grega e escandinava,

Noberto Bobbio, Kierkegaard e Condillac.

E, claro, vinhos, filosofia e economia política.

Ficar atento às oportunidades culturais.

Manuel Maria Barbosa du Bocaje

E gritar, como um Bocage desvairado do Baixo Leblon:

- Gente ímpia, rasgai os meus versos e crede na eternidade, que já beócio não sou!

Ou não estarei à altura da May.

sábado, 5 de setembro de 2009

IMAGEM DO UNIVERSO (39/n)

BURACOS NEGROS

O corpo não cai se sua velocidade for
maior que a de escape (ramo superior)


Se um corpo for lançado para o alto, com velocidade de lançamento não superior a 11,2 quilômetros por segundo, o progresso do seu movimento é obstruído pelo campo gravitacional da Terra e o corpo cai sobre a superfície da mesma. Se superior a 11,2 km/s, o corpo escapa à ação gravitacional da Terra e a esta não volta mais. Todos os objetos na Terra sujeitam-se à mesma velocidade de escape de 11,2 km/s, independentemente de sua massa, seja esta de um quilograma ou de uma tonelada.
A velocidade de escape depende da massa e do campo gravitacional do corpo celeste e da distância do objeto a ser lançado ao centro de gravidade do referido corpo celeste.

- A velocidade de escape da da Lua é de de 2,4 km/s, a de Júpiter, de 61 km/s, e a do Sol, de 620 km/s.


Nem a luz


Chama-se de "buraco negro" ao corpo celeste cuja velocidade de escape é igual à velocidade da luz; como nada pode superar a velocidade da luz, segue-se que nada escapa do buraco negro, nem mesmo a própria luz. Torna-se impossível ver um astro desse tipo, pois sua luz não nos alcança, o que explica o nome que lhe foi atribuído.

- Os buracos negros são consumidores de informações.

Os buracos negros podem ter vários tamanhos. Alguns, nos centros das galáxias, teriam se formado pelo colapso do núcleo galático e podem pesar bilhões de massas solares. São buracos negros supermaciços. Há também buracos negros estelares, que resultam da última etapa da evolução das estrelas, sempre que sua massa for suficientemente elevada (superior a duas massas solares), na sua evolução para gigantes vermelhas e supernovas. As estrelas de nêutrons resultam das supernovas e, ao fim e ao cabo, transformam-se em buracos negros.

Estrelas de nêutrons

Os buracos negros foram previstos pelo astrônomo inglês John Michell (1724-1793), em 1793, numa suposição baseada na lei da gravitação de Newton. Em 1795, Pierre-Simon de Laplace (1749-1827), em seu livro de divulgação "Exposição do Sistema do Mundo" manifestou a convicção de que a gravidade atua sobre a luz, da mesma forma que atua sobre os outros corpos. Eis o que escreveu Laplace:

" Uma estrela brilhante que tenha densidade igual à da Terra e um diâmetro equivalente a 250 vezes o diâmetro do Sol, por causa de sua gravidade, não permite que os raios de sua luz viajem para nos alcançar; é muito possível que os corpos celestes mais brilhantes do Universo nos sejam totalmente invisíveis."

Laplace

Laplace acertou na mosca, ele que era muito bom matemático. Pois a estrela brilhante do seu exemplo teria uma velocidade de escape igual a 27 mil vezes a velocidade de escape da Terra, isto é, v. e. = 27.000 x 11,2 = 302, 4 mil k/s (maior que a velocidade da luz).

Karl Schwarzschild

Foi, entretanto, o alemão Karl Schwarzschild (1873-1916) quem construiu a solução matemática do buraco negro, com base na relatividade de Einstein. Pelas suas equações, apresentadas em 1915, nada impede que o buraco negro continue a contrair-se até sua implosão em um ponto no centro do buraco negro. A esse ponto de infinita pressão, densidade e curvatura do espaço-tempo chama-se de "singularidade".

Perplexidade


- Honorificabilitudinitatibus...

A mistura impossível de Relatividade e Física Quântica
Recua no tempo e converge para o Big Bang,
O qual tudo acomoda, constrangendo todas as teorias.
Trata-se, como dizem, de uma singularidade,
De muita gravidade e pouca conversa,
Onde o espaço, envergonhado, põe-se a ferver,
E as hipotenusas ficam abraçadinhas com seus catetos.
Avassalado pelo espetáculo soberano da Natureza,
Não vislumbro a Nebulosa de Andrômeda,
Odeio a precessão dos equinócios
E tudo que sei é a Segunda Lei de Newton.
Desentendo com muita competência o grande,
o pequeno
e o veloz,
Mas tenho pena e medo dos buracos negros,
Que tudo sabem, mas não dizem.
Já me alertaram, porém, que nada se perde,
Nada se cria, tudo se transforma.
Dizer o quê? Honorificabilitudinitatibus...
Confesso, afinal e muito tristemente,
Que sou culpado, muito culpado, de não ter nascido Deus.


quarta-feira, 2 de setembro de 2009

PALAVRAS IMORTAIS

PELA FRASE, DESCUBRA O PERSONAGEM


(1)

- Aos vencedores, as batatas.

(2)

- Eu poderia estar encerrado numa casca de noz e ainda assim
considerar-me rei do espaço infinito, se a mim não me coubessem tantos pesadelos.


(3)

- Cada qual cuide do seu enterro, impossível não há.

(4)

- Melhor me fica, a mim, uma foice na mão que um cetro de governador.


(5)

- Um cavalo! Um cavalo! Meu reino por um cavalo!

(6)

- Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado da nossa miséria.

(7)

- Quem é a bola?


(8)

- Se querer fosse poder, as choupanas se tornariam mansões
e as capelas, catedrais exuberantes.

(9)

- Não tem dúvida, não tem dúvida, estou na idade da razão.


(10)


- Maiores são os poderes do povo!


Confira aqui:

(1) "Quincas Borba" (em "Quincas Borba", de Machado de Assis)

(2) "Hamlet" (em "Hamlet, o Príncipe da Dinamarca", de Shakespeare)

(3) "Quincas Berro Dágua" (em "Velhos Marinheiros", de Jorge Amado).

(4) "Sancho Panza" (em "Dom Quixote De La Mancha", de Cervantes).

(5) "Ricardo III" (em "A Tragédia de Ricardo III", de Shakespeare)

(6) "Brás Cubas" (em "Memórias Póstumas de Brás Cubas", de Machado de Assis)

(7)"Grã-fina das Narinas de Cadáver" (em "Panorama das Chuteiras Imortais", de Nélson Rodrigues)

(8) "Portia" (em "Mercador de Veneza", de Shakespeare)

(9) "Mathieu" (em "A Idade da Razão", de Sartre)

(10) "Corisco" (em "Deus e o Diabo na Terra do Sol", de Glauber Rocha)