quarta-feira, 16 de março de 2011

UMA VISÃO HOLÍSTICA (I de II)

COMO CRIAR UMA PALAVRA INEXISTENTE
(a pedido de Laura)


No mundo animal, certas presas emitem um som, “uma palavra existente”, para avisar aos seus semelhantes que o predador está vindo por terra, e um som diferente, “a outra palavra existente”, comunicando que a investida do inimigo se fará pelo ar. Essa comunicação, rudimentar e apenas dual, funciona porque as duas "palavras existentes" informam tudo que as presas podem transmitir: uma de duas “palavras existentes” será sempre escolhida pela presa para comunicar qual das duas ações está na iminência de ocorrer.

- Duas ações a comunicar, duas "palavras existentes".

- O celerado está vindo por terra...

O recurso de comunicar-se dessa maneira, por meio de uma "palavra-existente", que fosse um vocábulo-tudo, não é exequível (felizmente) no caso dos seres humanos, cujas necessidades de comunicação exigiriam uma quantidade infinita de "palavras existentes", pois infinitas são as informações a transmitir. O que se quer informar corresponde sempre a uma "palavra inexistente". Daí a necessidade de outro modelo, em que a "palavra inexistente" é substituída, em cada caso, por um conjunto improvisado, com adicionar a um verbo palavras existentes que transmitam o pensamento desejado.

- As palavras existentes, quando isoladas, não têm completude e podem transmitir muito pouco, mas agregadamente organizam-se em torno de uma delas, um verbo, para cumprir a tarefa de enunciar o que se pretende.

COMPONENTES

A "palavra inexistente" é, pois, substituída por uma soma de palavras-componentes, aqui enumeradas de (1) a (5), em que o verbo, componente numero (1), é essencial e constitui o núcleo do pensamento a transmitir. Os outros componentes, de (2) a (5), são os substantivos, adjetivos, advérbios e os componentes oracionais, que funcionam acidental e complementarmente, como penduricalhos que servem à completude do verbo.


Verbo = Componente (1)

Neste texto, os verbos serão de três tipos:

verbos quase completos;

verbos incompletos por subjetivação;

verbos incompletos por subjetivação e objetivação.

(a) Verbos quase completos: são os que dispensam sujeito e objetos, como “anoitecer” e “trovejar”. Não são totalmente completos por não exprimirem as circunstâncias da ação, donde a necessidade de acrescentar-lhes um advérbio:

‘“ Trovejou muito.” e “chove torrencialmente.”


Verbos quase completos
são os verbos cuja completude exige apenas um advérbio("muito", "torrencialmente"), para exprimir as circunstâncias.

(b) Verbos incompletos por subjetivação, como “nascer”e “crescer”. São os que, para sua completude, além do advérbio, necessitam de sujeito, esta uma função exercida por um substantivo. Exemplo: “Faleceu.” Falta, no caso, indicar quem faleceu e as circunstâncias:

“O menino faleceu subitamente.”

Verbos incompletos por subjetivação são os verbos incompletos cuja completude exige um substantivo ("menino"), como sujeito, e um advérbio ("subitamente"), para exprimir as circunstâncias.


- O professor precisa de mim agora?

(c) Verbos incompletos por subjetivação e objetivação, como “esperar”, “precisar” e “comprar”. São os que, para sua completude, além de sujeito e de advérbio, necessitam também de objeto direto. Ou de objeto indireto. Ou de ambos. São também os substantivos que exercem as funções de objeto direto e indireto. Exemplos:

“João esperou o trem pacientemente.”

“O professor precisa de você agora.”

“A mulher compra um presente para a filha semanalmente.”


Os verbos incompletos por subjetivação e objetivação, além de sujeito e objeto direto, objeto indireto ou ambos, ainda requerem advérbios, que exprimem as circunstâncias.


Palavras necessárias à completude do verbo

Além do verbo, que constitui o núcleo da "palavra inexistente", há portanto os componentes que servem à sua completude, que poderíamos chamar de acidentais: substantivos, adjetivos, advérbios e orações subordinadas, estas para desempenhar a função de substantivos, adjetivos ou advérbios, quando estes, apesar de necessários, forem inexistentes.


Componente (2): substantivos

Substantivos são as palavras que exercem as funções, mencionadas anteriormente, de sujeito e de objetos. Exemplos:


“O professor comeu a goiaba.”

“O jornaleiro deu milho aos pombos.”


Componente (3): adjetivos

Adjetivos são as palavras que servem para qualificar os substantivos, estes nas respectivas funções mencionadas anteriormente. Exemplo:


“O professor exigente comeu a goiaba envenenada.”

Componente (4) : advérbios

Advérbios são as palavras que servem para exprimir as circunstâncias, conforme já mencionado. Exemplo:

“Fui ao cinema ontem.”

Componente (5): componentes oracionais

Componentes oracionais são as chamadas orações subordinadas, que servem para exercer as funções, anteriormente mencionadas, de substantivos, adjetivos e advérbios, quando estes ou não existem formalmente ou, se eventualmente existentes, são insuficientes para expressar o que se deseja.


Ela esqueceu...

(a) Orações subordinadas substantivas - são as que desempenham o papel de substantivo, na função de sujeito ou de objeto. Exemplo:

“Percebi que ela esqueceu a minha recomendação.”

O autor da frase não encontrou um substantivo que expressasse o que ele quis dizer com a oração subordinada substantiva “que ela esqueceu a minha recomendação.” Poderia ter usado, por exemplo, uma alternativa como “percebi o esquecimento”, o que seria insuficiente para exprimir o que foi dito, ou, alternativamente, “percebi o esquecimento dela a respeito da minha recomendação”, o que, sobre arruinar o estilo, não traria nenhuma economia de palavras.“Que ela esqueceu a minha recomendação” é uma oração (subordinada substantiva) que o orador pôs no lugar de um substantivo necessário ao seu discurso, mas inexistente.

(b) Orações subordinadas adjetivas - são as orações que desempenham o papel de adjetivo, na sua função de qualificar o substantivo. Exemplo:

“O professor que nunca ri desapareceu misteriosamente.”



No exemplo acima o orador não encontrou um adjetivo que expressasse o que ele quis enunciar com a oração subordinada adjetiva “que nunca ri”. Poderia ter dito professor “carrancudo” ou professor “triste”, expressões que, entretanto, não traduzem com fidelidade o que foi dito e até diferem entre si. “Que nunca ri” é uma oração que está no lugar de um adjetivo inexistente, mas necessário ao discurso do orador.

(c) Orações subordinadas adverbiais - são as que desempenham o papel de advérbios, na sua função de exprimir as circunstâncias. Exemplo:

“Chovia quando despertei.”


Ao autor do enunciado acima não ocorreu nenhum advérbio que expressasse o que ele quis informar com a oração subordinada adverbial “quando despertei”. Poderia, alternativamente, ter dito “chovia cedinho” ou “chovia pela manhã”? Sim, se ele tivesse entendido que uma dessas alternativas, caso lhe ocorresse, era equivalente ao que ele enunciou. Não foi o caso, e ele se valeu de uma oração subordinada adverbial, no caso, temporal. “Quando despertei” é uma oração criada pelo orador para ocupar o lugar de um advérbio necessário à completude do verbo, que, entretanto, não existia ou não lhe ocorreu.


(continua em 23 de março)

2 comentários:

Ana disse...

Excelente! Beijos, Ana.

Unknown disse...

Ótima abordagem.