quarta-feira, 23 de março de 2011

UMA VISÃO HOLÍSTICA (II de II)

CONSTRUINDO A PALAVRA INEXISTENTE


- Diabo, não consigo encontrar a palavra...

O pensamento a ser expresso sempre corresponde a uma "palavra inexistente", daí decorrendo a necessidade de construir um período que lhe seja equivalente. Parte-se de um verbo, o componente essencial, acrescentando-lhe, conforme sua incompletude, um ou mais componentes acidentais. Um estoque de verbos existe, com efeito, à disposição do sujeito expressante, que verifica em cada caso se o verbo escolhido precisa de sujeito e de objetos, além de considerar as circunstâncias a serem informadas, acrescentando-lhe o que for necessário à sua completude: eis a arte de improvisar uma informação completa, a partir de palavras catalogadas no idioma, para corresponder à "palavra inexistente" e dar a conhecer a ação imaginada.

- Os componentes acidentais, simples ou oracionais, somam-se ao verbo, que é o núcleo da "palavra inexistente".

O verbo cuja completude se busca configura e preside a oração principal. Os demais verbos que fazem parte do período, se alguns, pertencem a componentes acidentais oracionais, chamados de orações subordinadas, que equivalem a substantivos, adjetivos ou advérbios.

- A "palavra inexistente" é sempre representada
por um verbo (o da oração principal) e seus penduricalhos.


Suponhamos que alguém dissesse "decidiu". Trata-se, no caso, de um verbo incompleto por subjetivação e objetivação, ensejando algumas perguntas:

(a) "quem decidiu?", pois o verbo escolhido precisa de um sujeito. Resposta: "Maria".

(b) "decidiu o quê?", pois o verbo precisa de um objeto direto. Resposta: "a questão tributária".

(c) "como?", pois o verbo (este, como qualquer outro) não é capaz de expressar as circunstâncias. Resposta: "corajosamente".

Desse modo, a "palavra inexistente" da ação seria representada pela seguinte oração:

Maria decidiu a questão tributária corajosamente.

Maria

No caso, o verbo ("decidiu") obteve sua completude com dois substantivos ("Maria", como sujeito, e "questão", como "objeto direto"), um adjetivo ("tributária") e um advérbio ("corajosamente"). Um conjunto de palavras catalogadas nos dicionários e nas gramáticas, que isoladamente nada transmitem; organizadas em torno de um verbo, expressam a ação imaginada.

CONSTRUINDO UM COMPONENTE INEXISTENTE

A "palavra inexistente" é, pois, representada por uma soma de componentes. Tudo parte do componente (1), ou seja, de um verbo, cuja completude pode exigir substantivos, adjetivos e advérbios, que são os componentes acidentais. Pode ocorrer que não exista algum substantivo, adjetivo ou advérbio que seja preciso à completude do verbo, tornando-se necessário construir uma oração subordinada que lhe seja equivalente, o que se faz somando componentes, da mesma forma usada para construir a "palavra inexistente". Surge desse modo um verbo adicional, que não deve ser confundido com o verbo principal.

Construindo um substantivo inexistente

Considere o seguinte enunciado:

"Elisa finalmente percebeu a tempestade."

Um dos componentes necessários à completude do verbo, na função de objeto direto, foi "tempestade", um substantivo existente no estoque de substantivos do idioma. Elisa "percebeu" um substantivo existente. O período só tem um verbo e, pois, uma só oração. Diferente é o que ocorre no exemplo a seguir:

"Elisa finalmente percebeu que o dinheiro desaparecera."

Neste segundo exemplo, Elisa "percebeu" um substantivo que não existe no dicionário, e o sujeito expressante teve de construí-lo, mediante uma oração subordinada (substantiva): "que o dinheiro desaparecera". Desse modo, o período aparece com dois verbos: "percebeu " e "desaparecera". "Percebeu ", como núcleo da "palavra inexistente", preside a oração principal, enquanto "desaparecera" surge por acidente, numa oração construída para representar um substantivo inexistente.

Construindo um adjetivo inexistente

Um substantivo que funciona como sujeito ou objeto pode ser qualificado por um adjetivo, como "estudioso", no seguinte exemplo:

"O aluno estudioso passa facilmente".

Uma só oração requereu o enunciado. Às vezes, porém, o adjetivo necessário é inexistente, como no caso do exemplo abaixo:

"O aluno que estuda em bons livros passa facilmente."

"Que estuda em bons livros" é uma oração que vale por um adjetivo que não existe no idioma, sendo chamada de oração subordinada adjetiva. Igualmente, "passa" é o verbo da oração principal, e "estuda", um verbo acidental, de uma oração subordinada (adjetiva).

Construindo um advérbio inexistente

Seja a oração:

"Ela adormeceu tarde."

"Tarde" é um advérbio necessário à completude do verbo. Se, como nos casos do substantivo e do adjetivo, o advérbio necessário não existir, uma oração será construída para representá-lo. Ver o exemplo a seguir:

"Ela adormeceu depois que todos saíram."

"Depois que todos saíram" vale por um advérbio que não existe formalmente, constituindo uma oração subordinada adverbial. "Adormeceu" é o verbo da oração principal; "saíram", um verbo acidental e secundário.

Ela adormeceu...

Recapitulando

Verbos “completos” não existem; como consequência, e felizmente, o vocábulo-tudo também não existe; daí a necessidade de recorrer às outras categorias gramaticais, substantivos, adjetivos e advérbios, para alcançar a completude a partir de um verbo.

Ação = vocábulo-tudo = "palavra inexistente" = Componente (1) + componentes (2) a (5) necessários à completude do componente (1)

Os cinco componentes mencionados, simples ou oracionais, um dos quais necessariamente um verbo = componente (1), permitem construir basicamente todos os enunciados que exprimem a ação a ser expressa pelo orador.

Veja, por exemplo, o seguinte enunciado:

O Brasil espera serenamente que cada um cumpra o seu dever.


Nenhuma palavra existente
seria capaz da façanha de explicar detalhadamente a ação que se expressa nesse enunciado. Há, porém, o verbo “esperar”, incompleto por subjetivação e objetivação. Partindo dessa palavra, “esperar”, com adicionar-lhe os componentes adequados, construímos um período, que corresponde à "palavra inexistente" e expressa o que se pretende. Não temos o vocábulo-tudo, que corresponda à "palavra inexistente", mas temos esse período, de estilo requintado, que lhe é equivalente.

Caxias

E ENTÃO?

Será necessário, em adição, estudar as noções de verbos de ligação (que são os verbos que exprimem estado, em vez de ação), aposto e vocativo. Essas noções são simples e podem ser aprendidas sem nenhuma dificuldade. As gramáticas servem, enfim, para estudar regras de concordâncias, flexões verbais, graus dos adjetivos e dos substantivos, figuras de linguagem, louçanias etc, tudo para entronização da chamada “norma culta”, que
sem dúvida é necessário conhecer, sem que essa bagagem, entretanto, integre a essência sintática do idioma.

- Em qualquer caso, o mais importante
é saber construir a
"palavra inexistente".

Nenhum comentário: