quarta-feira, 30 de março de 2011

FIQUEI SÓ, MAIS UMA VEZ

O PÁSSARO VOOU

Laura defendeu sua tese com o êxito esperado, numa sessão muito concorrida. Assuntos extravagantes, que ela foi destrinçando com grande competência: entronização da velocidade da luz, em detrimento do espaço e do tempo de Newton, que sequer são independentes, substituídos que são pelo espaço-tempo de Minkowski, este, sim, absoluto. Impossível que dois relógios marquem a mesma hora, pois a simultaneidade não existe.Todas as leis da física, e não somente as da mecânica, são idênticas para todos os observadores dotados de movimentos retilíneos uniformes.


Ao fim e ao cabo, aprovado o trabalho pela banca, De Sitter fez um discurso elogioso, enaltecendo o preparo e competência da candidata e, no ato, passou-lhe uma carta da Embaixada Britânica, com uma proposta que físico algum ousaria recusar: trabalhar no King’s College, um dos 31 colégios da Universidade de Cambridge, em Londres. Perspectivas reais de uma carreira promissora, com boa remuneração e excepcional ambiente de trabalho. Caso aceitasse, teria de viajar em menos de uma semana. De Sitter ainda acrescentou:

- Se rejeitar a Inglaterra, há um lugar de professor para você neste Departamento de Física.


Proposta magnífica, sem dúvida. Ruim para mim, eis a dura verdade, pois isso significava que ia ficar sem a namorada, o
utra vez jogado para escanteio.

- Desta vez, vítimado por um efeito-borboleta chamado Cambridge.

Foi, de qualquer modo, uma despedida emocionada, consentida, em que as partes entendiam que se separavam para cumprir seus destinos. Para além dos nossos momentos inesquecíveis, ficaram-me dela apenas um resumo da teoria da relatividade e um estudo sobre Shakespeare. Confortou-me a ideia de que, daquela data em diante, Laura pesquisaria sobre tudo isso na própria Inglaterra, sem ter de consumir boa parte do seu salário na importação de livros a câmbio desfavorecido.

King's College

Ela me escreveu, decorridos alguns dias, para dizer que estava se sentindo muito bem no King's College, que tem reputação internacional e recebe profissionais de todas as partes do mundo. A carta mencionava quatro professores do King's College laureados no século XX com o Prêmio Nobel de Física, a saber, Charles G.. Barkla, em 1917, pelos seus trabalhos sobre raios-X; Owen Richardson, em 1928, pelo seu trabalho sobre emissão termiônica; Edward Appleton, em 1947, pelo seus estudos sobre a atmosfera; e Maurice Wilkins, em 1962, que dividiu o prêmio com James Watson e Francis Crick, pela determinação da estrutura do DNA.

Maurice Wilkins

O trabalho de Laura consistiria inicialmente de uma pesquisa sobre resistência de materiais, que interessava à cadeira de mecânica vibratória, da qual, inicialmente, seria assistente e depois, professora adjunta. Das próximas vezes, acrescentou, poderíamos nos comunicar por email, quando tivesse se organizado minimamente e dispusesse de um computador. Respondi imediatamente, garantindo-lhe que ficaria torcendo para que fosse para ela o próximo Prêmio Nobel do King’s College, o primeiro neste século XXI, o que, sobre aumentar o prestígio da Universidade de Cambridge, haveria de deixar mais alegre e mais aquecido este meu pobre peito solitário.

Difícil definir uma pessoa como Laura, a não ser pela justaposição de adjetivos: bonita, meiga, inteligente, culta, capaz e competente. Não voltará nunca, pensei, pois nenhuma organização, muito menos o King´s College, desejará perder uma profissional com essas qualidades. Muito menos os colegas professores, com aquele hábito britânico de enviar flores para a residência das moças bonitas, revelando, desde sempre, diligentes segundas intenções matrimoniais.

- Eu estava só, mais uma vez.

- O pássaro voou depois de roubar meu coração.

Laura ocupará, para sempre, um lugar especial nas minhas lembranças.

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