MALDIÇÃO NO TÚMULO
Um dia Laura resolveu falar sobre o “Ulisses”, de James Joyce, tudo porque lhe disse despretensiosamente que não entendia por que aquela leitura era tão demorada.
- E tudo se comprime num único dia, o 16 de junho de 1904.
- Um único dia, em oitocentas páginas?
- É o dia de Leopold Bloom. Bloomsday, Carlinhos, o único dia da história que tem um dono.
- Deixa-me memorizar, 16 de junho de 1904.
- Foi o que a senhorita Dunne datilografou, e era uma quinta-feira.
- Em todas as folhinhas?
- Em todas as folhinhas da Irlanda, pelo menos.
- Mas, afinal, que faz essa leitura ser tão demorada?
- Às vezes a gente tem de consultar outras obras para conferir como se deu o fim de Pirro ou tem de folhear volumes shakespearianos para saber que "Perdita" não é nenhuma personagem que se perdeu na "Tempestade", nem uma bruxa de "Machbeth". Desafios numerosos ao longo dessas oitocentas páginas.
- Muito interessante isso, saber o fim de Pirro e sobre "Perdita". E quem era "Perdita", afinal?
- A filha de "Leonte" e "Hermíone", em "Conto de Inverno", que foi rejeitada pelo pai ciumento. Quanto a "Pirro", há uma versão de que morreu porque lhe atiraram uma telha na cabeça, na cidade de Argos.
- Morrer assim não deixa de ser uma vitória... do azar.
- Uma vitória de Pirro...
- Você me disse uma vez que "Ulisses" tem passagens deliciosas. Cite uma...
- O nome de Anne Hathaway, mulher de Shakespeare, pode dar um trocadilho malicioso, “Anne hath a way”.
- Isso é um trocadilho malicioso?
- Sim, “Anne tem um caminho”. Uma insinuação de que a mulher de Shakespeare lhe era infiel. Isso teria a ver com a maldição que Shakespeare mandou inscrever no túmulo.
- Pode esclarecer isso? Como era a inscrição?
- Veja aqui esta ilustração:
"Bom amigo, pelo amor de Deus, abstenha-se
De cavar sobre o pó aqui encerrado:
Abençoado seja o homem que alhear-se destas pedras
E maldito, o que mexer nos meus ossos."
- Uma maldição no túmulo do maior de todos os poetas. Que tem a ver isso com a fidelidade da mulher?
- Não queria que a mulher fosse enterrada a seu lado, essa a insinuação de Joyce.
Tudo muito erudito, e eu ficava satisfeito de saber essas coisas, pois a questão da cultura já se tornara importante para mim. Tanto que ainda insistiria com Laura sobre esse tema.
sábado, 12 de março de 2011
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Um comentário:
Fabuloso! Ler "Ulisses" é realmente
uma verdadeira odisseia, aliás, a ideia de Joyce ao escrevê-lo veio
da "Odisseia", de Homero. Ou estou enganada? Alí encontramos várias histórias dentro de muitas histórias e personagens. É uma verdadeira aula que nos obriga a pesquisar, ler e reler outras obras, outros autores, inclusive o
mestre Remo Mannarino! Uma odisseia
dentro de muitas odisseias!
Um abraço
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