Fomos ver os Palhaços, de Ruggero Leoncavallo, uma das óperas mais representadas no mundo. Era a nossa despedida e, como sempre, uma maravilhosa iniciativa da Laura. Começáramos nosso namoro com Cavalleria Rusticana e agora, praticamente, o encerrávamos com os Palhaços. Duas óperas curtas, e geniais, tratando do mesmo tema: a infidelidade conjugal no sul da Itália e suas graves consequências. A gente se emociona desde a cena do Prólogo:
- Si può? Si può? Signore! Signori! Desculpem-me se, sozinho, me antecipo ao espetáculo. Eu sou o Prólogo. Vocês ouvirão gritos de dor e de raiva e verão as manifestações dolorosas do ódio. Prestem atenção às nossas almas, mais que às nossas fantasias, pois somos homens de carne e osso, e respiramos, tanto quanto vocês, o ar deste mundo desamparado. Já lhes expus o conceito; vejam então como o processo se desenvolve. Encenemos, pois!
- Veste a fantasia! Ri, palhaço, de teu amor arruinado! Ri da dor que está envenenando o teu coração!
Naquela noite, porém, não houve simulação na hora de matar a Colombina. O desvairado Canio aproveita a cena, agarra a mulher e a apunhala de verdade. Morre a infiel sua morte dupla, na peça e na vida real. Sílvio, que corre da plateia em defesa de Nedda, é também apunhalado por Canio, que, transtornado e exaurido, deixa cair o punhal. Neste ponto, Canio dirige-se a ambos os públicos (o da peça, representado pelo coro, e o verdadeiro, que éramos nós, sentados na plateia) e arremata:
- La commedia è finita.
Tragédia real dentro da ficção, tudo muito triste, o que levou Laura às lágrimas. Lembro-me de ter feito uma brincadeira, que por acaso funcionou muito bem.
- Laura...
- Sim, Carlinhos.
- Não se deve confundir "Si può... Si può..." com "Cipó ... Cipó..."
- Você é muito engraçado!
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