sábado, 12 de fevereiro de 2011

UM RICARDO III DE SEGUNDA MÃO

Termodinâmica, com plateia

O presidente da banca era Ignácio De Sitter, um consagrado professor e cientista, que eu conhecia de nome. Havia uma inesperada plateia, quase todos estudantes do curso básico, talvez uns trinta, recolhendo experiências, quem sabe, para quando chegasse a sua vez.

De Sitter passou-me a palavra, sem maiores considerações:

- Primeiro e Segundo Princípios da Termodinâmica, eis o assunto escolhido para você, Carlos Auvergne de Carvalho.

Termodinâmica, eis pois! Um assunto que eu estudara muito bem, embora achasse que sua escolha fosse muito improvável. Assumi, naquele momento crucial, que era um cidadão do mundo chamado Al Pacino, disposto a dar a aula da minha vida. Veio-me à mente, nem sei por quê, a fala da cena 5 do quinto ato de Macbeth: "a vida é uma peça de teatro, cheia de som e fúria, significando nada."

- Não sou nenhum Macbeth, pensei, e para mim a vida significa tudo.


Estava num dia de rara inspiração, de modo que fui desenvolvendo o tema proposto de maneira organizada e fluente.

- Numa formulação holística, e portanto não-cartesiana, Julius-Robert von Mayer percebeu que a energia nunca é criada nem destruída, mas transformada de uma forma para outra. Ou seja, percebeu o Primeiro Princípio da Termodinâmica, o qual garante a conservação da energia. O Universo é um sistema fechado e portanto de energia constante, distribuída na luz do sol, no petróleo, nas plantas, nas barragens - energia nuclear, energia mecânica, energia química, energia elétrica... Energia por toda parte, mudando de uma forma para outra, mas conservando-se sempre durante o processo, do ponto de vista quantitativo. Assim também, a energia de um sistema isolado, que não troca energia com o exterior e por isso é igualmente fechado, permanece constante, o que explica o fracasso dos que tentam construir máquinas de movimento perpétuo, ou seja, sistemas que seriam capazes de fornecer trabalho sem receber energia.

Eu tinha ensaiado todos os assuntos, e tantas vezes, que mais parecia uma autoridade na matéria do que um Ricardo III de segunda mão.


- Robert Mayer nasceu no distrito de Heilbronn, no estado de Wurttemberg, na Alemanha. Foi o autor dos estudos que permitiram estabelecer uma equivalência entre trabalho mecânico e calor e quase se matou quando soube que o crédito pelas suas descobertas fora conferido ao físico britânico e fabricante de cerveja James Prescott Joule. Mayer foi realmente boicotado, e isto se deveu ao preconceito contra a Naturphilosophie, pois se dizia então, mais do que agora, que os alemães só pensavam na unidade fundamental da natureza, “esse romantismo metafísico de Goethe”.

Mayer

- Mayer, senhores, morreu de tuberculose, aos 64 anos.

Os professores, com gestos discretos, pareciam estar de acordo com a inovação de jogar um pouco de vida e de conteúdo humano em meio às considerações científicas.

Terminado o Primeiro Princípio, interrompi momentaneamente a explanação para servir-me da água que haviam depositado à minha frente. Estava surpreendentemente calmo, cada vez mais, porque animado com a adesão da banca.

- "So far so good", pensei, lembrando-me do que dizia um professor do Texas nas pausas que fazia durante suas aulas de econometria.

O melhor, porém, estava por vir: Segundo Princípio e entropia.

2 comentários:

tomadour disse...

Remo:
Perdi seu e-mail. Se puder, me escreva no tomaz@usinadeletras.com.br
Abs,
Tomaz Adour

cirandeira disse...

Em minha "santa ignorância" sobre Física (Termodinâmica então...tô frita!), não sabia da relação entre holismo e a permanência da energia. Talvez pq as vezes que lí e ouví falar em holismo tenham sido sob um aspecto muito místico. E isso me provocava uma certa desconfiança, até um certo preconceito, talvez. Apenas intuía que havia alguma coisa contraditória... Sempre que venho aqui "carrego" comigo um acréscimo. Ou então dou boas risadas, pois teu senso de humor é fabuloso!

Um grande abraço