UM ORGULHOSO ESTUDANTE DE FÍSICA
Ignácio De Sitter, Rafael Lemaitre e Maria Hoyle, os professores da banca, reuniram-se na sala do reitor durante trinta minutos. Que mais pareceram uma boa eternidade, que encurtou e até desapareceu quando, retornando do recesso, De Sitter comunicou, de maneira solene, que a aula tinha sido aprovada. Uma pequena grande vitória. Eu passava ao lado bom, que é o lado de dentro, com o estipêndio de cinco salários mínimos por mês.
- Além disso, Carlos Auvergne, queremos convidá-lo para jantar conosco, seguindo a tradição de trazer para nossa intimidade os candidatos que são aprovados para fazer o doutorado.
Não conhecia o Perfect Food, com seu serviço competente e elegante. Cabia-me desfrutar, sem trauma nem constrangimento.
Durante todo o jantar, De Sitter elogiou a minha aula, que classificou como de "boa física, enriquecida com História e um pouco de terrorismo."
- A propósito, perguntou, mantendo o tom de brincadeira, por que a homogeneidade térmica do Universo é tão assustadora?
- Porque tudo se transformará numa formidável sopa de fótons e neutrinos, desorientados e sem nenhuma motivação, retrucou Maria Hoyle, salvando-me de oferecer uma resposta.
- Só a entropia pode desorientar os neutrinos, rebateu De Sitter, as partículas que nenhum ser humano viu, mas são garantidas pela matemática...
- O triunfo do sutil...
- Mas ninguém aqui precisa dispensar a sobremesa para pegar rapidamente o avião e fugir do Universo morituro, porque esse estado final só chegará daqui a alguns bilhões de anos, acrescentou Lemaitre.
Maria Hoyle gostou também daquela tirada do atestado de óbito:
- A termodinâmica criou o Universo e depois o matará. Por isso carrega esse atestado de óbito no bolso do colete, o Segundo Princípio da Termodinâmica.
- E, caso queira, poderá usar o mesmo atestado para o Universo subsequente, arrematou De Sitter.
- Certamente o fará, emendei, já integrado à nova família, pois as mesmas leis físicas provavelmente prevalecem em todos os Universos.
- Viva!, concluiu Lemaitre. Isto é o que se pode chamar de generalização multiuniversal das ideias de Galileu Galilei, que afirmou que as mesmas leis físicas prevalecem em todas as partes do Universo. O Carlos Auvergne vai mais longe, garantindo que essas leis valem também para todas as partes de todos os eventuais Universos.
- Como a geometria...
Este é o meu ambiente, pensei. Quando retornei a casa, estava cansado, mas exultante de felicidade. Não pude conter a emoção e redigi um texto, que ainda guardo comigo:
(Um) "Sou eternamente grato à moça da San Martin, pela sua inspiração alavancadora".
(Dois) “Sou agora um orgulhoso estudante de física. Não pretendo ser nenhum Faraday ou Heisenberg, mas hei de honrar o padrão que tenho perseguido durante toda a vida. Quando estudante, quis ser um bom estudante; quando namorado, bom namorado; como marido, bom marido; como engenheiro, bom engenheiro; com os amigos, bom amigo; e assim por diante, bom vizinho, bom cidadão, bom eleitor. Não será diferente como físico, ou melhor, como professor de física. Tenho para mim que a comunhão do professor com os alunos só se completa quando sua aula desmoraliza todas as dúvidas. Não serei um despejador de fórmulas, pois, ao ensinar, é preciso saber a história, a geografia e, se for o caso, até a mitologia de cada assunto, sobrepujando-o e prevalecendo sobre ele.”
Muito pretensioso, claro. Mas a ideia me levaria, no futuro, a buscar sempre a melhor maneira de ensinar um assunto, visando ao entendimento dos alunos. A preparação de minhas aulas em grande parte tem sido dedicada ao quesito “qual a melhor maneira de explicar isso."
sábado, 19 de fevereiro de 2011
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