LAURA
Laura vivia suas últimas semanas como estudante, pois já obtivera todos os créditos das matérias teóricas e apenas aguardava o momento de defender sua tese.
De Sitter pediu-lhe que me recebesse no Departamento de Física, e com ela visitei os laboratórios, a biblioteca, a sala dos computadores, o auditório, o salão nobre e o restaurante. Sempre deveria haver alguém assim, gentil assim, no nosso dia inaugural.
- Sua tese é sobre o quê?, foi tudo que me ocorreu perguntar-lhe.
- Relatividade especial.
- Um assunto fascinante, Laura.
- Sem dúvida, uma inflexão na história do pensamento científico.
- Gosto muito daquela experiência do Einstein, supondo-se à velocidade da luz, com um espelho na mão...
- Uma experiência mental, um teste lógico conduzido pela mente. Gedanken...
- Gedanken, sim, gedanken.
- Se ele visse sua imagem no espelho, teríamos de reformular as leis da mecânica clássica, de Newton. Se não visse, é porque a luz não conseguiria deixar seu rosto e alcançar o espelho, disso decorrendo que seria necessário abandonar o princípio da relatividade, de Galileu.
- Uma escolha crucial, entre a imagem, de Galileu, e a não-imagem, de Newton...
- Ganhou a imagem, pois a luz se desloca à velocidade de 300 mil quilômetros por segundo em relação a todos os observadores, estejam estes parados ou em movimento. Nenhuma velocidade se soma ou se subtrai à velocidade da luz no vácuo, que é absoluta, independentemente de todos os referenciais.
- Maravilhoso, isso. A luz não discrimina os que estão parados dos que se movem, não importa a que velocidade estejam. Trata-os igualmente. A imagem estará lá, no espelho do Einstein, mostrando-lhe a cabeleira desgrenhada.
- Venceu Galileu, pelo menos dessa vez.
- Mais uma vez, a bem da verdade.
- Em compensação, espaço e tempo deixaram de ser absolutos e independentes, como supôs Newton.
Bem, no quesito da física, tínhamos um diálogo mais ou menos equilibrado. Aos poucos eu iria perceber que, além de quase doutora em física, Laura era uma intelectual, realmente. Ela não se enquadrava no figurino geral do cientista que pouco se importa com a cultura. Pois sabia muito de literatura e de artes e conhecia muito bem os assuntos da física.
Seja como for, fomos ficando muito próximos. Tanto que, uma semana depois, convidou-me para ver uma ópera, Cavalleria Rusticana, no Teatro Municipal.
- Como?
- Cavalleria Rusticana, de Pietro Mascagni. Recomendo aproveitar esse início de curso mais folgado para ver todos os espetáculos a seu alcance, pois a coisa por aqui deve apertar muito.
Dou muita sorte com mulheres inteligentes, que conhecem os caminhos e gostam de apontá-los aos principiantes e recém-chegados. Aos neófitos, como eu. Lembrei-me de Eugene Onegin, a ópera que vi para me enturmar com Melisande, cuja já não representava nada para mim, tantos anos haviam decorrido; é que da primeira ópera a gente nunca esquece... Lembrei-me também da May, que me levou aos Pequenos Burgueses, de Gorki, e ao Estrangeiro, de Camus.
Valeu a pena. Pois foi acompanhando o drama de Turiddu, Santuzza, Alfio e Lola que começou nosso namoro. Tudo muito triste, lá no palco, e eu, ali, quase alegre, segurando a mão da Laura.
- A mão generosa da Laura...
quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011
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