quarta-feira, 31 de agosto de 2011

A ESCOLHA (parte 2/4)

Proposta irrecusável

Passados três meses, fui chamado a depor em juízo. Estava disposto a contar toda a verdade, pois ninguém poderia me impedir de relatar o que fora visto por mim e pelas testemunhas não arroladas. Redigi, e depois decorei, o que iria dizer ao excelentíssimo senhor Juiz.

- Tudo transcorria normalmente no bar do Ponto Quente, quando surgiu o Epitácio e gritou: Abdias! O doutor Abdias se voltou, com a xícara de café na mão direita e o pires na mão esquerda. Epitácio fez seis disparos, à queima-roupa, sem dar à vitima nenhuma oportunidade. Gostaria de acrescentar, meritíssimo, que duas dezenas de pessoas estavam presentes, viram o que vi, mas fui o único a ser arrolado como testemunha.

O juiz me recebeu à porta do seu gabinete e, tão logo ficamos a sós, disse-me o seguinte:

- Tenho uma proposta. Se o senhor aceitar, ficará livre dessa enrascada.


- Seja qual for sua proposta, meritíssimo, considere-a aceita por mim.

Foi assim que renunciei à gerência da loja de aparelhos de televisão em favor de alguém cujo nome nem cheguei a saber e em 24 horas já estava de volta ao Rio de Janeiro. Eu tinha de recomeçar minha vida, e prontamente, dado que minhas economias eram escassas e insuficientes, pois eu dissipara com perdulária facilidade tudo que ia conseguindo com a venda dos aparelhos. Por isso me lembrei do tio falecido e decidi reclamar a minha parte da herança.

- Aqui está o que lhe coube, disse-me o doutor Eusébio, passando-me o envelope.

No qual havia 49 ações da Vale do Rio Doce.

- Como assim? Vim pela minha parte na herança do tio Dilermando.

- O que lhe cabe são essas ações.


Fiquei sabendo que os herdeiros optaram por um sorteio dirigido. Os apartamentos foram sorteados entre os que preferiam apartamentos, assim como as casas, os dólares e as barras de ouro. Como eu não estava presente e ninguém conhecia as minhas preferências, coube-me o envelope com as 49 ações da Vale do Rio Doce. Não adiantaria nenhum protesto porque tudo estava homologado na Justiça, com a concordância de todos os herdeiros, a minha inclusive, tendo em vista as procurações que eu havia assinado.



Vi no jornal a cotação do papel: cerca de nove dólares por ação (numa daquelas moedas já extintas). No frigir dos ovos, a minha grande herança não alcançava 500 dólares, o preço de um dos robustos aparelhos de televisão que estivera vendendo em Maceió. Dessa vez eu tinha a reconfortante desculpa de que a má escolha não fora feita diretamente por mim.
Fazer o quê? Deixei de lado as ações e fui à luta.

Força, companheiro

Estava com 27 anos e disposto a enfrentar todas as situações, pois sou burro, não preguiçoso. Por sorte consegui o emprego de propagandista dos remédios de uma indústria farmacêutica que introduzira no Brasil as experiências de Hawtorne.
Engenharia humana, harmonia do grupo, treinamento, incentivos, qualidade total. Um projeto onde se aboliram as regras gerais, as rotinas paralisantes e as receitas que nunca falham. Inicialmente o trabalhador mais experiente foi declarado instrutor dentro de sua unidade, partindo do princípio de que cada um deveria ser responsável pelo treinamento dos demais. Veio depois o "cross-training": os trabalhadores de uma unidade eram levados a aprender as tarefas de outras unidades. Pensou-se que era uma manobra para reduzir pessoal. Quando a companhia passou a conferir prêmios aos que podiam desempenhar mais de uma função, e não demitiu ninguém, todos se sentiram seguros e importantes, pois participavam de um projeto vitorioso.

- Sabe o resultado final?

- Gostaria de saber...

- Uma indústria farmacêutica de capital nacional, que, sem nenhum incentivo oficial, podia competir em pé de igualdade com os fabricantes estrangeiros. É a capacidade social do trabalhador que determina o seu nível de competência e eficiência e não sua capacidade de executar movimentos eficientes dentro do tempo estabelecido. Quanto maior a integração social do grupo, maior a disposição para trabalhar. (continua)

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