sábado, 27 de agosto de 2011

A ESCOLHA (parte 1/4)

O caso do cabrito

Nem sempre fui feliz nas minhas escolhas, conforme passo a demonstrar:

Sou torcedor do América.
Meu primeiro carro foi um Gordini.

Votei em Jânio Quadros.

Comprei quotas do Carnê Fartura e ações da “holding” da Marcopolo.
Vi “Quintet”, quando podia ter visto “Depois do Vendaval”.

Estudei romeno e “job control language”.

Passei férias em Zurich e namorei a Cidinha.

O deputado que ajudei a eleger trocou o mandato por um cartório, e o senador da minha predileção, quem diria, desviou verbas importantes do orçamento na
cional - uma prática antiga, embora só agora institucionalizada no Brasil.

Maureen O'hara

- Ai, pois, da Sofia, se dependesse de mim para fazer a sua escolha!

Houve, porém, uma escolha que não fiz: fizeram-na por mim. Eu era um dos dezoito herdeiros de um tio repentinamente falecido, cuja fortuna incluía apartamentos, casas, lojas, joias, quadros valiosos, títulos e dólares. Como residia em Maceió, deleguei ao inventariante, doutor Eusébio, que era um dos herdeiros, plenos poderes para fazer a divisão dos bens segundo lhe parecesse mais justo. Assinei todas as procurações necessárias, ficando acertado que, tão logo meus negócios alagoanos me permitissem, eu viajaria para o Rio de Janeiro para assumir a parte que me coubesse. Devo dizer que isso se passou em 1970. Era gerente de uma loja de aparelhos de televisão, o que me proporcionava bons rendimentos, tanto que meu lugar era cobiçado por muita gente boa da cidade, incluindo parentes de usineiros, de deputados, de senadores e até do governador.

Praia de Pajuçara

A vida em Maceió era escamada e cheia de peripécias. Ia ao futebol com o Tuíta, que me fez escolher o CRB (escolha que não fugiu ao meu padrão, pois o CSA derrotou o CRB em todos os clássicos a que assisti).
Se saía com a Cidinha, toda a cidade seguia nossos passos, pois nenhum carioca era digno de confiança, podendo, a qualquer momento, corromper reputações e arruinar famílias inteiras. Basta dizer que o Adelino Peres foi preso por atentado ao pudor, e expulso da cidade, por estar beijando a Beatriz na praia do Farol. Posso citar também o assassinato do doutor Eliseu, que seduziu a moça da Sinimbu e com ela não quis se casar. Os cinco irmãos fizeram questão de atirar ao mesmo tempo, pelas costas, e deram uma exibição de sapateado sobre o corpo agonizante do sedutor.

- Onde?

- No centro da cidade, para que todos testemunhassem a legítima defesa da honra.
Ocorreu então que o ônibus atropelou o cabrito. O dono do animal, inconformado, assassinou o motorista do coletivo a sangue-frio e foi condenado a seis anos de prisão, com outras graves consequências: o juiz do caso pagou a sentença com a própria vida. Fui testemunha da cena: o doutor Abdias tomava café no Ponto Quente, quando foi interpelado pelo Epitácio, irmão do proprietário condenado. Ao se voltar, o juiz recebeu uma descarga de seis tiros, à queima-roupa, sem que pudesse esboçar nenhum gesto de defesa.


Pois é, presenciar o crime teve importantes consequências na minha vida. Dezenas de pessoas viram o que vi, mas só eu fui arrolado como testemunha do homicídio, pois era um carioca que interferia negativamente nas oportunidades de emprego da cidade e ainda por cima namorava a moça mais bonita da cidade, sabe-se lá com quais levianas intenções.
Fui informado de que isso representava a minha sentença de morte. Testemunhasse em qualquer sentido, seria executado pela parte contrariada.

- Não tenha disso nenhuma dúvida!


Recusei-me a prestar declarações à polícia, pois fui logo dizendo que me reservava o direito de depor exclusivamente em juízo. Funcionou, e muito bem, pois o delegado não fazia nenhuma questão de tomar a termo o meu testemunho, pois ele próprio temia por sua vida.


Cidinha

Durante três meses vivi o tormento do homem sem nenhuma saída, sozinho num mundo povoado de gente vazia. Nas ruas as pessoas me olhavam com curiosidade, pois viam em mim um cadáver em plena elaboração, circulando provisória e indevidamente. Cidinha imediatamente me abandonou pelo jogador alagoano que atuava pelo Corinthians e era enaltecido nas páginas esportivas dos jornais de São Paulo.