Marie Curie (1867-1934), cujo nome de batismo era Maria Salomea Sklodowska, nasceu na Polônia, filha de um professor de física, num momento em que o país estava sob domínio da Rússia.
Após concluir o curso secundário, trabalhou como governanta, em Varsóvia, até juntar o dinheiro da passagem para a França. Naquele ano de 1891, a Sorbonne era frequentada por 1.800 estudantes, dos quais apenas 23 eram mulheres, quase todas estrangeiras. Aplicada às mulheres, a palavra "estudante" tinha na França do fim do século XIX uma conotação rebaixadora e depreciativa. Maria Sklodowska, que tinha 24 anos, matriculou-se na Universidade de Paris, tornando-se a primeira mulher a obter um título de física pela Sorbonne, em 1893, tendo um ano depois recebido também um diploma de matemática.
O casamento de Maria Sklodowska com o professor Pierre Curie, em 1895, a partir do qual a polonesa passou a ser conhecida como Marie Curie, deu início a uma excepcional parceria científica, pois, trabalhando em conjunto, conseguiram isolar dois elementos radioativos, o rádio e o polônio, a partir de uma rocha chamada uranita, o que lhes valeu, a ambos, o Prêmio Nobel de Física, de 1903.
Atropelado por uma charrete, Pierre Curie faleceu em 1906, o que não impediu Marie Curie de dar prosseguimento aos trabalhos pioneiros na área da radioatividade, com os quais conquistou também o Prêmio Nobel de Química, de 1911. Marie Curie foi a primeira pessoa a ser contemplada duas vezes com o Prêmio Nobel. A outra foi o químico americano Linus Pauling, que ganhou o Nobel de Química em 1954 e o Nobel da Paz em 1962, este último por sua oposição ao uso de armas atômicas. Marie foi, porém, a única pessoa a ser laureada duas vezes por trabalhos na área científica. Foi também a primeira mulher a dar aula na Sorbonne, nos 600 anos da instituição, quando sucedeu ao marido na cadeira de Física Geral, a partir de 1906.
A filha de Marie Curie, Irene, e o marido desta, Fréderic Joliot, foram laureados com o Prêmio Nobel de Química, de 1935, pelos seus trabalhos sobre a produção artificial de radioatividade. Cinco Prêmios Nobel na mesma família!
Preconceito
Por sua condição de mulher, e estrangeira, Marie Curie muitas vezes despertava sentimentos hostis na sociedade francesa. Isso ficou claro quando foi indicada pela primeira vez ao Prêmio Nobel, juntamente com o marido Pierre Curie e com o físico Henri Becquerel, não por acaso os três pioneiros da radioatividade. Para impedir que Marie fosse premiada, quatro membros da Academia Francesa de Ciências (a saber, Henri Poincaré, Éleuthère Mascart, Gabriel Liepmann e Gaston Darboux) redigiram uma moção de apoio aos nomes de Pierre Curie e Henri Becquerel, ignorando propositadamente o nome de Marie Curie. Os signatários eram sabedores de que Pierre, em termos de radioatividade, sempre fora um assistente de Marie, ele, sem dúvida, um físico bem conceituado, que em 1880 havia descoberto o efeito piezoelétrico (propriedade dos cristais de produzirem eletricidade, quando submetidos à pressão), para além de ter dado importantes contribuições para a interpretação do magnetismo.
Prevaleceu, entretanto, o bom-senso e Marie Curie foi premiada, com o Nobel, pela Academia de Ciências da Suécia, juntamente com os outros dois, em novembro de 1903. Ao prêmio, seguiu-se uma espécie de perplexidade nacional francesa: uma mulher entre as ganhadoras do Prêmio Nobel! O jornal "Paris Sport" fez então a seguinte observação:
"(...) a mulher a abandonar, de agora em diante, suas tradicionais ocupações com o lar, para se entregar aos estudos concretos ou abstratos, que, até aqui, foram privilégio do homem... "
Outra manifestação de preconceito ocorreu com sua candidatura à Academia de Ciências da França. Tudo porque era uma mulher pleiteando um lugar entre os imortais franceses. Marie Curie, porém, não podia ser descartada sem mais nem menos, in limine, ganhadora que fora de um Prêmio Nobel e membro, já então, das academias sueca, holandesa, tcheca e polonesa, da Sociedade Filosófica Americana e da Academia Imperial de San Petesburgo.
O Institut de France datava do século XVII, quando Richelieu fundou a Académie Française, e na ocasião da candidatura de Madame Curie era integrado por cinco academias (uma das quais a Academia de Ciências). Em 4 de janeiro de 1911, por 85 votos a favor e 60 votos contrários, o Institut de France, com 163 membros reunidos em assembleia conjunta, decidiu recomendar à Academia de Ciências que mantivesse "a tradição imutável de não permitir a eleição de mulheres para o Instituto." (Essa "tradição imutável" incluía até a proibição da presença de mulheres nas dependências do Institut de France.)
A Academia de Ciências não acatou a recomendação e aceitou a candidatura de Marie Curie, o que suscitou um intenso debate nacional; para concorrer com ela, foi lançado o nome do físico Edouard Branly (1844-1940), que fizera invenções na área do telégrafo sem fio, utilizadas por Marconi na construção do rádio.
Há uma correlação interessante do episódio de Marie Curie versus Branly com o caso Dreyfus, um oficial judeu do exército francês, condenado à prisão perpétua em 1894, sob a acusação de haver passado segredos militares aos alemães, e deportado para a Ilha do Diabo, na Guiana Francesa. Tudo no âmbito de uma onda de nacionalismo e antissemitismo que assoberbou a Europa no fim do século XIX. Em 1898, Émile Zola assumiu a defesa de Dreyfus, publicando na primeira página do jornal Aurore a famosa carta aberta "J' accuse!" ao presidente Félix Faure, de 13 de janeiro de 1898. O caso dividiu a França entre dreyfusistas, associados aos esquerdistas, republicanos e anticlericalistas, e os antidreyfusistas, tidos como conservadores, monarquistas e clericalistas, epítetos que perduraram por alguns anos, mesmo depois de oficialmente decidida a questão. Descobriu-se em 1906 que Charles-Ferdinand Walsin Esterhazy, outro oficial francês, era o verdadeiro espião a serviço dos alemães, o que ensejou a libertação de Dreyfus e sua reintegração ao exército.
Muitos associavam Marie Curie ao capitão Dreyfus, situando-a do lado dos dreyfusistas, ela que era mulher cientista, aspirante audaciosa à Academia de Ciências, ateia, estrangeira e "apontada" como judia. Tanto que no dia da votação da Academia Francesa de Ciências, que iria escolher entre Marie Curie e Branly, o expoente do conservadorismo Léon Deaudet fez publicar na primeira página do jornal L'Action Française uma (hoje) curiosa matéria com o título "Dreyfus contra Branly":
"Sim, sim... Dreyfus contra Branly. Tal é, de fato, a luta bizarra que se esconde sob esta disputa de Marie Curie versus Branly... Os imbecis que acreditam estar encerrado o caso Dreyfus deveriam entender: a luta épica do gênio nacional contra o demônio estrangeiro está presente em cada ocasião, seja esportiva, literária, teatral, musical, científica, social, política e econômica, sob mil formas, disfarçando sempre os mesmos atores... No presente caso, os irados dreyfusistas ainda insistem em apoiar Marie Curie."
Alguns jornais, sem coragem de assumir seu preconceito de forma direta, esmeraram-se em produzir argumentos eufemísticos contra Marie Curie: "sua candidatura é uma trama de protestantes e israelitas contra o católico Branly", conforme o jornal "L'Action Française". Uma romancista popular, Madame Regnier, deu então a sua opinião:
- Não se deve tentar... tornar a mulher igual ao homem! "Igual ao homem", como essas palavras soam terríveis!
Cinquenta e oito acadêmicos compareceram para a votação histórica, no dia 24 de janeiro de 1911. O resultado da eleição, que foi acompanhada por uma multidão excepcional, foi a vitória de Branly por 30 votos, contra 28 dados a Marie Curie. Em 31 de janeiro daquele ano, a "Compte Rendus", publicação semanal da Academia, fez o seguinte comentário:
- Monsieur Branly, a convite do Monsieur Président, ocupou um lugar entre seus confrades.
(continua)
Após concluir o curso secundário, trabalhou como governanta, em Varsóvia, até juntar o dinheiro da passagem para a França. Naquele ano de 1891, a Sorbonne era frequentada por 1.800 estudantes, dos quais apenas 23 eram mulheres, quase todas estrangeiras. Aplicada às mulheres, a palavra "estudante" tinha na França do fim do século XIX uma conotação rebaixadora e depreciativa. Maria Sklodowska, que tinha 24 anos, matriculou-se na Universidade de Paris, tornando-se a primeira mulher a obter um título de física pela Sorbonne, em 1893, tendo um ano depois recebido também um diploma de matemática.
O casamento de Maria Sklodowska com o professor Pierre Curie, em 1895, a partir do qual a polonesa passou a ser conhecida como Marie Curie, deu início a uma excepcional parceria científica, pois, trabalhando em conjunto, conseguiram isolar dois elementos radioativos, o rádio e o polônio, a partir de uma rocha chamada uranita, o que lhes valeu, a ambos, o Prêmio Nobel de Física, de 1903.
Atropelado por uma charrete, Pierre Curie faleceu em 1906, o que não impediu Marie Curie de dar prosseguimento aos trabalhos pioneiros na área da radioatividade, com os quais conquistou também o Prêmio Nobel de Química, de 1911. Marie Curie foi a primeira pessoa a ser contemplada duas vezes com o Prêmio Nobel. A outra foi o químico americano Linus Pauling, que ganhou o Nobel de Química em 1954 e o Nobel da Paz em 1962, este último por sua oposição ao uso de armas atômicas. Marie foi, porém, a única pessoa a ser laureada duas vezes por trabalhos na área científica. Foi também a primeira mulher a dar aula na Sorbonne, nos 600 anos da instituição, quando sucedeu ao marido na cadeira de Física Geral, a partir de 1906.
A filha de Marie Curie, Irene, e o marido desta, Fréderic Joliot, foram laureados com o Prêmio Nobel de Química, de 1935, pelos seus trabalhos sobre a produção artificial de radioatividade. Cinco Prêmios Nobel na mesma família!
Preconceito
Por sua condição de mulher, e estrangeira, Marie Curie muitas vezes despertava sentimentos hostis na sociedade francesa. Isso ficou claro quando foi indicada pela primeira vez ao Prêmio Nobel, juntamente com o marido Pierre Curie e com o físico Henri Becquerel, não por acaso os três pioneiros da radioatividade. Para impedir que Marie fosse premiada, quatro membros da Academia Francesa de Ciências (a saber, Henri Poincaré, Éleuthère Mascart, Gabriel Liepmann e Gaston Darboux) redigiram uma moção de apoio aos nomes de Pierre Curie e Henri Becquerel, ignorando propositadamente o nome de Marie Curie. Os signatários eram sabedores de que Pierre, em termos de radioatividade, sempre fora um assistente de Marie, ele, sem dúvida, um físico bem conceituado, que em 1880 havia descoberto o efeito piezoelétrico (propriedade dos cristais de produzirem eletricidade, quando submetidos à pressão), para além de ter dado importantes contribuições para a interpretação do magnetismo.
Prevaleceu, entretanto, o bom-senso e Marie Curie foi premiada, com o Nobel, pela Academia de Ciências da Suécia, juntamente com os outros dois, em novembro de 1903. Ao prêmio, seguiu-se uma espécie de perplexidade nacional francesa: uma mulher entre as ganhadoras do Prêmio Nobel! O jornal "Paris Sport" fez então a seguinte observação:
"(...) a mulher a abandonar, de agora em diante, suas tradicionais ocupações com o lar, para se entregar aos estudos concretos ou abstratos, que, até aqui, foram privilégio do homem... "
Outra manifestação de preconceito ocorreu com sua candidatura à Academia de Ciências da França. Tudo porque era uma mulher pleiteando um lugar entre os imortais franceses. Marie Curie, porém, não podia ser descartada sem mais nem menos, in limine, ganhadora que fora de um Prêmio Nobel e membro, já então, das academias sueca, holandesa, tcheca e polonesa, da Sociedade Filosófica Americana e da Academia Imperial de San Petesburgo.
O Institut de France datava do século XVII, quando Richelieu fundou a Académie Française, e na ocasião da candidatura de Madame Curie era integrado por cinco academias (uma das quais a Academia de Ciências). Em 4 de janeiro de 1911, por 85 votos a favor e 60 votos contrários, o Institut de France, com 163 membros reunidos em assembleia conjunta, decidiu recomendar à Academia de Ciências que mantivesse "a tradição imutável de não permitir a eleição de mulheres para o Instituto." (Essa "tradição imutável" incluía até a proibição da presença de mulheres nas dependências do Institut de France.)
A Academia de Ciências não acatou a recomendação e aceitou a candidatura de Marie Curie, o que suscitou um intenso debate nacional; para concorrer com ela, foi lançado o nome do físico Edouard Branly (1844-1940), que fizera invenções na área do telégrafo sem fio, utilizadas por Marconi na construção do rádio.
Há uma correlação interessante do episódio de Marie Curie versus Branly com o caso Dreyfus, um oficial judeu do exército francês, condenado à prisão perpétua em 1894, sob a acusação de haver passado segredos militares aos alemães, e deportado para a Ilha do Diabo, na Guiana Francesa. Tudo no âmbito de uma onda de nacionalismo e antissemitismo que assoberbou a Europa no fim do século XIX. Em 1898, Émile Zola assumiu a defesa de Dreyfus, publicando na primeira página do jornal Aurore a famosa carta aberta "J' accuse!" ao presidente Félix Faure, de 13 de janeiro de 1898. O caso dividiu a França entre dreyfusistas, associados aos esquerdistas, republicanos e anticlericalistas, e os antidreyfusistas, tidos como conservadores, monarquistas e clericalistas, epítetos que perduraram por alguns anos, mesmo depois de oficialmente decidida a questão. Descobriu-se em 1906 que Charles-Ferdinand Walsin Esterhazy, outro oficial francês, era o verdadeiro espião a serviço dos alemães, o que ensejou a libertação de Dreyfus e sua reintegração ao exército.
Muitos associavam Marie Curie ao capitão Dreyfus, situando-a do lado dos dreyfusistas, ela que era mulher cientista, aspirante audaciosa à Academia de Ciências, ateia, estrangeira e "apontada" como judia. Tanto que no dia da votação da Academia Francesa de Ciências, que iria escolher entre Marie Curie e Branly, o expoente do conservadorismo Léon Deaudet fez publicar na primeira página do jornal L'Action Française uma (hoje) curiosa matéria com o título "Dreyfus contra Branly":
"Sim, sim... Dreyfus contra Branly. Tal é, de fato, a luta bizarra que se esconde sob esta disputa de Marie Curie versus Branly... Os imbecis que acreditam estar encerrado o caso Dreyfus deveriam entender: a luta épica do gênio nacional contra o demônio estrangeiro está presente em cada ocasião, seja esportiva, literária, teatral, musical, científica, social, política e econômica, sob mil formas, disfarçando sempre os mesmos atores... No presente caso, os irados dreyfusistas ainda insistem em apoiar Marie Curie."
Alguns jornais, sem coragem de assumir seu preconceito de forma direta, esmeraram-se em produzir argumentos eufemísticos contra Marie Curie: "sua candidatura é uma trama de protestantes e israelitas contra o católico Branly", conforme o jornal "L'Action Française". Uma romancista popular, Madame Regnier, deu então a sua opinião:
- Não se deve tentar... tornar a mulher igual ao homem! "Igual ao homem", como essas palavras soam terríveis!
Cinquenta e oito acadêmicos compareceram para a votação histórica, no dia 24 de janeiro de 1911. O resultado da eleição, que foi acompanhada por uma multidão excepcional, foi a vitória de Branly por 30 votos, contra 28 dados a Marie Curie. Em 31 de janeiro daquele ano, a "Compte Rendus", publicação semanal da Academia, fez o seguinte comentário:
- Monsieur Branly, a convite do Monsieur Président, ocupou um lugar entre seus confrades.
(continua)
3 comentários:
"Genialidade, preconceito e escândalo" e ERUDIÇÃO, hein meu amigo!Tantos detalhes e sutilezas
que não nos permitem conhecer...E ainda vem mais por aí, não é?Não sabia que Marie Curie havia passado por tantos percalços."Hay que endurecer, pero..." Sinto-me uma poeira em meio a tanto vendaval!
Um abraço
O ser humano demonstra freqüentemente juízo discriminador e preconceituoso contra pessoas e idéias verdadeiras e progressistas, talvez porque grande parte dos ditos humanos são avessos à luz e iluminação espiritual que os tiraria de sua imundície e mediocridade vibracional e animalesca.
Tudo o que foi mais perseguido, podem perceber, são os que revelam maiores posturas e ensinamentos mais verdadeiros e brilhantes.
A partir de agora isso tudo estará ficando cada vez mais claro.
Depois dos séculos XVIII, XIX e XX, que deram tantas revelações, o século XXI que vivemos cada vez mais, se tornará mais revelador ainda.
As vidas de tantos pioneiros e luminares, como Maria Sklodowska Curie
serão cada vez mais veneradas.
Alfredo Senger
01/01/2012
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