sábado, 20 de agosto de 2011

INOCÊNCIA PUTATIVA

POR QUE ESTEVINHO DEIXOU DE CIRCULAR



Na boate, Estevinho deparou-se com Regininha, a moça mais bonita da General Artigas. Dançaram como se fossem velhos parceiros, os corpos num só corpo. Aí, deu aquela de fresco:

- Você é deslumbrante, Regininha. A mulher capaz de fazer a felicidade de qualquer homem.

Ficou nisso, que Estevinho era assim mesmo, derramado, mesmo quando não estava a fim.
Meses depois, era Regininha ao telefone.

- Vou me casar no sábado. Isto é, eu me caso se você assim decidir.

- Não estou entendendo.


- Vou me casar no sábado, com Ernesto Augusto Palhares de Vidigal, mas só se você autorizar. Você autoriza?

- Olha, a brincadeira é até divertida, mas estou muito ocupado e vou desligar.


- Então, você autoriza?

- Que mané autoriza não-sei-o-quê.

- Ciao.


- Ciao.


No sábado Regininha foi encontrada morta. Ao lado, a carta alucinada.


"Devo informar aos meus familiares, à polícia e a quem mais interessar que fui assassinada
por José Cláudio Antônio Nicola Estradivário Pastasciutta, conhecido como Estevinho, que mora na Visconde de Albuquerque."


Sacana, que Deus a tenha. Revólver na mão, quarto fechado por dentro, tudo indicava um suicídio irrevogável e irretratável, dos categóricos e inapeláveis. Mas a carta, como explicar a carta? Meu nome nos jornais, aquele trabalhão para provar a inocência, a revista interminável do apartamento, os numerosos comparecimentos à delegacia, os risinhos do escrivão, o mau humor do delegado, as despesas impossíveis. Citações, agravo de instrumento, apelação, habeas data, mandado de injunção, preclusão, certidões. Só não me exigiram incunábulos, nem palimpsestos, que vai ver nem se aplicam nesses casos.

- Inocência putativa, sentenciou o juiz.


Putativa!

- Sim, senhor, putativa.

Inocente, mas culpado, passei a viver o sobressalto de ser incomodado a qualquer momento.

Cultura inútil

Estevinho
deixou de circular e passou a ler tudo o que aparecia à sua frente. Às vezes, isolado, dedicava-se a pesquisas idiotas, como a dos nomes do bairro. Cultura inútil, das acachapantes: Ataulfo de Paiva foi um grande jurista e intelectual fluminense do século XIX, que ocupou a cadeira 25 da Academia Brasileira de Letras, fundada por Franklin Dória, cujo escolheu para patrono a Luiz José Junqueira Freire, um poeta que nasceu na Bahia em 31 de dezembro de 1832, uma segunda feira, e faleceu no Rio de Janeiro em 24 de junho de 1855, um domingo; general Venâncio Flores, o presidente do Uruguai que se aliou ao Brasil, na Guerra do Paraguai; general Artigas, um militar que se tornou o grande herói da independência do Uruguai; general Urquiza, o primeiro presidente constitucional da Argentina, empossado em 1854.

- Minha ambição é chegar a Aristides Espínola, quem sabe outro general.


Tudo porque dei uma de babaca:

- Você é deslumbrante, Regininha. A mulher capaz de fazer a felicidade de qualquer homem.

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