PARA MELISANDE, COM AMOR
Outro dia, comemorando cinco anos de casamento, convidamos alguns amigos para uma pequena reunião. Éramos cerca de vinte pessoas, e alguém me pediu que contasse um fato curioso sobre algum cientista. Adquiri, não sem razão, a fama de professor que explica a ciência sem esquecer dos cientistas.
- Tudo bem, vou narrar-lhes um fato engraçado de Wolfgang Paoli.
Comecei relatando que há físicos, preconceituosos, que têm o hábito de desdenhar dos profissionais de outras áreas. O neozelandês Ernest Rutherford, pai da Física Nuclear, disse certa vez: “ciência é física. O resto, coleção de selos.” Só por ironia, Rutherford, que era um brilhante experimentador, ganhou o Prêmio Nobel de química, em 1908.
- Não o de física, mas o de química!
Wolfgang Pauli, o gênio que fez a façanha de descobrir a existência de uma partícula atômica chamada neutrino, com apenas fazendo continhas, pautava-se por sentimentos análogos aos de Rutherford em relação aos outros profissionais. Até nas suas desilusões amorosas. Ao saber que sua esposa, Käthe Margarethe Deppner, trocara-o por um químico, reagiu com as seguintes palavras:
- Se tivesse escolhido um toureiro, tudo bem. Mas, um químico... Não posso entender!
Mas a festa era para comemorar meu casamento com Melisande, pela qual eu estava cada vez mais apaixonado. Não estávamos ali para tratar de temas destinados à sala de aula. Na emoção do momento, pensei então nos versos que fizera para May nos meus tempos de solidão e, no estalo, decidi recitá-los para Melisande. May não existia mais na minha vida, e os versos nunca mostrados seriam para a minha desde sempre Melisande. Mudou a mulher, pensei, mas os meus sentimentos são os mesmos.
Reuni os convidados e, com voz embargada, declamei-os fervorosamente, olhando fixamente para ela. Abraçou-me, emocionada, e todos me aplaudiram.
- A única poesia da minha vida, que fiz para comemorar nossos cinco anos de casamento.
Irene não se conteve e exclamou:
- Vocês merecem toda a felicidade do mundo!
Foi então que me lembrei do jantar no Humphrey’s, aquele que ensejou a ventura do meu primeiro encontro com Melisande.
- Irene, minha querida amiga, já que Melisande e eu estamos comemorando cinco anos de um feliz casamento, aproveito o ensejo, neste momento para mim solene, para agradecer-lhe por ter idealizado nosso primeiro encontro, iniciativa nota dez, tanto em planejamento quanto em execução.
- Mas eu não idealizei...
- Não idealizou, como?
- Amigo, permita que confesse a verdade, neste momento para mim igualmente solene. Não premeditei seu encontro com Melisande. Quando me lembrei do compromisso, trinta minutos antes da hora marcada, estava assistindo a um concerto do Rostropovich, no Quitandinha, a 80 quilômetros do restaurante. O recurso foi telefonar para Melisande, que, gentil, compareceu em meu lugar, e estou feliz, muito feliz mesmo, que o evento tenha tido consequência importante na felicidade de vocês. O problema que me impediu de comparecer foi portanto o esquecimento, uma falta grave, gravíssima, que nunca tive coragem de lhe confessar.
- Chamo seu esquecimento de “efeito-borboleta”, dos maravilhosos e definitivos. É por isso que sempre digo...
- O quê?
- Já reparei que, quanto mais me esforço, mais sou ajudado pela sorte.
quarta-feira, 15 de junho de 2011
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