O DILEMA
Aos poucos fui percebendo que na WED, para além da burocracia e dos projetos temerários, havia dolo também. Os princípios de governança estavam longe de serem neutros e inelásticos, e muitas vezes os interesses da corporação eram malbaratados por atitudes duvidosas e ilícitas. Trabalhar, antes um grande prazer, passou a ser um exercício que me angustiava, pois não podia concordar com as empresas de papel, que tinham executivos remunerados com generosos acréscimos salariais por acumularem diretorias que não existiam, ou melhor, que só existiam no papel, nem com as muito duvidosas viagens de negócios dos diretores a Londres e Paris, que se emendavam com as férias da família na Côte D’Azur. Ou com as cisões ou fechamentos de capital feitos com prejuízo dos acionistas minoritários, muitas vezes resgatando suas ações em troca de indenizações calculadas a valores históricos e corroídos pela inflação.
Como diretor técnico, não tinha ingerência nesses torneios administrativos de baixa extração. Mas podia constatar as aleivosias na qualidade de observador privilegiado. Na vida profissional, você tem de gostar do que faz, ser bem remunerado, relacionar-se com os outros profissionais da empresa, sentir a importância do projeto que está sendo cumprido e a sanidade do ambiente. Azul sobre amarelo, maravilha e roxo, para usar um verso dileto de Adélia Prado; mas se um desses requisitos vem a faltar, você pode ruir profissionalmente, a não ser que queira ficar em desacordo consigo mesmo. O dilema estará entre abandonar o emprego, o que significa que você fracassou, ou nele permanecer a contragosto, em cujo caso fracassou do mesmo jeito.
Não iria aguentar por muito tempo. Deu-se então que, no meio do exercício, Forthwhite fez a mudança do critério para avaliação de desempenho dos executivos, operando uma fraude, pois afirmava uma eficiência que não possuíamos. Tudo feito com a conivência e beneplácito dos auditores da subsidiária brasileira. Foi a gota que fez transbordar meu reservatório de decepções, eu que na mesma ocasião acabara de me separar da Cecília. Era permanecer calado, mas intranquilo, ou jogar tudo para o alto, dos dois males o que fosse menos ruim. Foi menos ruim jogar tudo para o alto.
- Estamos enganando Nova York, foi o que disse a Sean Forthwhite.
- Mas você também recebeu bônus de desempenho, Carlinhos.
- Sim, mas devolvi tudo à WED. Veja aqui o recibo que me foi dado pela tesouraria.
“Recebemos de Carlos Auvergne de Carvalho a quantia de 179 mil reais, correspondente à integral e voluntária devolução do bônus que a Western Exploration and Development lhe pagou como prêmio pela sua performance e desempenho no decorrer do exercício de 2001.”
Durei exatos 14 meses na função de diretor técnico, até que, para surpresa de todos, decidi pedir demissão.
- Sinto muito, senhores, mas a partir de hoje não trabalho mais para a WED.
Foram oito anos de trabalho jogados na lata do lixo.
quarta-feira, 3 de novembro de 2010
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Um comentário:
Quanta coisa temos que "jogar no lixo"! Às vezes tenho a nítida sensação de que todos os anos da
minha existência estão indo pelo ralo, direto pro lixo!?
Um abraço grande
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