OS ÁRABES SALVARAM O CONHECIMENTO GREGO
Os romanos tinham mais interesse em comércio, direito e moral do que em investigação científica, na ocasião em que dominaram os gregos, no segundo século antes de Cristo. Apenas Aristóteles e Platão suscitavam algum interesse, sendo importante mencionar que em geral as obras científicas gregas não foram traduzidas para o Latim. Inicialmente, sem envolvimento do Estado com religião, a evolução científica dos gregos pôde seguir seu curso normal em Alexandria, com destaque na astronomia para os trabalhos de Ptolomeu. Sua obra máxima, "Hè Megalè Syntaxis", foi traduzida pelos árabes, na Idade Média, com o nome de “Al Midjisti” (“O Grande Livro”), o qual só muitos séculos depois retornou para conhecimento do Ocidente, onde recebeu o título de Almagesto.
A partir do século II, passou a ocorrer a ascendência da religião sobre o Império Romano, até que, em 391, o imperador Teodósio deu ao Cristianismo o estatuto de religião do Estado. Num movimento inverso ao que se iniciara com os pré-socráticos, que separaram ciência de religião, agora os monges da igreja, que viviam reclusos em mosteiros, rezando e copiando livros, tornavam-se responsáveis pela proteção espiritual da sociedade. Eles passaram a dizer o que era certo e o que era errado em termos científicos, estabelecendo parâmetros e os textos bíblicos e dogmas que deveriam ser usados na interpretação e validação do se podia aceitar. Por exemplo, garantiam que a Terra, imóvel, apoiava-se sobre colunas, de acordo com o Salmo 103: 5:
- “Assentaste a Terra sobre suas bases, irremovível para sempre e eternamente.”
Pensamento e razão davam lugar à fé religiosa e à fidelidade aos textos cristãos.
Quatro registros
(1) São Basílio (330-379) condenou os que “comparam a simplicidade e ingenuidade de nossos discursos espirituais com a curiosidade dos filósofos a respeito do céu”. E argumentou:
- Assim como a beleza da mulher casta supera a da cortesã, assim também nossos discursos prevalecem sobre os desses estranhos à Igreja.
(2) Em 389 o imperador romano Teodósio ordenou ao bispo Teófilo que destruísse os monumentos pagãos de Alexandria, entre os quais o Templo de Serápis, dedicado a uma divindade pagã, protetora da saúde. Assim se perdeu boa parte dos livros da Biblioteca de Alexandria, guardados no templo desde Cleópatra (século I).
(3) Em 529 o imperador cristão Justiniano fechou a Academia de Platão, em Atenas, tachando-a de “centro de saber pagão”.
(4) Os religiosos tinham dificuldade para aceitar a esfericidade da Terra, sobretudo pela afirmação de Aristóteles de que havia outro continente ao sul do nosso planeta, habitado pelos antípodas, contrapondo-se ao mundo conhecido. Os cristãos não podiam admitir que houvesse uma outra civilização, de homens não alcançados pelo Dilúvio. Por isso, mesmo os que acreditavam na esfericidade da Terra, representavam-na como uma semiesfera, com apenas o Hemisfério Norte e seus três continentes.
Para resolver essa questão, no século VI o monge Cosmas Indicopleustes defendeu que a Terra era plana como a superfície de uma mesa. Sua argumentação não tem nenhuma proximidade com a ciência e suas deduções se faziam a partir de postulados bíblicos:
- Existem falsos cristãos que ousam sustentar que a Terra é esférica. Uma heresia dos gregos, que refuto com passagens e citações inequívocas dos textos sagrados.
Aristóteles perdido
Na verdade, Aristóteles foi conhecido mais ou menos até o século VI, quando seus livros deixaram de ser lidos, perderam a importância e desapareceram. Havia pouca investigação científica, que cedeu lugar às práticas do ocultismo, em formas diversas de superstição, magia e astrologia. Nesse vácuo é que surgiu a Escola Árabe, concentrando um misto de conhecimentos de origem grega, romana e judaica na Corte de Bizâncio e nos países que se estendem da Síria ao Golfo Pérsico. As obras de Euclides e Ptolomeu foram traduzidas para o árabe, foi adotado o zero, no século IX, na função de completar os algarismos dos indianos, houve o advento da alquimia, com o objetivo de tentar a transmutação dos metais em ouro e encontrar o elixir da vida para cura de todos os males, e foram introduzidas tábuas astronômicas de grande qualidade.
O conhecimento científico grego foi desse modo preservado pelos árabes, que, a partir do século VII, se expandiram para várias regiões, incluindo o Norte da África e a Espanha.
Biblioteca de Toledo: reencontro com os gregos
Quando os espanhóis expulsaram os mouros da cidade de Toledo, em 1085, nela encontraram uma extraordinária biblioteca islâmica, com todo o conhecimento dos gregos antigos traduzidos para o árabe. O rei espanhol Afonso VI deu toda a prioridade à tradução dos textos para o Latim, onde se destacou um intelectual que aprendera a língua árabe, Gerard de Cremona, responsável pela tradução latina de 76 livros, entre os quais o Almagesto, de Cláudio Ptolomeu.
O Almagesto e os textos de Aristóteles passaram a ser considerados sagrados, apesar de neles Aristóteles ter incorrido em erros inadmissíveis, como a declaração de que os homens tinham mais dentes que as mulheres. Para compatibilizar o legado de Aristóteles com as Escrituras, foi fundamental o trabalho de São Tomás de Aquino (1225 - 1274), pela simbiose que fez do cristianismo com a visão aristotélica do mundo.
As ideias de Aristóteles e de seu operador matemático, Ptolomeu, iriam ter, por essa via, uma sobrevivência adicional de quatrocentos anos.
sábado, 6 de novembro de 2010
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