DUAS VEZES NO MESMO BECO
Sair da WED e separar-me da Cecília, tudo num intervalo de dois meses, recuava-me à estaca zero. Não sabia de que maneira recomeçar, nem tinha por onde, e precipitadamente resolvi fazer um curso de negociações de contratos, animado pela decisão do governo de incentivar as joint-ventures na mineração, no petróleo e nos projetos de eletricidade.
Tudo a ver com o que fazia na WED, mas, a bem da verdade, o curso me interessava pela oportunidade de me relacionar com outros profissionais da atividade, não para aprender o que já sabia. Para ser franco, nem sei se a gente precisa de curso para negociar. Estamos negociando a cada momento na nossa vida particular e doméstica, seja para comprar um apartamento, discutir um empréstimo, escolher com a mulher um programa de lazer, um restaurante ou nosso lugar no avião. Negociamos nosso trajeto, com o motorista de táxi, e o mês das férias, com nosso chefe. No lado profissional, a necessidade de negociar é ainda maior, nas aquisições de materiais, nas reuniões com outros profissionais, nas tratativas com clientes e prestadores de serviços ou nas discussões de contratos.
O curso, nas três semanas em que o frequentei, dava ênfase às operações de natureza prospectiva, sendo necessário descobrir a oportunidade, estimar os custos e receitas de cada projeto potencial, orientar a decisão a ser tomada, buscar sócios, participar das licitações e negociar os acordos. Primeiro, calcular os resultados virtuais de um projeto potencial, as probabilidades de ocorrência dos eventos possíveis e, finalmente, o valor monetário esperado do projeto médio, elaborado com as propriedades de todos os eventos considerados. Depois, efetuar as negociações dos contratos, havendo aqueles que são assinados com agências do governo e os que envolvem companhias que se associam nas joint-ventures. Contratos de risco, memorandos de entendimento, procedimentos contábeis e acordos de operações conjuntas, cujos termos são negociados exaustivamente, cláusula por cláusula, às vezes palavra por palavra, que não existe palavra inútil ou supérflua nos contratos de responsabilidade.
Essa parte do curso foi boa, ensinando procedimentos semelhantes às práticas que conheci na WED. Fui, porém, surpreendido quando os professores começaram a estimular a filosofia da manipulação, que se baseia na análise de pontos fortes e pontos fracos dos negociadores da outra parte contratante, na elaboração de dossiês pessoais e no uso de providências facilitadoras, para envolvê-los e vencê-los por enganação. Nas negociações que conduzi na WED, sempre estive de prontidão para defender-me desses estratagemas. Mas o que o curso estava a ensinar era o ataque, para ludibriar, e não a defesa, para não ser ludibriado.
- Nosso curso vai agora se ocupar das técnicas para desestabilizar a outra parte. Hoje veremos os prazos enganosos e as cláusulas de palha.
- Prazos enganosos e cláusulas de palha?
- Prazos enganosos, que os americanos chamam de “phony deadlines”, destinam-se a induzir o negociador da outra parte a tomar decisões apressadas, sem dar-lhe tempo de perceber todas as implicações da cláusula que está sendo discutida. O expediente pode começar com um inocente comentário do tipo “vamos concluir logo o negócio, pois preciso estar em Londres amanhã à noite”.
- E cláusulas de palha?
- São as chamadas “straw issues”, que correspondem ao nosso “bode na sala”. Cláusulas irrazoáveis, propostas no meio das negociações pelo negociador esperto, para serem retiradas em troca de a outra parte ceder em algum outro ponto que esteja sendo discutido. Principalmente na hora do chamado “toma-lá-dá-cá” das discussões contratuais.
- Há outras técnicas e cláusulas desse tipo?
- Inúmeras, que vamos analisar exaustivamente, praticando cada estratagema de maneira a facilitar a tarefa de vocês na vida real.
O curso ensinava, pois, a arte da empulhação! Pior é que os alunos estavam interessados nessas técnicas de ludibriar, concordavam com as mesmas e sugeriam alternativas para bem enganar a outra parte. Não me dou bem nesse ambiente, pensei. Tinha abandonado um emprego excepcional por não me conformar com a existência de “meios heterodoxos que se justificam pelos fins a serem alcançados”. Entendi naquele instante que ingressar no clube dos negociadores seria uma oportunidade de “apanhar duas vezes no mesmo beco”, que essa era uma expressão usada pela Cecília para ironizar os que reincidiam no erro, sem se emendar após o primeiro castigo.
Em boa hora abandonei o curso de negociações, decidido a não ver aquela gente nunca mais.
quarta-feira, 10 de novembro de 2010
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