Em pleno apogeu do Império Romano, coube a Cláudio Ptolomeu (90-168), de Alexandria, construir um modelo matemático para sintetizar a antiga astronomia grega, ou seja, o pensamento que se consolidou com fundamentos esboçados desde Pitágoras até as contribuições de Platão e Aristóteles.
- a centralidade e fixidez da Terra,
- o tamanho reduzido do Universo,
- a distinção entre um mundo supralunar e um mundo sublunar e
- o movimento circular e uniforme dos astros.
Leis Físicas
De fato, o sistema de Ptolomeu "operacionaliza" as ideias e insuficiências de seu tempo. A crença na centralidade e fixidez da Terra decorria principalmente do desconhecimento das leis físicas (como as leis do movimento, o princípio da inércia e a lei da gravidade). Acreditavam os gregos que, se a Terra se movesse, sentíriamos o vento contra nossos corpos e todos os corpos em repouso na Terra pareceriam estar em deslocamento contrário. O próprio Ptolomeu escreveu que, se a Terra se movesse, "os pássaros que voassem no sentido do movimento não poderiam voltar para seus ninhos." Desconheciam, com efeito, o princípio da inércia, que só seria formulado por Galileu, no início do século XVII.
Além disso, uma Terra em movimento era incompatível com a concepção grega da gravidade; Aristóteles supunha que a Terra estava no centro do mundo por causa do seu peso. Todos os corpos têm seu lugar natural, e o lugar natural dos corpos pesados é um ponto abstrato, que chamou de "centro da Terra".
Outro motivo para crer na imobilidade da Terra era a aparente ausência de alterações nas posições das estrelas. Se a Terra se movesse, as estrelas deveriam alterar-se umas em relação às outras, por causa da paralaxe estelar. Esse entendimento decorria de não terem os gregos nenhuma ideia das enormes distâncias que nos separam das estrelas; a paralaxe existe, mas as distâncias até as estrelas, e entre elas, é tão grande que parece não existir.
Contradições
Havia, porém, algumas questões a resolver:
(1) Se os movimentos dos astros eram circulares, tendo uma Terra fixa como centro, como explicar que ora estivessem mais próximos, ora mais longe dela?
(2) A velocidade dos astros não permanecia imutável, variando de acordo com sua posição na órbita, o que configurava outra contradição com a premissa de movimento uniforme.
(3) Cinco planetas vagavam errantemente em torno da Terra: Mercúrio, Vênus, Marte, Júpiter e Saturno. De vez em quando um deles parava e começava a andar para trás, num recuo chamado de movimento retrógrado. Como explicar isso?
Salvar o fenômeno
No contexto das concepções astronômicas gregas, usa-se a expressão "salvar o fenômeno" para fazer referência ao esforço empreendido para justificar os complicados movimentos planetários utilizando apenas movimentos circulares uniformes. No esforço de "salvar" o modelo da perfeição, contornando as três contradições mencionadas, Ptolomeu usou um complicado sistema de deferentes, epiciclos e equantes.
Para explicar as trajetórias não circulares, Ptolomeu admitiu que o planeta se move ao longo de um pequeno círculo chamado epiciclo, cujo centro se move em um círculo maior chamado deferente. A Terra fica numa posição um pouco afastada do centro do deferente (portanto o deferente é um círculo cujo centro não é a Terra). Conjugando o movimento do centro do epiciclo, movido pelo deferente, com o movimento próprio do planeta a descrever o epiciclo tem-se um movimento resultante para definir a trajetória do astro em questão, tudo construído de modo que o astro ora se afasta, ora se aproxima, atrasa-se ou adianta-se.
Para explicar a velocidade não uniforme dos planetas, Ptolomeu introduziu o equante, que é um ponto ao lado do centro do deferente oposto à posição da Terra, em relação ao qual o centro do epiciclo se move a uma velocidade angular uniforme. O movimento uniforme não era do planeta, mas do centro do epiciclo, em relação ao equante, não em relação à Terra.
Deferente, equante, epiciclo
O deferente, o raio do epiciclo, sua velocidade e a posição do equante eram determinados matematicamente, o que dava ao Sistema de Ptolomeu um cunho de artificialidade, mas permitia explicar qualquer órbita e qualquer movimento retrógrado, com utilizar movimentos circulares e uniformes.
Ou seja, a matemática "de resultado", em que a solução desejada retroage sobre os parâmetros que a definem, é que permitiu "salvar o fenômeno". Artificial, mas eficiente, o sistema de Ptolomeu iria prevalecer, absoluto e em caráter exclusivo, do século II até o século XVI, quando passou a ter a concorrência do sistema heliocêntrico de Copérnico.
Ou seja, a matemática "de resultado", em que a solução desejada retroage sobre os parâmetros que a definem, é que permitiu "salvar o fenômeno". Artificial, mas eficiente, o sistema de Ptolomeu iria prevalecer, absoluto e em caráter exclusivo, do século II até o século XVI, quando passou a ter a concorrência do sistema heliocêntrico de Copérnico.
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