terça-feira, 26 de outubro de 2010

FARSAS E MENTIRAS

MITOMANIA

Outro advogado competente era o velho Margarido, especialista em técnicas de mediação, conciliação e arbitragem empresarial, que entretanto era mitômano e se dizia amigo de Gabriel García Márquez.

Gabito

- Conheci o Gabriel em Nova York, em 1962. Encontrava-me com ele e sua mulher, a Mercedes, nos bares do Central Parque, onde bebíamos uísque com soda e conversávamos sobre literatura. Naqueles tempos, Gabito, era assim que o chamávamos, estava muito entusiasmado com a carreira do romance “Ninguém Escreve ao Coronel” e certa vez me mostrou os originais da primeira parte dos “Cem Anos de Solidão”.


Sabíamos que essa intimidade com o escritor não era verdadeira porque a própria mulher do Margarido garantira numa festa que o marido nunca tinha viajado para fora do Brasil. Um dia alguém decidiu conferir e leu uma volumosa biografia do autor colombiano: García Márquez, realmente, é tratado pelos amigos como Gabito, morava em Nova York em 1962 e publicou “Ninguém Escreve ao Coronel” em 1961. E, de fato, sua mulher se chama Mercedes.
Explicou-me certa vez um psicanalista que a mitomania é uma inclinação compulsiva para a mentira, voluntária e consciente, sendo certo que não é pelas circunstâncias que os mitômanos se deixam apanhar.

- Neles se desenvolve a arte de revestir a fantasia com cuidado total, inviabilizando possíveis contradições e desmentidos.

Um dia Margarido limpou as gavetas e foi embora, deixando sobre a mesa uma carta em que informava que andava muito cansado. Nunca mais apareceu. Surpresas assim provavam o acerto de ter um profissional titular e outro em treinamento, exercendo a mesma função, o que certamente implicava aumento de custos, mas nunca descumprimos nenhuma tarefa por falta de gente qualificada.



- Tudo que sinto é cansaço.

MEGALOMANIA

Minha atuação me dava mais visibilidade do que poderia imaginar e, com o passar dos anos, fui adquirindo prestígio dentro da organização. Até que, um dia, o Board of Directors, que tudo dirigia lá de Nova York, decidiu promover-me a diretor técnico de todas as atividades na América do Sul. Um salto espetacular, que nunca passara, nem de leve, pelas minhas cogitações. Achei bom, claro, e bom continuaria se o acesso às informações que passei a ter na nova função não me fizesse ver que o mar era mais alvoroçado do que supunha, tendendo para o tempestuoso.
A WED era muito grande e cheia de possibilidades, mas nela percebia imperfeições, que, entretanto, não impediam grande geração de lucros e abundantes distribuições de dividendos para os acionistas. Tenho para mim que os defeitos são absorvidos se o projeto é vitorioso e, se muito vitorioso, não são sequer percebidos.
Também é verdade que os chefes de divisão inventavam trabalho uns para os outros, tanto quanto cresciam geometricamente os cargos de confiança, não importando se a organização estava progredindo, estabilizada ou em declínio, aplicando-se na plenitude os desígnios da lei de Parkinson. Mas a ação inocente, de mera decantação de processos autônomos a se diluírem no exercício da burocracia, terminava por aí, pois havia uma clara guerra de interesses e permanentes exercícios de bajulação. Alguns chefes de departamento trabalhavam exaustivamente, e por todos os meios, para assumir alguma posição na direção central. A qual se enchia de gente mais estúpida que o vice-presidente, Sean Forthwhite, de modo que este permanecia sempre como o mais inteligente do seu círculo.

- Sua ideia é absolutamente genial...

Cheio de iniciativas esdrúxulas, Forthwhite tinha poder suficiente para levá-las adiante. Amanhecesse com uma sugestão, impraticável que fosse ou estapafúrdia, todo o sistema se ajustava para provar que se tratava de uma ideia absolutamente pertinente e inovadora; a materialidade da proposta passava ao controle dos chefes de departamento, que imediatamente geravam curvas estranhas em que a moeda era energizada em todas as contas por índices de utilidades que multiplicavam os retornos esperados e reduziam os custos exigidos pelo projeto.

- Estamos aplicando os conceitos de Daniel Bernoulli.

Infelizmente, porém, esses torneios generosos não costumam ser acolhidos pela realidade das condições de campo. Cumpre-se então a derrota inevitável. Após a execução do projeto, que jamais poderia dar certo por sua frágil concepção e superficialidade, começava a busca dos que deveriam ser escalados para assumir a responsabilidade pelo fracasso.

Daniel Bernoulli

- Frustrou-se o êxito da operação, ora essa, por causa da incúria desses incompetentes, sabotadores morais, que não souberam implementar uma ideia revolucionária do vice-presidente. Uma ideia absolutamente revolucionária!

Assim se perderam algumas dezenas de milhões de dólares, jogados fora em projetos que não tinham nenhuma probabilidade de êxito. No início não me envolvi diretamente nessas aventuras, por serem iniciativas isoladas da WED na área de energia, fora do departamento de mineração. Mas, agora, como diretor técnico de todas as atividades, passei a vetar as iniciativas esdrúxulas, sem resistência da parte de Forthwhite, que temia contestar-me, dado o prestígio que me havia sido conferido por Nova York.

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