MUITA COISA ENTRE O CÉU E A TERRA
Vários engenheiros responderam ao anúncio da WED, quase todos mais bem preparados do que eu, com o importante pormenor de que apenas um seria contratado. Um teste de conhecimentos gerais, com questões genéricas sobre engenharia, todas discursivas, e uma entrevista com o diretor de investimentos, na qual afirmei casualmente que há uma relação estreita entre logaritmos neperianos e computação contínua de juros.
- Computação de juros e logaritmos? Não parece fazer sentido.
Num pedaço de papel escrevi a fórmula de juros a uma taxa nominal. Quando o número de incidências da taxa aumenta ao infinito, na direção da computação contínua de juros, a fórmula passa a embutir o número “e”, que é base dos logaritmos neperianos.
- Como assim?
- Basta somar o inverso de um número com a unidade e elevar o resultado à potência do número dado. Se este for suficientemente grande, o resultado converge para o número “e” = 2,718 281... Tudo isso está embutido na computação dos juros, veja aqui.
O que demonstrei era tão evidente que não parece ser motivo para garantir emprego para nenhum engenheiro recém-formado. Lembro-me também de haver citado, de Abraham Lincoln, que no topo há sempre um lugar disponível, uma surrada frase muitas vezes repetida pelo professor de cálculo vetorial, o Sidiney Deschamps, que nós só chamávamos de Vetor Ambulante.
Quando o assunto foi conhecimento da língua portuguesa, mencionei uma antiga ideia de que se erra menos na redação quando se parte da premissa de que orações e períodos são recursos de improvisação usados para construir uma “palavra inexistente”. Mostrei então como se pode integrar verbos, sujeitos, objetos e orações subordinadas numa palavra-unidade, que atua como a “palavra inexistente”, que por sua vez expressa o pensamento que se quer enunciar. Nada pode sobrar nem faltar na palavra-unidade, sob pena de se estar laborando em erro de redação. Lembro-me de ter usado como exemplo o período: “O Brasil espera que cada um cumpra o seu dever.”
- Muito curioso. Onde o senhor aprendeu isso?
- Em lugar nenhum. São elucubrações que fiz quando estudei análise lógica, pois achava as gramáticas muito analíticas e confusas, para não dizer que eram tediosas e aborrecidas.
Saí da conversa cheio de frustração, já que falara sobre coisas que passavam ao largo da engenharia. A entrevista tinha sido a maneira elegante de a companhia demonstrar consideração pelo candidato, antes de dispensá-lo. Duas semanas depois, a surpresa, que até hoje não sei explicar: recebi da WED a comunicação de que deveria apresentar-me para ser contratado.
- Nem tudo que reluz é ouro, disse Shakespeare.
- Foi Shakespeare quem disse isso?
- Sim. Foi ele também quem, pela primeira vez, disse "estamos no mesmo barco", "para mim você está falando grego", "o amor é cego" e "ele tem pavio curto".
- De fato? Mas por que você está trazendo Shakespeare para a conversa?
- Para tentar explicar por que fui escolhido.
- Por que você foi escolhido?
- Porque há mais coisas entre o Céu e a Terra do que supõe a nossa filosofia.
quarta-feira, 8 de setembro de 2010
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