quarta-feira, 21 de março de 2012

PERDER OU PERDER (1/2)

RISCO E RECOMPENSA

No início da minha carreira, trabalhei para uma companhia de energia, que, ampliando seus negócios no Brasil, estava a ingressar na atividade de mineração. Eu integrava a equipe encarregada de analisar a viabilidade econômica de projetos exploratórios e negociar acordos, pois nessa atividade é muito comum dividir com outras empresas a exposição financeira e os riscos.


Nada disso tinha relação com o que aprendera na universidade, o que me obrigou a estudar o assunto em livros que fui importando da Inglaterra e dos Estados Unidos. Passei a saber sobre as leis de mineração em diversos países, teorias econômicas para avaliação de projetos, cálculo das probabilidades, práticas de orçamento e até cláusulas de mediação e arbitragem contratuais.

O chefe do departamento, percebendo que me empenhava, aceitou minha sugestão de construir um modelo de atuação, que incluía simular todas as consequências do projeto, gerar fluxos de caixa, calcular os valores monetários e formular propostas, além de preparação técnica rigorosa para negociar e redigir os contratos. Nossas propostas deveriam ser suficientemente competitivas para vencer as licitações, tendo sempre em conta que pretensões elevadas e atitudes inflexíveis fariam escapar oportunidades importantes, após despesas não recuperáveis com estudos, viagens, aquisições de dados e taxas de participação.


Deu certo, muito certo. O que interessa é o resultado global de todos os projetos. No nosso caso, o êxito foi sempre mais frequente que o da média dos competidores, gerando resultados agregados positivos. O melhor de tudo foi quando descobrimos minério de tântalo, um metal de elevado ponto de fusão, muito valioso, que se usa na fabricação de capacitores eletrolíticos, instrumentos cirúrgicos e circuitos elétricos miniaturizados.


- Tântalo abundante, numa região do Amazonas que a direção queria abandonar e só foi pesquisada por causa da minha insistência e obstinação.


Muita coisa, todavia, acontecia no meu entorno, tanto na área de exploração como, principalmente, na de energia. Alguns chefes de departamento trabalhavam exaustivamente, e por todos os meios, para assumir alguma posição na direção central. A qual se enchia de gente mais estúpida que o vice-presidente, Sean G. Forthwhite, de modo que este era sempre o mais inteligente do seu círculo.
Cheio de iniciativas esdrúxulas, Sean tinha poder suficiente para levá-las adiante. Amanhecesse com uma sugestão, impraticável que fosse ou estapafúrdia, todo o sistema se ajustava para provar que se tratava de uma ideia absolutamente pertinente e inovadora; a materialidade da proposta passava ao controle dos chefes de departamento, que imediatamente geravam curvas estranhas em que a moeda era energizada em todas as contas por índices de utilidades que multiplicavam os retornos esperados e reduziam os custos exigidos pelo projeto.


- Estamos aplicando os conceitos de Bernoulli, justificavam-se, pomposamente.


Daniel Bernoulli


Infelizmente, porém, esses torneios generosos não costumam ser acolhidos pela realidade das condições de campo. Cumpre-se então a derrota inevitável. Após a execução e malogro do projeto, que jamais poderia dar certo por sua frágil concepção e superficialidade, começava a busca dos que deveriam ser escalados para assumir a responsabilidade pelo fracasso. Outros deveriam pagar pela iniciativa.


- Frustrou-se o êxito da operação, ora essa, por causa da incúria desses incompetentes, energúmenos e sabotadores morais, que não souberam implementar uma ideia revolucionária do vice-presidente. Uma ideia absolutamente revolucionária!


Assim se perderam algumas dezenas de milhões de dólares, jogados fora em projetos que não tinham nenhuma probabilidade de êxito.


(continua)

2 comentários:

Adauto disse...

Mestre Remo, parece que você escreveu este artigo para explicar a crise americana do sub-prime. Ou seja, os tempo passa e os espertos continuam de plantão procurando justificativas pseudo-científicas para explicar seus delírios. Parabéns e obrigado por manter sua lucidez disponível para as pessoas em geral, e em especial para quem teve o privilégio de trabalhar com você. Adauto

Remo Mannarino disse...

Caro Adauto,

É um privilégio ter leitores da sua qualidade. Infelizmente, só hoje, 5/4/12, tomei conhecimento do seu comentário. Não sei se você estudou uma ferramenta, chamada de "curva de utilidade" de um projeto, que muitas se usa nas decisões em que o decisor arrisca um dinheiro que não é dele. Nessa técnica uma receita futura é substituída (apenas nos cálculos) por outra receita maior (pois a "utilidade" de um eventual prêmio é muito maior que o seu valor expresso em dólares), enquanto os investimentos reais entram nos cálculos com valores menores (pois, afinal, perder dinheiro dos outros não é lá essa tragédia toda...).
Na hora de calcular, tudo é beleza.
Depois, vem a realidade.
Há outras maneiras de fazer essa trapalhada, como a de considerar créditos fiscais como dinheiro real, maximizar produções, ignorar custos etc. Quando se trabalha com probalidade para obter VME, então tudo vira uma festa...
Você já deve ter visto esse filme algumas vezes.
Um grande abraço,

Remo

5/4/2012