sábado, 17 de março de 2012

O CÃO MATEMÁTICO

JOHANNES KEPLER

Quando Tycho Brahe entregou os dados de suas observações astrônomicas a Johannes Kepler, em 1601, havia defensores para três sistemas planetários:


(1) o geocêntrico, de Ptolomeu, com a Terra imóvel, no centro, e todos os astros a girarem a seu redor;

(2) o sistema heliocêntrico, de Nicolau Copérnico, em que a Terra era considerada móvel, girando, como os demais planetas, em torno do Sol; e

(3) o sistema de Tycho Brahe, misto, em que a Terra era considerada imóvel, tendo o Sol e a Lua a girarem em torno de si, com todos os outros planetas girando em torno do Sol.

Kepler

Nos três sistemas, o mundo continuava subdividido em supralunar (imutável) e sublunar, apesar das discrepâncias supralunares observadas por Tycho Brahe, a saber, a supernova (explosão estelar) de 1572 e o cometa de 1577. A Terra era aceita como esférica desde a viagem de circum-navegação, iniciada em 1519 por Fernão de Magalhães (que morreu em combate, no percurso, em março de 1521) e concluída por Juan Sebastián Elcano em 1522; ainda prevalecia o dogma de que os astros descreviam movimentos circulares uniformes, uma concepção que só seria abandonada quando Johannes Kepler, examinando os dados de Tycho Brahe, formulou suas três leis planetárias.

Natureza de cachorro

Johannes Kepler (1571-1630), nascido em Weil, perto de Stutgart, era filho de Heinrich Kepler, um aventureiro que em 1589 aceitou uma tarefa mercenária na Itália e desapareceu para sempre, e de Katherine Guldennmann, que se dedicava à venda de ervas medicinais e, acusada de bruxaria, quase foi condenada a morrer na fogueira. Johannes estudou com muita dificuldade, habilitando-se em teologia, matemática, astronomia e astrologia. Em 1594 tornou-se professor de matemática e astrólogo, em Graz, na Áustria, onde, escrevendo na terceira pessoa, fez de si um retrato altamente depreciativo:




“Ele (...Kleper) tem a natureza de um cachorro, gosta de roer ossos e pão seco e agarra tudo a seu alcance, mas, nada obstante, bebe pouco e se contenta com comida simples. Anseia pelos favores dos outros, pois deles depende para tudo, obedece a todos e não fica ofendido quando o repreendem, na intenção de cair de novo nas suas graças. Tem horror aos banhos, tinturas e loções, como qualquer cachorro. É educado com as pessoas, a conversação o entedia, e seu desmazelo não conhece limites, o que se deve à posição de Marte em quadratura com Mercúrio e em trígono com a Lua.”

Kepler misturava ideias místicas, de teólogo e astrólogo, com ideias científicas, de astrônomo e matemático. Tinha uma teoria para explicar por que havia seis e apenas seis planetas (conforme se conhecia na ocasião). Para ele o Universo haveria de ser uma estrutura de planetas separados por distâncias relacionadas aos sólidos platônicos (sólidos perfeitos, que têm todas as faces iguais):

tetraedro, formado de quatro triângulos equiláteros;
cubo, de seis quadrados;
octaedro, de oito triângulos equiláteros;
dodecaedro, de doze pentágonos;
e icosaedro, de vinte triângulos equiláteros.

- São cinco sólidos platônicos, que podem separar seis corpos. Por isso os planetas são seis, e somente seis.

Sólidos platônicos

Kepler chegou a elaborar um modelo geométrico do Universo com sólidos e esferas englobando os planetas e suas distâncias platônicas, em constructos que se encaixavam como bonecas russas. No centro de tudo, Kepler considerou o Sol, porque foi dos primeiros a aceitar o sistema heliocêntrico. Em 1596 Kepler publicou o livro "Mysterium Cosmographicum", no qual fez a primeira defesa pública de Copérnico. Foi ele quem denunciou que era falso o prefácio do "De Revolutionibus Orbium Coelestium", do livro de Copérnico, que se acredita tenha sido adicionado sub-repticiamente por Andreas Osiander, o encarregado de supervisionar sua edição.

Modelo geométrico de Kepler

Kepler, que era pastor luterano, foi demitido de Graz em 1598, por ação de autoridades católicas da Contra-Reforma. Desempregado, aceitou ser assistente de Tycho Brahe, em 1600. Os dois cientistas conviveram durante 18 meses, numa relação conflituosa porque marcada pela rivalidade, até que Tycho Brahe veio a falecer, em 24 de outubro de 1601. Trabalhando com os dados de Tycho Brahe, Kepler formulou as três leis dos movimentos planetários, a primeira das quais encerrou a carreira dos movimentos circulares dos planetas, e a segunda, a dos seus movimentos a velocidades constantes.

Fim do dogma dos movimentos circulares

Primeira lei de Johannes Kepler:

"os planetas descrevem órbitas elípticas das quais o Sol ocupa um dos focos."



A órbita de qualquer planeta é uma simples elipse, sem deferente, equante e epiciclos. Vale o exemplo de que, antes, para forçar que sua órbita resultava de uma combinação de movimentos circulares, a trajetória de Marte exigia cinco epiciclos encadeados.

Fim do dogma dos movimentos uniformes

Segunda lei de Kepler:

"a reta que liga um planeta ao Sol varre áreas iguais em tempos iguais".

Áreas iguais em tempos iguais

A velocidade de cada planeta varia conforme sua posição. Quando se aproximam do Sol, os planetas aumentam sua velocidade, e a diminuem quando dele se afastam.

A lei complementar

Terceira lei de Kepler

"o quadrado dos períodos dos planetas é proporcional ao cubo da distância média ao Sol."


Com as outras duas, esta lei permitia unificar, predizer e compreender todos os movimentos dos astros.

Aqui jaz um cão...

Quando Kepler relatou suas descobertas, o astrônomo holandês David Fabricius assim o aconselhou:

- Como ousas abolir a circularidade das órbitas e a velocidade uniforme dos planetas? É melhor
encontrares outro epiciclo antes que esta sua maldita elipse!

- Elipse, como elipse?

Kepler publicou suas leis em 1609 e passou o restante da vida calculando as posições exatas dos seis planetas conhecidos, valendo registrar que foi o primeiro a usar logaritmos em seus cálculos, concebidos, em 1614, pelo escocês John Napier. Faleceu em Regensburg, na Alemanha, em 15 de novembro de 1630 . Composto por ele, há no seu túmulo o seguinte epitáfio:

"Eu media os céus, agora meço as sombras da Terra.
De um espírito celeste, aqui jaz a sombra do corpo".

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