quarta-feira, 14 de março de 2012

COPÉRNICO

O COMENTARIOZINHO QUE REVOLUCIONOU A ASTRONOMIA

Na Idade Média, que a tradição estende de 476, ano da queda do Império Romano do Ocidente, até 1453, quando se deu a tomada de Constantinopla pelos turcos,
prevaleceram o sistema de produção feudal, as relações de vassalagem e suserania e a supremacia espiritual da Igreja Católica, que, no interesse de preservar a integridade das Sagradas Escrituras, subordinava a ciência à interpretação dos textos sagrados.

Tomás de Aquino

Em linha com esse desígnio, a física de Aristóteles foi resgatada por São Tomás de Aquino (1227-1274) e integrada à fé cristã, apenas descartadas as ideias aristotélicas conflitantes com os dogmas católicos, como a eternidade do mundo, contrária à doutrina da criação, e o fatalismo astrológico, contrário à doutrina da onipotência divina. No terreno da Astronomia, aceitavam-se a centralidade e fixidez da Terra, o tamanho reduzido do Universo, a distinção entre um mundo supralunar e um mundo sublunar, a esfera das fixas e, por imposição divina, o movimento circular e uniforme dos astros.

- A Terra é fixa?

- Claro, basta usar o "bom senso": nada fica para trás, os corpos que sobem verticalmente caem no mesmo lugar; nem se percebe nenhuma paralaxe estelar.

Além do "bom senso", a concepção de Aristóteles tinha a vantagem de ser operacionalizada pelo sistema geocêntrico de Ptolomeu, que permitia fazer previsões sobre as posições dos astros e a "salvava" das contradições observadas, pela utilização de um complexo sistema de epiciclos, deferentes, excêntricos e equantes.

Pequeno Comentário

Copérnico

Nicolau Copérnico (1473-1543), polonês nascido em Torun, às margens do Vístula, dedicou-se a várias atividades, como medicina, administração, direito e economia, e foi nomeado cônego de Frauemburgo, em 1497, por influência de seu tio Lucas Watzelrode, bispo de Ermland. Sua paixão era, entretanto, a Astronomia, tanto que em 1513 construiu uma torre para observar as estrelas. Gostava, a esse fim, de analisar os dados que haviam sido colhidos por outros astrônomos, sobretudo Ptolomeu. Por volta de 1514, Copérnico fez circular entre os amigos um manuscrito de 20 páginas, a que chamou de "Commentarioulus" ("Pequeno Comentário"), com uma nova visão do Universo, consubstanciada nos seguintes pontos:

1. A Terra não é o centro do Universo.

2. O centro do Universo fica próximo do Sol.

3. A distância entre a Terra e o Sol é insignificante, se comparada com sua distância às estrelas.

4. O movimento diário das estrelas é apenas aparente, como resultado do movimento de rotação da Terra em torno do seu eixo.

5. Todos os planetas giram em torno do Sol. A sequência anual aparente dos movimentos do Sol é o resultado da revolução da Terra em torno dele.

6. O movimento retrógrado de alguns planetas é também aparente, pois resulta de nossa posição de observadores colocados numa Terra em movimento.

7. A Lua, e tão-somente a Lua, gira em torno da Terra.

Esse manuscrito, que passou quase despercebido, tirava a Terra e o homem do centro do Universo, rebatendo-nos para a periferia, e acabava com a concepção de que havia um mundo supralunar e um mundo sublunar.
Copérnico não publicou o "Commentariolus", por temer uma admoestação por parte da Igreja Católica, mas continuou aprimorando seus estudos, de maneira a expandir o manuscrito para cerca de 250 páginas. O trabalho, concluído por volta de 1530, permaneceu inédito até o ano de sua morte, em 1543.

A simetria do Universo

Sistema heliocêntrico

Na verdade, Copérnico não aboliu os movimentos circulares e uniformes dos astros, nem a esfera das estrelas fixas; mostrou apenas que a Terra se movimentava e qual a posição dos astros nos movimentos, sendo o Sol, não a Terra, o centro dos movimentos planetários.
Como as leis
físicas não eram conhecidas, sua abordagem era de caráter matemático e se destinava a substituir outra abordagem matemática, a de Ptolomeu.
A motivação de Copérnico parece ter sido a de não aceitar a complexidade do sistema de Ptolomeu, com seus deferentes, epiciclos e equantes, e, no dizer de Simon Singh, autor do livro "Big Bang", sua inconformidade com esta complicação foi manifestada nos seguintes termos:

"É como se um artista produzisse as mãos, os pés, cabeça e outros membros de suas imagens a partir de modelos variados, cada parte corretamente desenhada, mas pertencente a corpos diferentes, e, como não correspondem umas às outras, o resultado seria um monstro, não um ser humano."

Copérnico admitia uma única órbita para cada planeta - Saturno a completar sua circunferência em torno do Sol em trinta anos; Júpiter, em doze; Marte, depois, com uma revolução de dois anos, seguindo-se a Terra, com a Lua a girar em torno dela; depois, Vênus, fazendo sua volta em nove meses, e Mercúrio, em oitenta dias.

- A maravilhosa simetria do Universo...
No centro de tudo, repousa o Sol. Pois, quem colocaria essa lâmpada de belo templo em melhor lugar do que esse, de onde pode iluminar tudo ao mesmo tempo? É uma feliz expressão a dos que o chamam de lanterna; outros, de mente, e outros, ainda, de piloto do mundo. Hermes Trimegisto equipara-o a um "Deus visível"; a Electra de Sófocles, "a aquilo que faz arder em chamas todas as coisas". E, assim, o Sol, como se repousando em um trono real, governa a família dos astros que o rodeiam...

Commentariolus
Observação

Urano e Netuno eram desconhecidos ao tempo de Copérnico (1473-1543) - Urano foi descoberto apenas em 1781, sendo de 84 anos seu tempo de revolução, e Netuno, em 1846, com tempo de revolução de 164 anos.

A publicação

Em 1540, George Joachim Rheticus, um admirador de Copérnico, publicou um resumo de suas ideias, a que chamou de "Narratio Prima", sem que despertasse nenhuma animosidade por parte da Igreja Católica. O fato foi determinante para que Copérnico concordasse com a publicação de sua obra final, chamada de "De Revolutionibus Orbium Coelestium", que foi à impressão em 1543, em Nuremberg, pouco antes da sua morte. O livro só seria proibido pela Igreja Católica em 1616, no âmbito das discussões de Galileu com as autoridades eclesiásticas. Infelizmente, porém, o livro de Copérnico foi publicado com um prefácio clandestino, introduzido pelo encarregado da edição, Andreas Osiander, no qual a teoria que se publicava foi apresentada como um mero algoritmo para facilitar os cálculos das distâncias.

- O modelo centrado no Sol não passa de um artifício matemático que serve aos cálculos, não à realidade.

Em seu leito de morte Copérnico, recebeu um exemplar do livro e não deve ter percebido o prefácio, que só foi descoberto como impostura por Johannes Kepler, que denunciou o fato em seu livro "Astronomia Nova", de 1609.

De Revolutionibus Orbium Coelestium

Uma carreira lenta e gradual


Note-se que Copérnico, cujo sistema heliocêntrico tirava a Terra do centro do Universo, manteve a errônea premissa dos movimentos circulares tanto quanto a esfera das estrelas fixas e tinha contra si o desastroso prefácio de Osiander. Inicialmente, “De Revolutionibus Orbium Coelestium”, lida por poucos astrônomos, interessou a alguns intelectuais e acabou adormecendo nas estantes. Tinha, porém, a força de ser a opção verdadeira e aos poucos foi conquistando adeptos, sendo aceita primeiro pelos personagens importantes, como Giordano Bruno, Galileu Galilei, Johannes Kepler, Isaac Newton e Voltaire, depois nas universidades e, finalmente, pela Igreja Católica, que em 1822 retirou o livro de Copérnico do Index Librorum Prohibitorum ("Indicador dos Livros Proibidos").

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