sábado, 23 de abril de 2011

Cora Coralina

ORAÇÃO DO MILHO

-Sou o milho.


(Fui o angu pesado e constante do escravo na escuridão do eito.)
...

Sou a broa grosseira e modesta do pequeno sitiante.
Sou a farinha econômica do proletário.

Sou a polenta do imigrante e a miga dos que começam a vida em terra estranha.

Alimento dos porcos e do triste mu de carga.

O que me planta não levanta comércio, nem avantaja dinheiro.

Sou apenas a fartura generosa e despreocupada dos paióis.
Sou o cocho abastecido donde rumina o gado.

Sou o canto festivo dos galos na glória do dia que amanhece.

Sou o cacarejo alegre das poedeiras à volta dos seus ninhos.
Sou a pobreza vegetal, agradecida a Vós, Senhor, que me fizestes necessário e humilde.
Sou o milho.


Milharal


As bandeiras altaneiras

vão-se abrindo em formação.
Pendões ao vento.
Extravasão da libido vegetal.
Procissão fálica, pagã.
Um sentido genésico domina o milharal.
Flor masculina erótica, libidinosa,
polinizando, fecundando
a florada adolescente das bonecas.
...
(Bonecas verdes, vestidas de noiva, afrodisíacas, nupciais...)



Cora Coralina (1889-1985)

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