quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

AMOR E CULTURA

Pequenos burgueses

May
May ligou-me do Museu.

- Quero convidá-lo para ver uma peça.

- Peça, sobre o quê? Quando?

- Pequenos Burgueses, de Máximo Gorki, hoje à noite. Sobre os Bessemenovs, uma família russa em decadência. Nem pense em recusar, pois já adquiri os ingressos.

Gorki

May, ao volante, tomou o rumo do Teatro Villa-Lobos. Durante o percurso explicou-me que Máximo Gorki teve uma vida miserável, trabalhando como lavador de pratos, pescador, vendedor de frutas, muitas vezes sobrevivendo até como vagabundo.

Gorki

Gorki chegou a tentar o suicídio, no desespero de quem se sente perdido, no meio de uma gente corrupta e miserável. Consagrou-se, porém, ao escrever os Pequenos Burgueses, pois a triste decadência dos Bessemenovs, com todas as suas contradições, era uma amostra do que acontecia na Rússia que antecedeu a Revolução Comunista.

Alumbramento

Tudo foi, para mim, um alumbramento:
o teatro, o ambiente, o ritual.
E, claro, a peça, a mais densa e interessante a que já assisti.
Um pai arbitrário, uma filha deprimida, um filho pretensioso e Nill, trombeta de Deus! Era a classe média assoberbada pelo tédio, numa sociedade em plena e decidida decomposição.
Saí do teatro ainda mais convencido de que era necessário introduzir alguma cultura na minha vida, jogando na lata do lixo aquele modelo idiota de só pensar em integrais, vetores, transformadas de Laplace, eletricidade e mecânica. No trajeto de volta, lembrei-me de Charles Percy Snow, para o qual poucos cientistas leem Charles Dickens ou uma peça de Shakespeare, e poucos artistas conhecem o Segundo Princípio da Termodinâmica. Assim fica muito difícil resolver os problemas do mundo
, arrematou o citado Snow.
Fica mesmo. Não que eu me considere um cientista na acepção integral da palavra, dado que sou apenas um estudante de física, mas não posso continuar sendo um analfabeto cultural em plena cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro.

Camus

Uma semana depois, May ligou-me novamente, sempre assumindo as iniciativas.

- Já tenho os ingressos.

- Mas qual o filme?
Albert Camus

- Isso também é importante. O Estrangeiro, baseado num romance de Albert Camus.

- Albert Camus?

Ora, pois, Albert Camus. O senhor Meursault decide ir ao enterro da mãe, cuja idade desconhece. Sei lá, sessenta anos. Encontra-se depois com Marie Cardona e vê um filme de Fernandel; Mersault se relaciona com um vizinho, Salamano, que tem um cachorro nojento; e com outro, Raymond Sintès, que é cafetão e tem o hábito de espancar a mulher até o sangramento.

No domingo, Meursault, Marie Cardona e Raymond Sintès vão para a casa de praia de Masson, um amigo de Raymond. Dois árabes atacam Raymond na praia, pois querem vingar-se da surra que ele deu na prostituta. São repelidos por Raymond e Masson, que, a seguir, voltam para casa.
Meursault passeia pela praia sozinho e avista um dos árabes, que exibe a faca, sem nenhuma atitude agressiva. Era só Meursault voltar também para casa, e tudo estaria terminado. Mas havia o sol na cara. Mersault atira, e o árabe tomba, fulminado. Depois atira mais quatro vezes contra o corpo inerte do homem caído.
O advogado, o juiz e o promotor tentam entender o gesto de Mersault, que, de fato, nunca se arrepende de nada porque é dominado pelo que vai acontecer.

- Eu matei o árabe por causa do sol.

O capelão insiste em falar com o senhor Meursault, pois precisa conquistar sua alma de condenado à morte.

- Deus irá ajudá-lo, Meursault.

- Não quero que ninguém me ajude, e me falta tempo para me interessar pelo que não me interessa.

Isso é que é indiferença perante a vida.
Uma obra de Camus, mostrando, numa reflexão sobre o absurdo, um homem que se estranha, estrangeiro de si próprio.

- Muito esquisito.

- Bota esquisito nisso, Carlinhos.

Minha única saída

Ficar atento às oportunidades culturais e dar mais atenção aos cadernos internos do jornal, ler Proust, a Divina Comédia e o Dom Quixote, ir ao Municipal, ser capaz de reconhecer uma ária de Verdi ou uma sonata de Beethoven, saber francês e jogar bridge. Ilíada, Finnegans Wake, mitologia grega e escandinava, o Anel dos Nibelungos, Noberto Bobbio, Ángel San Briz e Condillac. E, claro, vinhos, filosofia e economia política.
Ver 117 vezes o segundo ato das Bodas de Fígaro, de Wolfgang Amadeus Mozart!
E, tendo alcançado tudo isso, gritar, alto e bom som, como um Bocage desvairado do Baixo Leblon:

- Gente ímpia, rasgai os meus versos e crede na eternidade, pois já beócio não sou!

Resumindo, assim ignorante, não estarei à altura da May.

Um comentário:

Anônimo disse...

Horácio um dos maiores poetas lírico e satírico da Roma antiga, seguidor da Filosofia epicurista erroneamente traduzida como defensora da vida frívola, quando na verdade Epicúrio buscava controlar as ambições e os desejos,em prol de uma vida simples, onde estaria a felicidade?
May??????May????????
Nesta linha recomenda Horácio que se curta o dia de hoje,que se viva com o que se tem agora.
O agora trás a felicidade mais sorridente, mais florida.
A felicidade pelo menos no sentido de bem estar, poder ser sentida e não se faz necessario que sejamos filósofos ou cientistas.
Basta pensar, refletir, ponderar.
Curta cada um o seu SER e o seu TER!
E não tenha medo de ser feliz!
Só depende de cada um tentar no agora!
A Vida é bela demais para ficar estagnada!
Habitantes da Beócia, provincia da Grecia antiga,onde usavam mais a força que a inteligencia,usava a palavra beócio sinonimo de ignorante, simplório.etc.
Um conselho para o Estevinho:
__Porque já que sei quase tudo,porque não procurar nas coisas simples o outro lado da moeda?
Pascale,Mariazinha Bangú;
Inglid,Sofia,Maria Vivacqua,e a inesquecível Bruna Gossard.
Com isto como poderei não sentir-me à altura dela!!!!!!!!