TÉDIO
Oito anos são suficientes para qualquer pessoa mudar, do primeiro ao último átomo, inexorável e definitivamente. Pois é, assim foi. Ao fim e ao cabo, Cecília e eu éramos outros, não outros quaisquer e ocasionais, mas outros consumados, consumadíssimos.
Nossas conquistas profissionais e materiais aos poucos passaram a não representar mais que uma higiene, a não nos garantir nenhum prazer nem estabilidade: uma higiene que de certo modo até nos desunia. Além disso, os prazeres da cama vão diminuindo lenta e progressivamente, e tenho para mim que não há comunhão de almas e união estável que não sejam garantidas a golpes de paixão e de volúpia.
Tédio, quem sabe o tédio não seja exatamente isso?
No início, lá atrás, eu queria um filho, mas Cecília me dissuadiu, pois filhos não se compatibilizavam com a dinâmica dos negócios, que sempre se opõem à normalidade da vida familiar. Bastava ver que éramos obrigados a constantes viagens ou a compromissos intermináveis e exaustivos. Recentemente, porém, ela mudou de ideia, e foi a minha vez de vetar a iniciativa. Ela, uma mulher especialmente inteligente, não se deu conta da irresponsabilidade que seria gerar um filho num casamento que definhava, anódino e desaquecido.
- Devemos continuar pensando com calma sobre esse assunto, Cecília. Vivemos num ritmo muito profissional, que teria de se alterar de forma importante antes de introduzir mais alguém no nosso espaço.
Progressão é progressão, e um dia o custo ultrapassa o benefício. Pois é, Cecília me veio com aquela história de Montgomery Clift e Shelley Winters, um amor que teve de fenecer para ensejar outro amor, maior e renovado; eu merecia, assim também, encontrar a minha Elizabeth Taylor, pois a mim não me faltavam os atributos para um merecido lugar ao sol.
Foi assim, civilizadamente assim, que ela me comunicou que nosso casamento já não lhe interessava. Eu me esquivei de produzir uma ironia, a de lembrar que nessa história do lugar ao sol o personagem de Montgomery Clift terminou sendo arrastado para a cadeira elétrica.
Achei, isto sim, que estava sendo protegido pela sorte, pois separar-me era tudo o que então desejava e, pelo que conheço de mim, se minha tivesse sido a iniciativa, mais um remorso teria para administrar.
Ela ficou com a nossa casa no Itanhangá, o único bem material que tínhamos em comum, e me compensou com dinheiro bastante para um apartamento no Leblon.
- Pode ficar com a minha parte.
- Claro que não, Carlinhos.
Uma derradeira convivência ainda nos tocou, sem nenhuma animosidade ou irritação. Que nem fariam sentido na nossa história, da qual a separação foi apenas um capítulo necessário.
Estranho, porém, foi continuar transitando mais quarenta dias pelos caminhos da casa, pois nenhum cenário permanece neutro, nem impune, em face de um amor exaurido. Até a arte perde o sentido, as cores se esmaecem e, para dizer a verdade, nunca vi a menor graça naquela cortina da sala de visitas, lilás, isso mesmo, lilás, e em momento algum estive de acordo com a moldura que ela escolheu para o Böcklin que arrematamos no leilão da Bartolomeu Mitre.
Não soube mais da Cecília, que alguns meses depois do nosso último contato vendeu a casa do Itanhangá e mudou-se para Paris. Nem mesmo um telefonema ou um protocolar cartão de despedida. Pois um deixou de existir para o outro, aquele estágio na relação entre duas pessoas que, para Otávio Paz, poderia chamar-se de nenhumação.
Ou melhor, nenhumação recíproca, que é a arte de inexistir daqui para lá e de lá para cá...
quarta-feira, 28 de janeiro de 2009
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2 comentários:
Num ciclo de vida,ressurgindo das cinzas de Fenix, oito anos de tédio........onde ela ergue-se no seu dramático renascimento transformando em símbolo da esperança,representando o Sol que se põe e emerge cada manhã.
Esta mudança merece um poema:
Sacudí o pó da penas da minha alma
Abri meus braços e renasci
Das cinzas em que, sepultado
Tantos anos, como morto eu vivi!
Dei um grito de alegria olhando em volta,
Tão bela era a Paz e a Segurança
O Sol iluminava-me meus cabelos alvos em desalinho.
Mas agora já nada importa
Só sei que estava morto e ressurgi!
Vou saciar minha sede de viver,
Tenho a vida a minha espera
E não tenho tempo à perder,
Renasci, vou ser quem sou.
Porque o outro...o outro eu não sei quem era!!!
Ai caramba! Além de filósofo é versado em prosopopéias? Gostei. Assim é a vida. Tudo passa. Como dizia um poeta:"Lá em cima daquela serra passa boi, passa boiada.Que tranquilidade!" E "renascer das cinzas", como diz teu amigo "Anônimo"(que também é versado em prosas e versos!)é a melhor de todas as surpresas! Você vai longe,meu caro Remo, mas não se afaste muito não, viu? Um abraço
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