quarta-feira, 21 de setembro de 2011

O NOVO DEQUINHA (parte 4/5)

UM ÍDOLO EM ELABORAÇÃO

Em casa, Nicanor não escondia sua impaci
ência. Queria uma definição, e positiva, sobre a situação do filho no Flamengo. Dedeu, temeroso, não tinha coragem de dar-lhe nenhuma esperança. Conhecia muito bem as idiossincrasias do pai, sua propensão tanto para o entusiasmo quanto, principalmente, para a decepção. Por isso o levava com muito cuidado.
Um dia, porém, Carijó apareceu na Serra do
Mendanha e achou de inventar aquela mentira lamentável:

-Seu Nicanor, o professor Carlinhos elogiou muito o Dedeu. Acha que ele se parece muito com o Leandro.

Carlinhos

Era de se ver a alegria do Nicanor, transbordando de satisfação, a antever o futuro glorioso do
filho. A vizinhança logo soube da façanha. Era só esperar, e o veriam no Maracanã, marcando, apoiando, cruzando a bola certeira, venenosa, na cabeça do centro-avante, a quem só caberia testar a bola para dentro do gol.

- A fotogra
fia nos jornais, o assédio dos torcedores, a Europa de olho no menino.

Afirmava para todos que Carlinhos era palavra garantida. Jogador de categoria, que era chamado de Violino, não botava a cabeça na bola para não despentear o cabelo. Ele a buscava com o pé, recolhendo-a lá no alto, pois era no gramado que a bola tinha de ser forçada a transitar. Carlinhos em campo, certeza de time organizado. Como técnico, então, nem se fala, pois deu dois campeonatos brasileiros ao Flamengo.

- Quer ser campeão? Basta contratar o Carlinhos. Pois esse Carlinhos, sim, esse é que entende de futebol.

Janira

Desde esse dia, todos, ali na Grota, passaram a considerar que Dedeu já era um jogador do Flamengo. Era apontado como um exemplo a ser seguido e chegou a ser citado pelo Padre Pestana num daqueles sermões cheios de parábolas e de samaritanos. Certa feita a tia do Gordurinha convidou-o para comer um bolo de limão, repartindo-o com Janira, sua filha mais nova:

- Fiz este bolo, o preferido dela, pensando em vocês dois.

Dedeu tinha bom controle de bola, agilidade, grande força de vontade e tudo fazia com rigorosa disciplina tática, pois não se sentia em condições de fracassar.

Viu progredir o Fabiano, o Juan, o Bruno e Carijó, à proporção que também progredia e ficava cada vez mais confiante. Uma vez fez num treino uma jogada espetacular, que todos elogiaram, até o Paulo César, que, pouco derramado, nunca se abria.

- Isso, garoto! Você está mostrando que conhece to
das as mumunhas e prosopopéias.

Passou a achar que não seria degolado, e, sim, escolhido. S
onhar não custava nada, por que então não sonhar? Era só esperar a definição do elenco. Aos mais pobres, como ele, além de lanche, vale-transporte e assistência médica, o Flamengo proporcionava escola, ajuda de custo e alojamento no Morro da Viúva. Em certos casos, até alugava um apartamento para a família na Zona Sul, para evitar os grandes deslocamentos do jogador.
Embora sem se manifestar abertamente, o tácito D
edeu aos poucos passou a compartilhar o entusiasmo do Nicanor. Já não o refreava como anteriormente, nem se constrangia mais, quando o pai puxava os vivas e pagava intermináveis rodadas de cachaça no Derru Bar, nos domingos ensolarados do Largo da Carniça.

- Viva Dedeu, o futuro ídolo do Flamengo!

Derru Bar
(continua)

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