sábado, 10 de setembro de 2011

O NOVO DEQUINHA (parte 1/5)

A Gávea

Tudo se discutia: a beleza de Grace Kelly, a arte de gastar um milhão de dólares, o Tlön, Uqbar, Orbis Tertius, de Borges, a melhor maneira de recusar um convite de casamento ou o ritual dos peixes que se suicidam. Aprendi, exatamente lá, que Immanuel Kant nunca se casou, que a mãe de Johannes Kepler, uma bruxa, quase acabou na fogueira, que há 159 litros num barril de petróleo, que é muito fácil avaliar um Renoir, grande foi a importância de Hermes Trimegisto e de Avicena no desenvolvimento da ciência...

- Poucos sabem que o produtor de Matar ou Morrer,
Stanley Krammer, foi o diretor de A Nau dos Insensatos.

- Cultura inútil da melhor qualidade...

O mais comum no chope da Gávea eram, todavia, as histórias sobre futebol. A saga dos nossos heróis, na sua miserável condição humana, no gramado ou fora dele:

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Você sabia que Marcos Carneiro de Mendonça era historiador, que Leônidas da Silva inaugurava sapatarias, fazendo discursos redigidos por José Maria Scassa, e que Fausto, a Maravilha Negra, só corria metade do jogo, porque era tuberculoso?

- Ubirajara, o negro mais bonito do Brasil, fazia gols de tiro
de meta, mas só quando o vento ajudava. Filho do Tião, aquele da linha de 1946: Adilson, Tião, Pirilo, Perácio e Vevé...

- Jair da Rosa Pinto, o Jajá de Barra Mansa, teve a camisa queimada após o cinco a dois acachapante.

- Macaé, aquele da Miguel Lemos, não compactuava com o regime capitalista de produção e por isso jamais trabalhou. Foi zagueiro do time de aspirantes do Botafogo, campeão de 1943, e dono do cachorro Biriba.

Biguá, Bria e Jaime

- Biguá foi o melhor de todos os jogadores, que não haja sobre isso nenhuma dúvida: culpado de um gol, deitou-se no gramado e comeu a grama...

No caso geral essas crônicas envolvem ídolos, como se vê. Vou contar, porém, uma história sobre alguém mais modesto, o filho do Nicanor, tudo a ver com a legião de desfavorecidos que enxergam no futebol uma oportunidade de ascensão social.

Nicanor


Um presidente do Flamengo não é um presidente qualquer, mas uma personalidade mítica, com poderes mágicos, conduzindo as multidões para o bem ou para o mal, a vaia, o aplauso, a resignação, a euforia, a indignação, as vitórias e as derrotas.
No caso do Pedro Oest, muito mais para as vitórias, os aplausos, a euforia. Pascoal D'Angelo conheceu-o muito bem. Não gostava absolutamente de interferir no trabalho dos profissionais do clube, que têm seus critérios de escolha e um planejado ritual para o aproveitamento de jovens jogadores para o infantil, o infanto-juvenil, o juvenil, os juniores e os profissionais.

Tudo começa pelos olheiros, que se distribuem, anônimos, pelo interior, pelos subúrbios e pelas praias. O convite deve partir oficialmente do Flamengo ao desapercebido jogador distinguido pela recomendação do olheiro. A situação inversa, com o Flamengo procurado pelo candidato ou por seus amigos e parentes, é constrangedora, sob todos os aspectos. Pois jogador oferecido, que não foi submetido à prévia, insuspeita e competente observação profissional, é normalmente jogador sem as qualidades exigidas para integrar os elencos rubro-negros. Zizinho e Garrincha, que respectivamente se ofereceram ao Flamengo e ao Botafogo, são gloriosas exceções que existem para nutrir a alma passionária do torcedor, alimentando-lhe irreversivelmente a fantasia.

No entanto, Pedro Oest teve muita pena do Nicanor, quando este implorava uma oportunidade para o Dedeu. E pensou: "a nação rubro-negra me perdoará mais esta, eu que já errei tanto pelo Flamengo." Ali mesmo, de pé, apoiando-se no balcão da portaria, redigiu o bilhete endereçado ao técnico dos juvenis:

"Caro, Paulo César, o portador é Dedeu, o novo Dequinha. Teste todas as suas qualidades. Se aprovar, integre-o ao elenco. Um abraço, Pedro Oest."
(continua)

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