Nada é irremovível na Física
A Física é uma das manifestações mais transparentes e objetivas da nossa cultura. Seu escopo é investigar desde o infinitamente pequeno, no interior complicado do átomo, até o infinitamente grande, como na imensidão do nosso Universo de dimensões tão grandes como 15 bilhões de anos-luz; e desde as velocidades normais, que caracterizam os nossos movimentos mais corriqueiros, até a velocidade da luz no vácuo.
Uma boa teoria física é aquela que possui eficácia nas condições vigentes e segundo as finalidades pretendidas. E, nessa condição, ela prevalece até ser substituída por uma teoria melhor. Nada, de fato, é irremovível na Física, a não ser sua capacidade de autoquestionar-se e de desentronizar suas próprias idéias.
Dois exemplos são típicos, o do flogisto e o das concepções cosmológicas.
Um químico alemão chamado George Ernst Stahl desenvolveu na segunda metade do século XVII a teoria de que os corpos haveriam de possuir internamente uma matéria chamada flogisto, ou flogístico, que era liberada durante a combustão. Stahl defendeu ainda que a oxidação dos metais envolvia perda de flogisto, ao passo que o aquecimento da cal viva devolvia-lhes o flogisto. Foi a descoberta acidental do oxigênio por Joseph Priestly, na segunda metade do século XVIII, que levou Lavoisier a fazer experiências que demonstraram que o ar contém cerca de vinte por cento de oxigênio e que a combustão é devida à reação da substância combustível com o oxigênio presente no ar. O flogisto não passava de uma fantasia.
Outro exemplo de substituição de teorias encontra-se nas concepções cosmológicas, desde a Teogonia de Hesíodo no século VIII a. C., substituída, sucessivamente, pelas concepções de Pitágoras, de Filolaus, de Aristóteles, de Aristarco de Samos, de Cláudio Ptolomeu, de Nicolau Copérnico e de Isaac Newton, até chegar ao moderno conceito de que o Universo resultou da explosão de um ovo cósmico, há cerca de 15 bilhões de anos, de acordo com um modelo "padrão", que resultou das observações astronômicas de Hubble e dos estudos de Friedman, Lemaître e Gamow, na primeira metade do século XX.
Coexistência de teorias
E, mais, duas teorias diferentes podem coexistir, às vezes sem nenhum problema. A mecânica clássica, embora sem a abrangência da teoria da relatividade, serve muito bem às nossas aplicações quotidianas; ninguém vai usar as equações de Einstein para calcular a distância percorrida em uma hora por um carro que se desloca à velocidade de 100 quilômetros por hora. Mas só a teoria da relatividade dá a resposta correta nas grandes velocidades e explica a real natureza da aparente atração entre corpos, que na realidade é devida a uma deformação do espaço pela matéria.
Outra coexistência interessante, e até surpreendente, relaciona-se à natureza da luz. Desde Isaac Newton acreditava-se que a luz era formada por partículas; outros, como Huyghens, entendiam que a luz era uma onda. Ambos os lados baseavam-se em argumentos sólidos e convincentes. Onde estava a razão, já que partículas e ondas são entidades tão diferentes como abóboras e elefantes? De nenhum lado e de ambos, responde hoje a Física quântica, pois a luz é, a um só tempo, onda e partícula.
Aproximações sucessivas
A natureza ama esconder-se, afirmava Heráclito quinhentos anos antes de Cristo. A localização dos esconderijos da natureza pela Física é um permanente exercício de aproximações sucessivas. A verdade do futuro pode não ser a verdade atual, tanto quanto a verdade atual não é a dos nossos antepassados. Pois para a Física não há textos sagrados, dogmas ou verdades irrefutáveis; as coisas, no dizer de Richard Feynman, devem ser aprendidas para serem desaprendidas de novo ou, muito provavelmente, para serem corrigidas.
sexta-feira, 3 de agosto de 2007
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2 comentários:
Como entender o que é onda, e o que é partícula ? Outro dia vi o filme "Quem Somos Nós" (acho que é esse o título), mas confesso que terei de ver pelo menos mais uma vez. Acho tudo isso que você escreveu extremamente interessante !!!
Maria: Veja o que escrevi a respeito do seu comentário generoso na postagem de 8/8/2007. Seja sempre bem-vinda!
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