sexta-feira, 31 de agosto de 2007

WOLFGANG PAULI

Pintar o teto da Capela Sistina

Desde 1897, quando o elétron foi descoberto pelo britânico Joseph John Thomson (1856-1940), os cientistas foram paulatinamente revelando a existência de outras partículas subatômicas, entre elas as que entram na constituição dos átomos, como, além dos elétrons, os prótons e nêutrons (os prótons e os nêutrons são partículas compostas de quarks), as que são produzidas por processos radioativos e de espalhamento, como os fótons e múons, bem como uma larga quantidade de partículas exóticas.


Wolfgang Pauli


Glória e façanha é pintar o teto da Capela Sistina, compor uma sinfonia de Mahler, como também (por que não?) descobrir uma partícula subatômica por meio das quatro operações aritméticas. Foi o que fez o austríaco Wolfgang Pauli (1900-1958), Prêmio Nobel de Física, de 1945: ao observar o que acontece quando um nêutron se desdobra num próton e num elétron, no fenômeno conhecido como decaimento beta, Pauli calculou que havia uma diferença entre a energia das partículas, antes e depois do desdobramento, e para explicá-la postulou, em 1930, a existência de uma partícula que não pode ser percebida, por ter massa insignificante e carga elétrica nula, que tudo atravessa e que não interfere com nada.

- Somos constantemente atravessados por ela, em quantidades avassaladoras e à velocidade da luz.

- Não seria essa partícula fantasmal uma metáfora matemática, considerando que ninguém teve, ainda, o privilégio de vê-la, nem de senti-la?

Pauli confiava nos princípios da Física.

- Ela existe. Se não existir, estará violado o princípio da conservação da energia.

Foi o físico italiano Enrico Fermi que propôs dar a essa partícula o nome afetuoso de neutrino (neutronzinho), em virtude da sua neutralidade excepcional.


Uma confirmação

Em 1956 os físicos Clyde Cowan, Frederick Reines, F. B. Harrison, H. W. Kruse e A. D. McGuire detetaram o neutrino no reator Hanford, em Washington, o que foi comunicado pela publicação, na revista Science, do artigo "Deteção do neutrino livre: uma confirmação".

- O neutrino é o triunfo do sutil, conformou-se o astrofísico francês Michel Cassé.


Um toureiro, vá lá...

Há cientistas que têm o hábito de desdenhar dos profissionais de outras áreas. O físico Ernest Rutherford (1871-1937) disse certa vez:

- Ciência é Física. O resto, coleção de selos.

Só por ironia Rutherford, que era um brilhante experimentador, ganhou o Prêmio Nobel de Química, em 1908. Não o de Física, mas o de Química!
Wolfgang Pauli, o gênio capaz de uma Capela Sistina, ou melhor, de descobrir partículas fazendo continhas, pautava-se por sentimentos análogos aos de Rutherford em relação aos outros cientistas. Até nas suas desilusões amorosas.
Ao saber que sua esposa, Käthe Margarethe Deppner, o trocara por um químico, reagiu com as seguintes palavras:

- Se ela tivesse escolhido um toureiro, tudo bem. Mas, um químico... Não posso entender!

sexta-feira, 24 de agosto de 2007

KANT E A CIÊNCIA

Teoria dos Céus

Imannuel Kant (1724 - 1804) confessou que duas coisas enchiam seu espírito de admiração e reverência: “o céu estrelado acima de mim” e “a lei moral dentro de mim”.
Para entender o céu estrelado, Kant estudou o livro de Isaac Newton, "Princípios Matemáticos da Filosofia Natural", e publicou, aos 31 anos, uma obra audaciosa e de título complicado, “História Natural Universal e Teoria dos Céus, Ou um Ensaio sobre a Constituição e Origem Mecânica de Todo o Universo Tratada Segundo os Princípios de Newton”, mais conhecida por “Teoria dos Céus”.
Trata-se de um livro, de 1755, contendo importantes intuições cosmológicas. Entre elas, a de que a Via Láctea seria apenas uma entre uma infinidade de galáxias, cada uma com uma grande quantidade de estrelas e de sistemas solares.


O Grande Debate


Muitos astrônomos, como William Herschel
(1738–1822), acreditavam que a Via Láctea era a única aglomeração de estrelas do Universo. Defendiam que as nebulosas eram estrelas jovens dentro da Via Láctea, ao passo que os alinhados com Kant defendiam que essas nebulosas eram outras galáxias, situadas para além da Via Láctea.
A Academia Nacional de Ciências de Washington organizou em abril de 1920 um debate entre as duas correntes, que, ao fim e ao cabo, era na verdade uma discussão sobre o lugar da humanidade dentro do Cosmos. A galáxia única foi defendida pelos astrônomos do Observatório de Monte Wilson, representados por Harlow Shapley, enquanto a tese de que as nebulosas eram galáxias independentes foi defendida pelo experiente astrônomo Heber Curtis.

O Grande Debate pouco acrescentou, pois faltavam dados observacionais que ajudassem a decidir sobre a questão. Alguns astrônomos, pessimistas, chegaram a admitir que essa questão não seria jamais esclarecida, por situar-se numa fronteira indecidível, onde “o intelecto humano começa a falhar". Erro comparável, em contexto equivalente, ao de Augusto Comte
, que manifestou em seu Curso de Filosofia Positiva a opinião de que nunca seríamos capazes de estudar a estrutura química e mineralógica das estrelas.

A vitória de Kant


Em 4 de outubro de 1923, Edwin Hubble, com seu telescópio de 2,5 metros de diâmetro, descobriu na nebulosa de Andrômedra uma cefeida sete mil vezes mais luminosa do que o Sol e, pela técnica desenvolvida por Henrietta Leavitt, aquela do “Harém de Pickering”, concluiu que essa estrela estava a 900 mil anos-luz da Terra.
Ou seja, a cefeida de Andrômeda estava fora da Via Láctea, que tem de ponta a ponta não mais que 100 mil anos-luz.
A nebulosa de Andrômedra e outras nebulosas constituíam, pois, outras galáxias.
Hubble só anunciou sua descoberta na reunião de 1924 da Associação Americana para o progresso da Ciência.

Gol de Placa

A intuição de Kant estava, pois, correta: o Universo não se restringe à Via Láctea, formado que é por cerca de 100 bilhões de galáxias, cada uma com cerca de 100 bilhões de estrelas, sendo a mais próxima do Sol a estrela Alfa da constelação de Centauro, que dista do Sol quatro anos-luz, cerca de 38 trilhões de quilômetros.

quarta-feira, 22 de agosto de 2007

REUNIÕES ELEGANTES


O CASO DO DENTISTA

Todo o tempo eu me senti numa Roma, de Fellini, e não estranharia nem um pouco se Fiona Florence e Mastroianni irrompessem abraçados na sala imensa. Começou com Angelina, que declamou a poesia “Congresso no Polígono das Secas (ritmo senador; sotaque sulista)”, de João Cabral de Melo Neto. Depois, um torneio de mágicas, muito divertido e interessante.
O melhor veio, porém, quando se fez um sorteio para ver quem iria propor
um enigma relacionado com Shakespeare e suas personagens, sendo certo que todos ali estavam com suas histórias muito bem preparadas. Assim se divertem os intelectuais...
Eu não tinha história nenhuma, nem me incluíram no sorteio, pois ali me achava quase na condição de penetra.


Cartas

A sorteada foi uma escritora chamada Alice Ben-dov. Vou tentar reproduzir a história que ela contou, sobre um dentista do Leblon, cujo um dia recebeu uma carta anônima para lá de esquisita:

“Silvestre, você não passa de um dentista idiota, pois ignora sua própria história. Se desejar conhecê-la, almoce amanhã no Humphrey’s, exatamente à uma. Como você está familiarizado com Shakespeare, se olhar para baixo, saberá o porquê...


Tiago Lessone.”


Eis o que Silvestre pensou dessa carta:

“Sou idiota, como não, e muito obrigado por manifestar sua abalizada opinião. Ignoro a minha história? Almoçar à uma, no Humphrey’s? Ora, pois! Como conheço Shakespeare, só por isso, basta olhar para baixo... Para ver a rua?
Constatar o quê? Muito barulho por nada? Alguma Sorveteria do Hamlet, com picolés da Dinamarca, um Mercador de Bugigangas Importadas, ou o Rei Lear, com seus bolinhos de bacalhau e geladeiras de segunda mão?
Ou será a jaqueira do nosso playground?
Peço-lhe, querido bardo, a gentileza de informar ao senhor Tiago Lessone, seja ele quem for, que olhei para baixo e, para minha grande surpresa e desinformação, lá estavam os meus pés, em número de dois, calçando sapatos pretos de tamanho 42, assentados tranqüilamente no chão do meu consultório, e mais abaixo, uma jaqueira que faz o incomensurável favor de nunca ter dado nenhuma jaca.
Peço-lhe, mais, que informe ao Lessone que não tenho nenhum tempo, nem disposição, para comparecer ao Humphrey’s”.


Dias depois, o dentista recebeu outra carta:

“Silvestre, você não deu importância à minha carta e não compareceu ao Humphrey’s. Sua história não lhe interessa? Segunda chance, amanhã, no Humphrey’s, às 13 horas. Olha para baixo!

Tiago Lesst.”

Havia uma grande mudança, logo percebida pelo Silvestre, pois o sobrenome, Lessone, fora trocado por Lesst. Pela segunda vez ele decidiu não fazer nada. Houve, mais tarde, uma terceira carta, recomendando, igualmente, que ele comparecesse ao Humphrey’s, mas a assinatura mudara desta vez para Tiago Lessfirst. Tudo muito esquisito...


Lessone, Lesst ou Lessfirst?


Silvestre pensou longamente nos três sobrenomes do Tiago, entendeu o recado e decidiu comparecer ao Humphrey’s na hora sugerida pela terceira carta. Para sua grande surpresa e desapontamento, no restaurante encontrou sua mulher abraçada com um amante.
Silvestre não é homem de grandes explosões, mas acabou separando-se da mulher.


O enigma

- Por que Silvestre atendeu à terceira carta?, eis o enigma, arrematou Alice, dirigindo-se aos presentes.

Pelo regulamento, os convidados tinham 30 minutos para desvendar a história. Houve, no início, muito palpite, desorientação e manifestações equivocadas. Depois, todos permaneceram em silêncio, e tão longa foi a pausa que tive a impressão de que ninguém chegaria à solução.
Quando já se encerrava o prazo, entretanto, Susana de Malta, que é tradutora juramentada e mora na Aristides, apresentou a solução do enigma:

- A instrução de olhar para baixo tinha a ver com o sobrenome cambiante. Tiago “Lessone” é Tiago sem “one”; Tiago “Lesst” é Tiago sem “T”; e Tiago “Lessfirst” é Tiago sem a inicial. Três informações na mesma direção, pois Tiago sem a inicial é Iago. Sim, Iago, a personagem pérfida que insinua para Otelo que Desdêmona tem um romance secreto com Cássio. Na tragédia de Shakespeare, Otelo acredita na intriga e, possuído pelo demônio do ciúme, estrangula Desdêmona e se suicida.

- Entendemos muito bem, ou seja, uma recorrência shakespeariana como forma de alertar sobre a mulher. Silvestre só entendeu, afinal, porque conhecia a obra de Shakespeare, o que significa que cultura, entre outras finalidades, também serve para alertar maridos traídos.

- Serve muito,
observou Alice. Silvestre teve mais bom senso que Otelo. Quero dizer, foi menos radical...

- Só que no caso do Silvestre a denúncia era verdadeira, ao contrário do que ocorre na tragédia de Shakespeare.

- Mais uma agravante contra Otelo. Esse Humphrey’s deve ser um lugar elegante...

- Sim, os clientes fazem as reservas com antecedência, o que permitiu as cartas antecipadas do Tiago sem T para o dentista. E tem mais...O Tiago sem T, se não for o gerente responsável pelas reservas, tem acesso a elas, nesse restaurante.

E o Peloponeso?

Tudo se encerrou depois de algumas projeções coloridas do conjunto arqueológico de Epidauro, um santuário situado a nordeste do Peloponeso. Com efeito, uma tertúlia de intelectuais.
Mas o Peloponeso, para que lado fica mesmo o Peloponeso?

sexta-feira, 17 de agosto de 2007

UMA PALAVRA EXTRAORDINÁRIA

CORIOLANO ZIMBER entende do prefixo "extra"

O prefixo “extra” deve ser seguido de hífen, quando anteposto a uma palavra iniciada por vogal:

" extra-abdominal", " extra-escolar", " extra-intestinal", "extra-oficial", " extra-uterino".

Há, porém, uma gloriosa exceção: "extraordinário" não tem hífen.

Observação adicional

O prefixo “extra” é também seguido de hífen, quando anteposto a palavra iniciada por h, r ou s:


" extra-humano", " extra-regulamentar", " extra-sensorial".

A MÁQUINA PODE PENSAR?

O QUINTETO DE CAMBRIDGE

Escrito em 1998, o livro inglês "O Quinteto de Cambridge" ("The Cambridge Quintet"), de John L. Casti, discute se é possível construir uma máquina capaz de pensar. Controvertida desde muitos anos, essa questão dá ensejo a um debate que requer considerações técnicas, lógicas, éticas e biológicas.

O autor recua a discussão a 1949, num jantar imaginário que reúne, para além do escritor e anfitrião Charles Percy Snow, quatro dos mais importantes pensadores do século XX, a saber, Alan Turing, Erwin Schrödinger, Ludwig Wittgenstein e John Bourdon Sanderson Haldane, todos europeus.
Os argumentos são apresentados desde o aperitivo até a sobremesa, um enredo débil para o exercício didático de temas complicados.
O livro se destina a apresentar os aspectos da questão a um público não instrumentalizado com conhecimentos científicos e que
ainda hoje talvez faça as perguntas que Alan Turing respondia em 1949.


Os comensais

C. P. Snow: escritor inglês de temas voltados para a ciência, ele próprio formado em Física, um defensor de que a falta de comunicação entre cientistas e humanistas muito dificulta a solução dos problemas do mundo. Costumava mencionar que enquanto a maioria dos cientistas nunca leu Charles Dickens, a maioria dos humanistas não conhece a Segunda Lei da Termodinâmica.

Alan Turing: matemático inglês que idealizou em 1936 uma máquina teórica, conhecida nos meios científicos como a máquina de Turing, que seria capaz de calcular indefinidamente, repetindo a mesma operação com números diferentes, até que se verificasse como resultado desses cálculos alguma condição a ser verificada. A máquina só poderia interromper seus cálculos se alguma dessas tentativas confirmasse ou refutasse conjecturas não demonstradas, como o Último Teorema de Fermat e a Conjectura de Golbach. Turing trabalhou para os aliados, como decifrador de códigos alemães no Projeto Colossus,
durante a Segunda Guerra Mundial, e após se engajou na construção dos primeiros computadores.

Erwin Schrödinger: físico austríaco que em 1926 criou a Mecânica Ondulatória, considerada uma das mais bem-sucedidas teorias da Física. Dedicou-se depois ao estudo da célula viva, publicando os clássicos “O Que É a Vida?” (1943) e “Mente e Memória” (1956).


Ludwig Wittgenstein: filósofo austríaco, autor de dois sistemas filosóficos ligados ao estudo da interdependência que existe entre a linguagem e a lógica, o Tratado Lógico-Filosófico (1921) e a Filosofia da Linguagem Ordinária (1953).


J. L. S. Haldane: biólogo e matemático inglês, que na década de 1930 se notabilizou pelos seus trabalhos relacionados com o gene humano e pela sua teoria sintética da evolução das espécies.

Todos contra Turing


No jantar imaginário, Turing é o centro das discussões, defendendo, contra os outros comensais, a tese de que no futuro seria possível construir a máquina de pensar, como os seres humanos. Para ele bastariam memória e programas adequados, pois os obstáculos são tão-somente tecnológicos, ou seja, uma questão de ciência e engenharia.
Para os outros, entretanto, essa máquina hipotética apenas faria a mímica do ser humano, pois, sem vida nem inteligência, seria incapaz de sensações, de informalidade e de comportamento lógico e social.

quarta-feira, 15 de agosto de 2007

CONTESTAÇÕES IRÔNICAS

Refutando uma estatística:

“Existem as mentiras, as mentiras cabeludas e as estatísticas.”


Refutando uma hipótese:

“Com tantos “ses”, meteríamos o Himalaia dentro de uma lata de salsicha.”



Refutando uma previsão astrológica:

“A Astrologia é uma ciência natural com a qual ou sem qual o mundo permanece tal e qual.”

sexta-feira, 10 de agosto de 2007

RETALHOS DO QUOTIDIANO (parte final: 26/26)

Epílogo

Depois de encerrada a pesquisa em resistência dos materiais, Laura deu um curso para alunos, não graduados, sobre campos eletromagnéticos, no qual se houve muito bem. Tanto que, vencido um período experimental de 12 meses, o King´s College lhe propôs um contrato de trabalho definitivo. Ou seja, tinha diante de si a perspectiva e oportunidade de construir uma carreira vitoriosa numa das mais conceituadas universidades do mundo.
Foi nesse ponto que ela voltou ao Rio de Janeiro, para três semanas de férias. Pensei muito, antes de propor-lhe que viesse para o meu apartamento, pois já não nos tratávamos como namorados. Ela, porém, aceitou o convite com muita alegria. Já no aeroporto, abraçou-me emocionadamente, e ambos nos pusemos a chorar.

- Você assinou o contrato definitivo, claro.


- Ainda não, pois pedi um tempo.

Senti que estava no epicentro dessa indecisão. Tínhamos muita coisa para construir, não separadamente, mas juntos - foi o que pensei naquele momento crucial. Posso errar, e erro muito mais do que o necessário, mas não por falta de iniciativa. Pelo sim, pelo não, decidi procurar o De Sitter.

- Aquele convite para a Laura ser professora de Física ainda prevalece?

- Agora e sempre, respondeu o chefe do departamento.

Eu estava disposto a pedi-la em casamento, nem que tivéssemos de ser um casal separado por mais de 10 mil quilômetros, que grande assim deve ser a distância entre o Canal do Leblon e a Trafalgar Square.
Naquele mesmo dia levei-a para jantar no Humphrey´s, o local preferido dos professores de Física.

- Estive hoje com o De Sitter. Ele me informou que o emprego de professor para você na Física está de pé.


- Que acha que devo fazer?


- Rejeitar a Inglaterra, aceitar a oferta do De Sitter e casar-se comigo.

Felizes

Professores ambos, estamos casados há dez meses. Nós nos entendemos, nós nos completamos e nós nos bastamos. Ou seja, somos felizes.

Reabilitação

Este relato ficaria incompleto se eu omitisse que a Western Energy Development, a WED, descobriu a prevaricação da turma de Sean Forthwhite e me enviou, no mês passado, uma carta com um pedido de desculpas e uma proposta para que eu reassumisse o emprego. Ah, enviaram-me também um cheque de R$ 261.120,00, tal a quantia correspondente ao bônus de participação que eu lhes havia devolvido, acrescido agora de juros remuneratórios.

Surpresa

Laura sempre me relata alguma coisa sobre sua passagem pela Universidade de Londres. Onde, no seu tempo, havia meia centena de brasileiros, muitos dos quais se reuniam duas ou três vezes a cada mês em algum bar da Oxford Street. Numas dessas reuniões Laura foi apresentada a May e por seu intermédio chegou a conhecer Kurtis e sua mulher. E esta era a empresária de modas Cecília Lafayette de Castro, não menos que a minha ex-mulher!
Kurtis casado com a Cecília, ora, pois, pois!
Sempre achei que Buenos Aires tinha sido determinante na minha vida! Bingo! Cecília e Kurtis se conheceram em Buenos Aires, durante um Congresso Mundial de energia!

Cecília

Uma cena que me vem sempre à mente é a do Kurtis, jantando, em Londres, com as três mulheres da minha vida: Cecília, May e Laura. Se ninguém acreditar, minha resposta há de ser:

- Tem gente que acerta na sena, sabia?

Está na hora de encerrar este relato, mas quero acrescentar um último ponto. Tenho, muito para mim, que há alguma conexão da Cecília com o escândalo do motel... Igualmente, justiça se lhe faça, com a minha indicação, pelo Kurtis, para substituí-lo no Departamento de Economia. Pois ela sempre prepondera, não erra, nem deixa vestígios.


FIM

quarta-feira, 8 de agosto de 2007

ONDA OU PARTÍCULA?

Resposta para o comentário de Retalhando - Maria

Não devemos nos impressionar com as nossas dúvidas sobre a Física Quântica, em relação à qual nem os físicos profissionais costumam se entender. O maior expoente nesse campo do conhecimento, que foi o físico dinamarquês Niels Bohr, cunhou uma frase que se tornou célebre, mais ou menos na linha do que se segue:

- Quem não tem dúvidas, nem fica perplexo, não entendeu nada.

Embora eu seja tão-somente um curioso e diletante, pois físico não sou, atrevo-me a alguns comentários. A nossa lógica, a da realidade das coisas que são percebidas e a da necessidade de uma causa para explicar os fenômenos (tudo a ver com Aristóteles), não funciona no mundo das partículas subatômicas, exatamente onde prevalecem o muito pequeno e o muito veloz.

- Vejo um carro andando à velocidade de 60 km/hora como tal porque o carro é relativamente grande e relativamente lento.

Mas a lógica do realismo e da causalidade sucumbe no âmbito das partículas subatômicas, que são diminutas e se deslocam a velocidades anormalmente elevadas.


A luz

Começo dizendo que a luz é formada por fótons, partículas sem massa, mas com energia, emitidas pelos elétrons. Eu disse partículas, mas serão mesmo partículas?
Lembre-se que o ambiente agora é o subatômico.
Isaac Newton dizia que sim - são partículas, como grãos de areia, tanto que a luz de alta energia (ultravioleta), incidindo sobre um metal, desloca elétrons e produz o efeito fotoelétrico. Só uma partícula desloca outra partícula, como uma bola de bilhar chocando-se contra outra.
Não!, respondeu Huyghens, a luz é uma onda. Uma onda é uma linha sinuosa, uma cobra indo para cima e para baixo, configurando o que os matemáticos chamam de senóide. Pois, argumentava Huyghens, um raio de luz incidindo sobre um anteparo com dupla fenda (duas fendas próximas) passa pelas duas fendas, tanto que o observador vê um padrão senoidal de incidência da luz numa tela receptora, colocada para além do anteparo. Só uma linha poderia realizar essa façanha.
Discussão de duzentos anos. Quem estava com a razão, já que uma cobra nada tem a ver com um grão de areia? Isso mesmo, quem estava com a razão?

- Ambos!, gritou Einstein num dos seus célebres artigos de 1905. Pois a luz ora é partícula, ora onda.

- Como?

- Quem define se a luz é onda ou partícula é o observador. Na experiência do efeito fotoelétrico o observador, com seu aparato, está preparado para ver partícula; desse modo verá a luz funcionando como partícula. Na experiência da dupla fenda o aparato é para ver a luz funcionando como onda. Não dá outra: a luz é vista funcionando como onda.


As outras partículas

As surpresas não terminam nesse ponto. A tese de doutorado de Louis de Broglie, apresentada na França em 1924, tornou-se a mais famosa de todos os tempos, contribuindo decisivamente para o desenvolvimento da Física Quântica, ao postular que toda a matéria (e não apenas a luz) tem um comportamento ondulatório. Prótons, elétrons, nêutrons, neutrinos, bósons, mésons etc etc. Tudo, absolutamente tudo: ora partícula, ora onda.
Como se a natureza, nos seus fundamentos, tivesse dois modelos (quem sabe não tenha mais de dois!), dos quais apenas um poderá apresentar-se ao observador. Quando átomos e moléculas se reúnem para formar os corpos, estes com suas velocidades civilizadas com as quais se nos apresentam, aí então tudo se torna um modelo só, a partir do qual construímos nossa lógica.

- E tem mais, acrescentou Niels Bohr, quem vê partícula, não vê onda; quem vê onda, não vê partícula.

A afimação acima de Bohr configura o famoso Princípio da Complementaridade, da Física Quântica. O qual poderíamos tranqüilamente chamar de Princípio de Cecília Meireles, que não precisou de nenhum experimento fotoelétrico, nem de dupla fenda alguma, para estabelecer que só uma coisa prevalece:

- Ou isto ou aquilo!


Por que não?

Alguns físicos dizem jocosamente que há muitas histórias correndo paralelamente, mas só percebemos uma.
Numa delas nasci com o talento de Mozart e joguei futebol como Pelé.

segunda-feira, 6 de agosto de 2007

BARÃO DE MAUÁ, PIONEIRO DA INDÚSTRIA NO BRASIL

Fortuna, sabotagem e falência

Irineu Evangelista de Souza (1813-1889), o barão de Mauá, nasceu em Arroio Grande, no Rio Grande do Sul. Órfão de pai, veio para o Rio de Janeiro com a idade de nove anos, onde começou a trabalhar numa importadora da rua Direita, atual Primeiro de Março, como caixeiro e menino de recados.
Por seu talento, Irineu foi galgando posições dentro da firma, a ponto de se tornar o seu proprietário, e nessa condição construir um grande império comercial, financeiro e industrial, graças à sua extraordinária capacidade para antecipar oportunidades de lucro.

Percebendo a importância da Revolução Industrial, fundou o Estaleiro Mauá, no qual empregou mais de mil operários, que foi o responsável pela construção de 76 navios e pelos canhões que o Brasil usou na Guerra do Paraguai, para além de produzir caldeiras para máquinas a vapor, engenhos de açúcar, guindastes, prensas, armas e tubos para encanamentos de água.

Mauá criou companhias de navegação a vapor no Rio Grande do Sul e no Amazonas; em 1852 implantou a primeira ferrovia brasileira, entre Petrópolis e Rio de Janeiro, uma das primeiras ferrovias, no mundo, fora da Inglaterra. Executou também o trecho inicial da União e Indústria, entre Petrópolis e Juiz de Fora, a primeira rodovia pavimentada do Brasil.
Mauá lançou os cabos que dotaram o Brasil de telégrafo internacional e em 1854 implantou a iluminação pública a gás do Rio de Janeiro, cidade que também dotou de água e de gás canalizados.



Melhor do que Londres


O contrato para iluminação a gás do Rio de Janeiro, cujos lampiões antes queimavam óleo de cachalote ou de mamona, foi celebrado em 11 de Março de 1851 e tinha como exigência que a iluminação fosse melhor do que a da cidade de Londres.
No dia 25 de Março de 1854, os lampiões a gás iluminaram a Praça XV e as Ruas Primeiro de Março, Ouvidor, Rosário, Hospício, Alfândega, General Câmara e São Pedro.
Dois meses depois, todo o centro estava igualmente iluminado, com filas de lampiões que se estendiam até o Mangue.
Mauá achava que o dinheiro devia ser investido na produção, e não na especulação. Tinha muitos inimigos, por ser contra a escravidão, que proporcionava grandes lucros aos que investiam no tráfico e no comércio de negros, sendo também hostilizado pelos que viviam às custas dos juros bancados pelo Império. Como o contrato dos lampiões a gás falava em “iluminação melhor do que a da cidade de Londres”, os adversários fizeram uma campanha para denigrir o projeto, sendo exemplo o bolodório qualitativo e provinciano do jornal “A Ilustração Brasileira”, de 3 de abril de 1854:

“ninguém haverá que já tenha estado na capital da Inglaterra, que não conheça que nossos bicos de gás em vez de dar uma luz mais forte dão uma sensivelmente mais fraca.”


Falência

Mauá foi vítima de perseguições, calotes e sabotagens, que incluíram o incêndio criminoso do estaleiro, de ações governamentais deletérias e de perseguição dos tribunais. Tudo isso levou-o à falência em 1875.
Em sua “Exposição aos credores e ao público” (1878), Mauá atribuiu sua falência principalmente à hostilidade dos governantes uruguaios e brasileiros, que lhe teriam criado embaraços intransponíveis. Outra causa apontada foi a estranha decisão do Supremo Tribunal de Justiça, em 1877, que reconheceu o foro de Londres como o único competente para julgar sua ação contra a empresa inglesa S. Paulo Railway, por dívidas
não honradas, contraídas no Brasil, para construção da estrada de ferro Santos-Jundiaí.
A justiça inglesa, sem se fazer de rogada, considerou prescrita a dívida, favorecendo a S. Paulo Railway e levando Mauá à falência.

sexta-feira, 3 de agosto de 2007

A ESTABILIDADE PRECÁRIA DAS TEORIAS FÍSICAS

Nada é irremovível na Física

A Física é uma das manifestações mais transparentes e objetivas da nossa cultura. Seu escopo é investigar desde o infinitamente pequeno, no interior complicado do átomo, até o infinitamente grande, como na imensidão do nosso Universo de dimensões tão grandes como 15 bilhões de anos-luz; e desde as velocidades normais, que caracterizam os nossos movimentos mais corriqueiros, até a velocidade da luz no vácuo.
Uma boa teoria física é aquela que possui eficácia nas condições vigentes e segundo as finalidades pretendidas.
E, nessa condição, ela prevalece até ser substituída por uma teoria melhor. Nada, de fato, é irremovível na Física, a não ser sua capacidade de autoquestionar-se e de desentronizar suas próprias idéias.
Dois exemplos são típicos, o do flogisto e o das concepções cosmológicas.

Um químico alemão chamado George Ernst Stahl desenvolveu na segunda metade do século XVII a teoria de que os corpos haveriam de possuir internamente uma matéria chamada flogisto, ou flogístico, que era liberada durante a combustão. Stahl defendeu ainda que a oxidação dos metais envolvia perda de flogisto, ao passo que o aquecimento da cal viva devolvia-lhes o flogisto. Foi a descoberta acidental do oxigênio por Joseph Priestly, na segunda metade do século XVIII, que levou Lavoisier a fazer experiências que demonstraram que o ar contém cerca de vinte por cento de oxigênio e que a combustão é devida à reação da substância combustível com o oxigênio presente no ar. O flogisto não passava de uma fantasia.

Outro exemplo de substituição de teorias encontra-se nas concepções cosmológicas, desde a Teogonia de Hesíodo no século VIII a. C., substituída, sucessivamente, pelas concepções de Pitágoras, de Filolaus, de Aristóteles, de Aristarco de Samos, de Cláudio Ptolomeu, de Nicolau Copérnico e de Isaac Newton, até chegar ao moderno conceito de que o Universo resultou da explosão de um ovo cósmico, há cerca de 15 bilhões de anos, de acordo com um modelo "padrão", que resultou das observações astronômicas de Hubble e dos estudos de Friedman, Lemaître e Gamow, na primeira metade do século XX.


Coexistência de teorias

E, mais, duas teorias diferentes podem coexistir, às vezes sem nenhum problema. A mecânica clássica, embora sem a abrangência da teoria da relatividade, serve muito bem às nossas aplicações quotidianas; ninguém vai usar as equações de Einstein para calcular a distância percorrida em uma hora por um carro que se desloca à velocidade de 100 quilômetros por hora. Mas só a teoria da relatividade dá a resposta correta nas grandes velocidades e explica a real natureza da aparente atração entre corpos, que na realidade é devida a uma deformação do espaço pela matéria.
Outra coexistência interessante, e até surpreendente, relaciona-se à natureza da luz. Desde Isaac Newton acreditava-se que a luz era formada por partículas; outros, como Huyghens, entendiam que a luz era uma onda. Ambos os lados baseavam-se em argumentos sólidos e convincentes. Onde estava a razão, já que partículas e ondas são entidades tão diferentes como abóboras e elefantes? De nenhum lado e de ambos, responde hoje a Física quântica, pois a luz é, a um só tempo, onda e partícula.


Aproximações sucessivas

A natureza ama esconder-se, afirmava Heráclito quinhentos anos antes de Cristo. A localização dos esconderijos da natureza pela Física é um permanente exercício de aproximações sucessivas. A verdade do futuro pode não ser a verdade atual, tanto quanto a verdade atual não é a dos nossos antepassados. Pois para a Física não há textos sagrados, dogmas ou verdades irrefutáveis; as coisas, no dizer de Richard Feynman, devem ser aprendidas para serem desaprendidas de novo ou, muito provavelmente, para serem corrigidas.

quinta-feira, 2 de agosto de 2007

RESTA O QUÊ?

Vazio


A poesia fugiu do mundo.
O amor fugiu do mundo —
Restam somente as casas,
Os bondes, os automóveis, as pessoas,
Os fios telegráficos estendidos,
No céu os anúncios luminosos.

A poesia fugiu do mundo.
O amor fugiu do mundo —
Restam somente os homens,
Pequeninos, apressados, egoístas e inúteis.
Resta a vida que é preciso viver.
Resta a volúpia que é preciso matar.
Resta a necessidade de poesia, que é preciso contentar.

AUGUSTO FREDERICO SCHIMIDT (1906-1965)


quarta-feira, 1 de agosto de 2007

RETALHOS DO QUOTIDIANO (parte 25/26)

Seguindo o meu destino

Senti que minhas aulas agradavam, pois, assistidas inicialmente somente pelos alunos, passaram a ser freqüentadas por outros professores da Economia e até por professores de outros departamentos. Isso me estimulava a trabalhar cada vez mais, aumentando minha capacitação para fazer cálculos econômicos, decidir em regime de incerteza e negociar contratos de risco.
Eu escrevia apostilas para uso dos alunos, que se somavam aos livros que escolhia cuidadosamente e indicava como textos básicos. Minha intenção era desde então transformar essas apostilas, que fui aprimorando gradativamente, em livros a serem publicados comercialmente.

Minhas conquistas

Sigo o destino que me é imposto, mas, convenhamos, sempre faço força para aproveitar as oportunidades que as circunstâncias me oferecem. Terminado o semestre, com efeito, fui efetivado com salário de professor titular. Viva eu cá na Terra sempre a merecer minhas conquistas! Pequenas, é verdade, mas, ainda assim, conquistas.
Desliguei-me definitivamente da Física, mas tive o cuidado de procurar Ignácio de Sitter, Rafael Lemaitre e Maria Hoyle para depor-lhe o meu agradecimento pela acolhida generosa que me deram nas três semanas do nosso convívio.
Não posso deixar de reconhecer que a Física, mesmo indiretamente, muito contribuiu para que eu ascendesse à minha nova posição e igual importância dou ao congresso de Buenos Aires.
Seja como for,
eu me tornara um professor de verdade e não era mais um Al Pacino desempregado, a sonhar com Albert Einstein e seus cartões de visitas.

Laura e eu

Continuávamos ligados pelos momentos de ternura, mas nos emails freqüentes só tratávamos das nossas respectivas caminhadas profissionais. Era certo que ela fazia uma carreira vitoriosa no King’s College, a serviço da resistência dos materiais e da Mecânica Vibratória, restando bem implícito que nossas trajetórias eram divergentes e até irreconciliáveis.
Os êxitos recíprocos nos separavam. Não me surpreenderia se algum dia ela viesse com a notícia de que iria se casar com algum cavalheiro inglês numa igreja de Londres. Tudo que me cabia era esperar que não fosse nenhum membro ocioso da Família Real!
Não tive vontade de me aproximar de outras mulheres, pois, no fundo, isso me parecia um ato de deslealdade, uma aleivosia, sei lá.

May e Kurtis

Certo dia, conversando sobre amenidades, Estênio Florão pôs-se a elogiar o Kurtis, para ele uma pessoa de qualidades excepcionais. Àquela altura até eu tinha simpatia pelo cujo,
que me legara suas cadeiras na Economia. Melhor que isso, ele me indicara como seu substituto!

- Saindo da Universidade, mudou-se para a Inglaterra, levando consigo uma sobrinha egiptóloga.


- Sobrinha egiptóloga? Era casado com ela?

- Não, não. Ele casou-se recentemente com uma empresária, mas não cheguei a conhecê-la. A sobrinha, que também não conheci, aproveitou a mudança do tio para fazer um PhD na Universidade de Londres. É tudo que sei.


Ora essa! May era sobrinha do Kurtis, não sua amante, e estava estudando em Londres!
Que coincidência! Fazia mais sentido... Fosse o que fosse, isso não tinha a menor importância, pois May deixara de ser importante para mim.
Como pode? Minhas duas últimas namoradas estavam ambas na Universidade de Londres!
(continua)