quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

RENÉ DESCARTES

ÁGUA QUENTE
Descartes viveu apenas 54 anos!

O lema de Ovídio “bene qui latuit bene vixit” - “vive bem quem bem se esconde ” - foi adotado por René Descartes (1596-1650), que por ele realmente se pautou, quando, no temor do Santo Ofício, viveu alguns anos escondido na Holanda.
Desca
rtes apoiava as ideias heliocêntricas de Nicolau Copérnico, a Terra girando em torno do Sol, e sabia muito bem o que sucedera a Giordano Bruno, lançado à fogueira, em 1600, e a Galileu Galilei, condenado à prisão domiciliar e ao silêncio, em 1633. A Igreja não admitia que o homem, a criatura de Deus, fosse deslocado de seu sítio privilegiado, no centro do Universo, e passasse a orbitar mediocremente em torno do Sol.
Copérnico publicou sua teoria em 1543, mas a Igreja só a aceitaria em 1822, quase 300 a
nos depois.

Na terceira periferia

O Discurso do Método

Descartes criou a geometria analítica, uma elegante combinação de álgebra com geometria, e foi um dos pioneiros da ótica, da hidrostática e da mecânica. Teve ainda destacada atuação na filosofia, publicando obras importantes, como “Meditações” e “Princípios da Filosofia”, ambas redigidas em Latim, além do “Discurso do Método” (“Discours de la Méthode”), sugerindo um procedimento que foi decisivo na evolução da ciência.

“Não me cabe, de fato, aceitar como verdadeira nenhuma coisa que eu não conheça evidentemente como tal; devo dividir cada uma das dificuldades em tantas partes quanto possível e necessário para resolvê-las; hei de conduzir os meus pensamentos de forma organizada, começando pelos objetos mais simples, segundo uma ordem de precedência de uns em relação aos outros; ao final, encerrarei cada estudo ou pesquisa com enumerações completas e revisões gerais, para ter certeza de que nada foi omitido. Enfim, como máxima fundamental, hei de procurar sempre vencer antes a mim do que à fortuna, modificar os meus desejos antes que a ordem do mundo.”

Geometria analítica


A geometria analítica foi criada por Descartes para ilustrar o procedimento estabelecido no “Discurso do Método”.

Protagonistas e beneficiários

Boa parte do nosso conhecimento foi construída, ao longo dos séculos, por homens como Descartes, os quais muitas vezes eram filósofos, matemáticos ou físicos só por vocação e diletantismo, porque profissionalmente eram empresários, médicos, advogados ou militares. Como Lavoisier, o pai da química, que era advogado e coletor de impostos, ou Alexander Graham Bell, o inventor do telefone, que era professor de música e de elocução para surdos. Numa lenta progressão séculos afora, esses luminares começaram por introduzir a noção de força; depois, relacionando a força e a superfície onde se exerce, criaram o conceito de pressão, intuíram a energia e o trabalho mecânico, definiram a entropia e estudaram a corrente elétrica e o calor. E, com esses constructos do pensamento erudito, foram edificando teorias vitoriosas sobre mecânica, hidrostática, eletricidade, termodinâmica e acústica.
No decorrer da humanidade, os gênios trabalharam com dedicação, percebendo os fenômenos, explicando-os, relacionando-os e possibilitando o desenvolvimento de tecnologias fundamentais, de modo que, maravilha das maravilhas, ao simplesmente manusear uma torneira sou contemplado com uma generosa ducha de água quente, no banheiro do meu apartamento. Ao sair do banho, direto para o meu dia muito confortável, tomo refrigerante gelado, falo no telefone, vejo TV, chamo o elevador, ligo o carro etc, tudo com naturalidade.


Tudo bem. Merecemos todas as benesses, incluindo chinelos, automóveis, porta-retratos, copos,
geladeiras, micro-ondas, parafusos, descascadores de batatas, telefones, relógios, cabides, ar refrigerado, liquidificadores, brilhantina, camisetas, aviões, computadores, galochas, canudinhos e escadas rolantes. Mas humildade não nos falte para reconhecer que talento não é apanágio ou exclusividade do século XXI, pois somos beneficiários, principalmente beneficiários, antes e mais que protagonistas.

domingo, 26 de fevereiro de 2012

PALAVRAS DE FILÓSOFOS (2)

QUEM DISSE?


(1) Tudo é feito de água.



(2) Deus está morto. Nós o matamos!
Epicuro

(3) Duas coisas enchem o meu espírito de admiração e reverência: o céu estrelado acima de mim
e a lei moral dentro de mim.


(4)
Deus não criou o mundo, mas emanou-o.


(5) Nada existe; se algo existisse, não poderia ser pensado; se algo existisse e pudesse ser pensado, não poderia, de qualquer maneira, ser explicado.


(6) Todo homem é um compêndio de história.


(7) O objetivo da vida feliz é o prazer.


(8) Não nos banhamos duas vezes no mesmo rio.

Nietzsche
(9) A matéria não existe: é uma ideia da mente.


(10) Existem vícios benéficos e virtudes perniciosas.


CONFIRA AS RESPOSTAS


(1)
Tales de Mileto (cerca de 624 - 545 a.C.)


(2)
Friedrich Nietzsche (1844 - 1900)


(3)
Immanuel Kant (1724 - 1804)


Croce
(4)
Plotino (204- 270)



(5)

Górgias de Leontinos (cerca de 485 -378 a. C.)


(6)
Benedetto Croce (1866 - 1952)



(7)
Epicuro (341 - 270 a. C.)


(8)
Heráclito de Éfeso (cerca de 540 - 480 a. C.)



(9)
George Berkeley (1685 - 1753)
Kant

(10)
Nicolau Maquiavel (1469 - 1527)

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

PALAVRAS DE FILÓSOFOS (1)

QUEM DISSE?

(1) Penso, logo existo.



(2) Sábio é aquele que sabe que nada sabe.


(3) Deus é natureza naturante; o homem, natureza naturada.

Pascal
(4) A discórdia é a peste, e a tolerância, o remédio.


(5) A única solução é esquecer que se existe.


(6)
O coração tem razões que a própria razão desconhece.


(7) A música é uma harmonia de números.



(8) Todo conhecimento é uma recordação.

Sócrates
(9) O homem é a medida de todas as coisas.


(10) Nas mãos do homem, tudo degenera.



CONFIRA AS RESPOSTAS


(1)
René Descartes (1596-1650)



(2)

Sócrates (470 -399 a. C.)


(3)
Baruch Espinosa (1632 - 1677)

Espinosa
(4)
François Marie Arouet de Voltaire (1694 - 1778)



(5)
Arthur Schopenhauer (1788 - 1860)


(6)
Blaise Pascal (1623 - 1662)


(7)
Pitágoras (cerca de 570 - 500 a. C.)


(8)
Platão (428 - 347 a. C.)


(9)
Protágoras (483 - 410 a. C.)
Voltaire

(10)
Jean-Jacques Rousseau (1712 - 1778)

sábado, 18 de fevereiro de 2012

WALT WITHMAN

O Me! O Life!

O Me! O life!... of the questions of these recurring;
Of the endless trains of the faithless, of cities fill’d with the foolish;
Of myself forever reproaching myself, (for who more foolish than I, and who more faithless?)

Of eyes that vainly crave the light, of the objects mean, of the struggle ever renew’d;

Of the poor results of all, of the plodding and sordid crowds I see around me;

Of the empty and useless years of the rest, with the rest me intertwined;
The question (O me!) so sad, recurring:


What good amid these, O me, O life?

Answer:


That you are here—that life exists, and identity;
That the powerful play goes on, and you will contribute a verse.


Ó Eu! Ó Vida!

Ó eu! Ó vida!... das questões que sempre reaparecem;
Das legiões sem conta dos que não têm fé, das cidades repletas de tolos;

De mim próprio sempre a me censurar (pois, quem seria mais tolo que eu e quem teria menos fé?)

Dos olhos que inutilmente anseiam pela luz, das coisas ordinárias, do esforço sempre renovado;

Dos medíocres resultados de tudo, das multidões trôpegas e sórdidas que vejo no meu entorno;

Dos anos vazios e inúteis de todo o resto, eu integrado nesse resto;

Vem a questão (ó eu!) tão triste, recorrente:

O que há de bom no meio de tudo isso, ó eu, ó vida?

Resposta:


Você está aqui - a vida existe, e existe a identidade;
O poderoso espetáculo vai continuar, e você pode
contribuir com um verso.

Walt Whitman (1819-1892)

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

JOHN DALTON

UM QUACRE PROVINCIANO NA HISTÓRIA DO ÁTOMO

A ideia do átomo, introduzida no século V a. C. por Leucipo e Demócrito, ambos de Abdera, só seria retomada de forma objetiva no limiar do século XIX, com os trabalhos de John Dalton (1766- 1844), um simplório quacre que se projetou no mundo da ciência após haver estudado por conta própria na aldeia de Cockermouth, no norte da Inglaterra.

Demócrito

Os modernos conceitos de átomos, moléculas, elementos e compostos químicos foram apresentados por ele em 1808, e tão convincente
se houve nesse mister que em vinte anos sua teoria foi assumida em todo o mundo, embora muitos cientistas de renome se recusassem a aceitá-la.
Um dos que se opuseram à existência real dos átomos foi Ernest Mach, célebre professor da Universidade de Viena:


- Átomos e moléculas existem apenas na imaginação, como objetos do pensamento.


Ernest Mach

Essa polêmica arrastou-se por quase cem anos e incluiu episódios dramáticos, como o suicídio de Ludwig Boltzmann, um de seus defensores, e só foi resolvida no começo do século XX, tomando por base um artigo de Albert Einstein publicado em 1905. Pois nesse artigo Einstein explicou o movimento irregular dos grãos de pólen suspensos na água, conhecido como movimento browniano, como sendo decorrente do choque do pólen com as moléculas de água, estas como postuladas por Dalton.

Murray Gell-Mann

Uma sucessão de experiências, nos anos que se seguiram, permitiu que se penetrasse na intimidade dos átomos e se desvendasse o seu interior. Nomes importantes da ciência na formulação do conceito atual dos modelos atômicos são os de J. J. Thomson, Ernest Rutherford, Niels Bohr, Erwin Schrödinger, De Broglie, Heisenberg, James Chadwick e Murray Gell-Mann.

Tenha a bondade de aguardar

Dalton

Embora suas ideias tenham permanecido no terreno das hipóteses pelo resto da sua vida, Dalton tornou-se famoso mundialmente. Conta-se que em 1826 o químico francês Pierre Joseph Pelletier viajou a Manchester, na Inglaterra, especialmente para conhecê-lo.
Pelletier, que era uma celebridade, espantou-se ao encontrar John Dalton ensinando operações aritméticas elementares a um menino, no pátio de uma escola de subúrbio.


- É verdade que estou tendo a honra de dirigir-me ao senhor John Dalton?


- Sim, respondeu Dalton, com simplicidade. Tenha a bondade de aguardar, pois estou muito ocupado neste momento.

sábado, 11 de fevereiro de 2012

WOLFGANG PAULI

Pintar o teto da Capela Sistina

Desde 1897, quando o elétron foi descoberto pelo britânico Joseph John Thomson (1856-1940), os cientistas foram paulatinamente revelando a existência de muitas outras partículas subatômicas, algumas delas exóticas.


Glória e façanha é pintar o teto da Capela Sistina, compor uma sinfonia de Mahler, como também (por que não?) descobrir uma partícula subatômica usando apenas as quatro operações aritméticas. Foi o que fez o austríaco Wolfgang Pauli (1900-1958), Prêmio Nobel de Física, de 1945: ao observar o que acontece quando um nêutron se desdobra num próton e num elétron, no fenômeno conhecido como decaimento beta, Pauli calculou que havia uma diferença entre a energia das partículas, antes e depois do desdobramento, e para explicá-la postulou, em 1930, a existência de uma partícula que não pode ser percebida, por ter massa insignificante e carga elétrica nula, que tudo atravessa e que não interfere com nada.

- Somos constantemente atravessados por ela, em quantidades avassaladoras e à velocidade da luz.

- Não seria essa partícula fantasmal uma metáfora matemática, considerando que ninguém teve, ainda, o privilégio de vê-la, nem de senti-la?

Pauli confiava nos princípios da Física.

- Ela existe. Se não existir, estará violado o princípio da conservação da energia.

O físico italiano Enrico Fermi propôs dar a essa partícula o nome afetuoso de neutrino (neutronzinho), em virtude da sua neutralidade excepcional.

Wolfgan Pauli


Em 1956 os físicos Clyde Cowan, Frederick Reines, F. B. Harrison, H. W. Kruse e A. D. McGuire detetaram o neutrino no reator Hanford, em Washington, o que foi comunicado pela publicação, na revista Science, do artigo "Deteção do neutrino livre: uma confirmação".

- O neutrino é o triunfo do sutil, conformou-se o astrofísico francês Michel Cassé.

Um toureiro, vá lá...

Há cientistas que têm o hábito de desdenhar dos profissionais de outras áreas. O físico Ernest Rutherford (1871-1937) disse certa vez:

- Ciência é Física. O resto, coleção de selos.

Só por ironia Rutherford, que era um brilhante experimentador, ganhou o Prêmio Nobel de Química, em 1908. Não o de Física, mas o de Química!

Wolfgang Pauli, o gênio capaz de uma Capela Sistina, ou melhor, de descobrir partículas desconhecidas fazendo continhas, pautava-se por sentimentos análogos aos de Rutherford em relação aos outros cientistas. Até nas suas desilusões amorosas. Ao saber que sua esposa, Käthe Margarethe Deppner, o trocara por um químico, reagiu com as seguintes palavras:

- Se tivesse escolhido um toureiro, tudo bem. Mas, um químico... Não posso entender!

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

ZÉ FLORES E A CACHORRADA

A ECONOMIA, IDIOTA!

Na infância, lá nas profundezas de Minas Gerais, o advogado Zé Flores foi uma vítima constante dos cães de rua, que sobre ele avançavam sem nenhuma motivação, nem constrangimento. Lembra-se de que tinha de andar pela cidade com muito cuidado, mas nem sempre conseguia escapar das mordidas dos vira-latas, o que explica as cicatrizes que carrega em ambas as pernas. Outras crianças, mesmo que estivessem com ele, nunca eram molestadas, muito menos os adultos.


- Por que só avançam em mim?

- Os cães sentem o cheiro do seu medo, dizia-lhe o pai.

Até hoje, decorridos tantos anos, o advogado sente calafrios quando passa perto de um cachorro. Daí o seu desespero, quando, há oito meses, Dona Clarinha comprou o apartamento do terceiro andar. Ela veio com dezesseis cães! Dizem que é milionária e tem cento e cinquenta cachorros, entre grandes e pequenos, que ficam concentrados no sítio de Guapimirim, pelas bandas de Teresópolis. Lá, num canil que é coisa de cinema, um veterinário de dedicação exclusiva consulta diariamente a saúde dos animais, que, além disso, têm à sua disposição os serviços de dois tratadores profissionais. Junto de si, onde quer que esteja, a mulher tem sempre dezesseis cães, dos quais doze são substituídos a cada mês, enquanto os preferidos Tartufo, Michael Jordan, Branquinha e Almodóvar constituem a parte fixa da cachorrada. Quando descia para passear, Dona Clarinha era seguida por uma fila indiana de vira-latas, puxada pelo Tarturfo.



Se um dos animais saía da fila ou se atrasava, era prontamente admoestado pela dona:

- Vê se te emenda Branquinha!

- Vai ficar de castigo, Riquelme!

- Você não me engana, não, Rigoletto!

Era irritante aguardar que os dezesseis cachorros deixassem o elevador ou que desobstruíssem a saída de serviço. Sem contar o medo do Zé de que algum deles avançasse sobre suas pernas. Decidiu levar a questão ao síndico, que, embora também incomodado com o fato inusitado, não viu na convenção do condomínio nenhum dispositivo que pudesse ser usado contra Dona Clarinha.
Modus in rebus, retrucou Zé Flores, que tinha um inesgotável repertório de frases latinas. Podemos discutir o assunto no âmbito do artigo 31 da convenção. Veja aqui: “Alterações deste regulamento serão acolhidas, em Assembleia Geral, sempre que tiverem o apoio de dois terços dos condôminos em dia com suas obrigações condominiais”.

- Ótima ideia!


Convocada a reunião, Dona Clarinha afirmou que tinha lido a convenção do condomínio antes de comprar o apartamento. Nenhuma restrição a cães, que não eram sequer mencionados em nenhum lugar do texto.

- Estou amparada pela convenção do condomínio!

- Engana-se, disse o síndico. A senhora não leu o artigo 31.

- Li, sim, e o artigo não faz nenhuma menção a cachorro.

- A convenção pressupunha a existência de moradores convencionais, com perdão do trocadilho. Não sendo o caso, recorre-se ao artigo 31.

Nesse ponto José Flores entrou na discussão, pronto para colocar seu plano em ação.

- Dona Coisinha...


- Dona Coisinha, não senhor. Dona Clarinha!

- Eu disse Dona Clarinha, a senhora é que me entendeu mal. Outro dia fui hostilizado pelo Michael Jackson...

- Michael Jordan.

- Seus cachorros são imundos e fedorentos e infestam o edifício de pulgas!

- Como ousa dizer isso? Dou banho nos dezesseis cachorros pelo menos uma vez por dia!

- Aí está o que queríamos saber. Seus dezesseis cachorros acarretam um colossal desperdício de água. Por isso é que a conta de água do condomínio é tão alta. Um absurdo, total e definitivo!

Colocada a matéria em votação, só a dona votou pelos cachorros. Clarinha, que teve sessenta dias de prazo para sumir com os animais, decidiu vender o apartamento e mudou-se resignadamente, levando a cachorrada para longe.


- Foi assim a grande vitória de Zé Flores sobre os cachorros.

- Bastou mexer com o bolso dos eleitores, explicou ele.

- Funcionou.

- Funciona sempre. Pois, conforme disse James Carville, guru eleitoral de Bill Clinton, o que decide as votações é a economia. A economia, idiota!

sábado, 4 de fevereiro de 2012

LEI DE PARKINSON

Trabalho vegetativo


Em 1957 o professor Cyril Northcote Parkinson publicou na Inglaterra “
A Lei de Parkinson”, um livro, irônico e divertido, que introduziu, no terreno da Administração Empresarial, o que se convencionou chamar de “Escola do Absurdo”.
Parkinson manifesta no livro o entendimento de que o ocioso tem de ocupar-se, e muito, para preencher seu tempo disponível.
Seu exemplo é o de uma vovó que passa o dia cuidando de fazer um bilhete para alguém que mora numa cidade vizinha. Uma hora será gasta buscando os óculos; outra, procurando papel e caneta; duas horas, fazendo a redação do bilhete; vinte minutos, tentando encontrar o endereço; uma hora e meia, decidindo como se deslocar até o correio; e por aí vai. No final do dia, a boa velhinha estará exausta e aborrecida com os procedimentos que a tarefa lhe exigiu.

- Alguém de fato atarefado não gastaria nesse bilhete mais do que cinco minutos.


Nas empresas tudo se passa de maneira semelhante, valendo então a Lei de Parkinson, que tem um enunciado curioso, mas simples e direto:

“O trabalho aumenta para preencher o tempo disponível.”


É na verdade uma lei de crescimento vegetativo do trabalho, pois há uma tendência natural de aumentar o tempo disponível e, pois, o trabalho para preenchê-lo. Nas grandes empresas, um fator exacerba a aplicação da lei: o número de empregados de uma empresa ou organização tende a aumentar em progressão geométrica, independentemente dos níveis correntes de produção. Em consequência, sendo maior o tempo disponível agregadamente, os diversos chefes são obrigados a criar trabalho, uns para os outros.

Tudo começa quando o candidato a chefe quer tirar férias ou ter a faculdade de ausentar-se do local de trabalho, para ir ao médico, frequentar algum curso ou comparecer a palestras e reuniões de trabalho, sem ser impedido pelo fato de trabalhar sozinho. Ele almeja ter pelo menos dois subordinados, pois ficará com a vantagem de ser o único a entender a totalidade do serviço assim repartido, sem contar que o subordinado único seria um candidato potencial ao seu lugar de chefe. Ou seja, pensa em subordinados, não em rivais.
Admitidos os dois subalternos, com o passar do tempo, e pelos mesmos motivos, cada um destes almejará a contratação de mais dois auxiliares, de maneira a ter-se a possibilidade de, ao fim e ao cabo, estarem sete pessoas a executar uma tarefa antes confiada a apenas uma.


O número de pessoas de uma organização tende, por esse mecanismo, a elevar-se geometricamente, quer a produção aumente, diminua ou permaneça constante, seja na administração pública, seja na administração privada.
A consequência é mais tempo disponível e, pois, mais trabalho a ser criado para preenchê-lo. Caberá aos chefes inventarem trabalho uns para os outros, o que explica os despachos, citações, emendas, acréscimos, lembretes e observações, e as sucessivas idas e vindas dos processos que fundamentam as decisões. Além das reuniões inumeráveis.

- Isso é despiciendo...

- Tudo com a finalidade de preencher tempo disponível.

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Ladrões de Bicicleta

POR QUE O MENINO CHOROU?


Jano, o deus romano de duas cabeças, era considerado o deus das indecisões, pois, enquanto uma cabeça pensava uma coisa, a outra cabeça pensava a coisa contrária - uma metáfora poderosa para simbolizar as dificuldades que enfrentamos quando temos de decidir sobre alguma coisa.
Sem falar que há questões que são realmente indecidíveis.


Um exemplo parece ser o da história do filme Nós Que Nos Amávamos Tanto, do Ettore Scola, em que o personagem Nicola responde sobre Vittorio De Sica, habilitando-se a um prêmio milionário, num quadro televisivo que se chamava "Lascia o raddoppia" ("Perde ou dobra").
No programa decisivo, ao candidato foi dirigida a seguinte pergunta:

- Por que o menino chorou no final do filme Ladrões de Bicicleta, de Vittorio De Sica?



Qualquer pessoa normal que tivesse visto o filme responderia que o menino chorou porque viu o pai sendo espancado; o candidato não era, porém, uma pessoa normal, mas alguém que sabia tudo sobre De Sica. Sabia, por exemplo, que, para fazer chorar o ator amador Enzo Staiola, que fazia o menino Bruno, De Sica ordenou aos assessores que colocassem cigarros em seu bolso e o acusassem de roubo. Ofendido, o menino começou a chorar de verdade, aparecendo assim no filme imortal.
Não iriam perguntar-me o que todos sabem, pensou Nicole. Foi por isso que o personagem de Scola respondeu:

- O menino chorou porque o acusaram de haver roubado os cigarros que estavam no seu bolso.



A resposta foi considerada errada, e o candidato perdeu o prêmio, pois, segundo a produção do programa, o menino chorou porque viu o pai ser espancado.
Nicola nunca se conformou com esse desfecho, acreditando que, se tivesse optado por esta outra resposta, perderia do mesmo jeito, porque nesse caso a televisão diria que o choro ocorreu por causa dos cigarros.

Um exemplo de questão indecidível.