NO REINO DAS PERPLEXIDADES
Nosso assunto, meu e de Maria Hoyle, era mecânica quântica, um ramo da física que gera dúvidas e suscita grandes polêmicas em termos de interpretação e entendimento, mas nunca em termos de resultados, que são sempre precisos e inquestionáveis. O maior expoente nesse campo do conhecimento, o físico dinamarquês Niels Bohr, foi autor de um enunciado que se tornou célebre, mais ou menos na linha do que se segue:
- Qualquer um que não se choque com a Mecânica Quântica é porque não conseguiu entendê-la.
Nossa lógica, a da realidade das coisas que são percebidas e a da necessidade de uma causa para explicar os fenômenos (tudo a ver com Aristóteles), não funciona no mundo das partículas subatômicas, exatamente onde prevalecem o muito pequeno e o muito veloz.
- Vejo um carro andando à velocidade de 60 quilômetros por hora como tal porque é relativamente grande e relativamente lento.
Mas a lógica do realismo e da causalidade soçobra quando se trata de partículas subatômicas, que são diminutas e se deslocam a velocidades anormalmente elevadas. Por exemplo, a luz é formada por fótons, que são partículas sem massa, mas com energia, emitidas pelos elétrons. Mas, serão mesmo partículas? Lembre-se que o ambiente agora é o subatômico...
- Sim, disse Isaac Newton, são partículas, como grãos de areia, tanto que a luz ultravioleta, de alta energia, incidindo sobre um metal, desloca elétrons e produz o efeito fotoelétrico. Só uma partícula desloca outra partícula, como uma bola de bilhar chocando-se contra outra.
- Não!, retrucou Huyghens, a luz é uma onda, ou seja, uma linha sinuosa, como se fosse uma cobra, indo para cima e para baixo, configurando o que os matemáticos chamam de senoide. Pois, argumentava Huyghens, um raio de luz incidindo sobre um anteparo com dupla fenda (duas fendas próximas) passa pelas duas fendas, tanto que o observador vê um padrão senoidal de incidência da luz numa tela receptora, colocada para além do anteparo. Só uma linha poderia realizar essa façanha, a de passar ao mesmo tempo em dois lugares diferentes.
Quem estava com a razão, já que uma cobra nada tem a ver com um grão de areia? Isso mesmo, quem estava com a razão, Newton ou Huyghens?
- Ambos!, gritou Einstein, num dos seus célebres artigos de 1905. Pois a luz ora é partícula, ora onda.
- Como?
- Quem define se a luz é onda ou partícula é o observador. Na experiência do efeito fotoelétrico, o observador, com seu aparato, está preparado para ver partícula; desse modo verá a luz comportando-se como partícula. Na experiência da dupla fenda, o aparato é para ver a luz como onda. Não dá outra: a luz é vista funcionando como onda.
As surpresas não terminam nesse ponto. A tese de doutorado de Louis de Broglie, apresentada na França em 1924, tornou-se a mais famosa de todos os tempos, contribuindo decisivamente para o desenvolvimento da mecânica quântica, ao postular que toda a matéria, e não apenas a luz, tem um comportamento dual onda-partícula.
- Prótons, elétrons, nêutrons, mésons, tudo, absolutamente tudo, ora é partícula, ora é onda.
Como se a natureza, nos seus fundamentos, tivesse dois modelos (quem sabe não tenha mais de dois!?), dos quais apenas um se apresenta ao observador. Quando átomos e moléculas se reúnem para formar os corpos, com as velocidades civilizadas com as quais estes se nos apresentam, aí então tudo se torna um modelo só, a partir do qual construímos nossa lógica.
- E tem mais, acrescentou Niels Bohr, quem vê partícula, não vê onda; quem vê onda, não vê partícula. A ninguém é dado ver uma coisa e outra ao mesmo tempo.
Alguns físicos dizem jocosamente que há duas histórias, correndo paralelamente, das quais somente uma é percebida. Outros, no exagero, desconfiam de que são muitas histórias simultâneas, não apenas duas. Numa delas nasci com o talento de Mozart e, em outra, joguei futebol como Pelé.
- Numa de minhas vidas, o degas aqui acertou na sena acumulada, não tenho disso nenhuma dúvida!
Cecília Meireles
A afimação de que partícula e onda se excluem reciprocamente à percepção do observador configura o famoso Princípio da Complementaridade, da mecânica quântica. Uma coisa ou outra, nunca as duas. Neste ponto posso adicionar à física meu modesto conhecimento de poesia, que esta, quem sabe, também faz parte da mecânica quântica. Pois esse Princípio da Complementaridade, de Niels Bohr, poderia tranquilamente chamar-se de Princípio de Cecília Meireles, que não precisou de nenhum experimento fotoelétrico, nem de dupla fenda alguma, para estabelecer o que sempre há de prevalecer:
- Ou isto ou aquilo!
sábado, 14 de maio de 2011
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